Sábado, 6 de dezembro de 2025
APOIE
Menu

Há 74 anos, em meados de outubro de 1950, chegava ao ápice o confronto entre camponeses e latifundiários no norte do Paraná — a chamada Revolta de Porecatu (ou Revolta do Quebra Milho). Após serem expulsos de suas terras pelos latifundiários, posseiros, colonos e pequenos agricultores iniciaram um levante armado, que contou com o apoio do Partido Comunista. A revolta evoluiu para uma verdadeira guerrilha, mas foi brutalmente esmagada pelas forças repressivas do Estado.

A Revolta de Porecatu foi um dos vários conflitos fundiários ocorridos no contexto da Marcha para o Oeste — política de estímulo ao desenvolvimento e integração econômica do interior do Brasil, lançada pelo governo de Getúlio Vargas na década de 1930. A marcha incentivou a migração em massa e a expansão das fronteiras agrícolas nas regiões menos povoadas do país, resultando no aumento da pressão sobre as comunidades indígenas e na eclosão de disputas entre posseiros e proprietários rurais.

No Paraná, a Marcha para o Oeste foi conduzida pelo interventor Manuel Ribas. O interior do estado compreendia grandes vazios demográficos e regiões com o solo muito fértil — as áreas de “terra roxa”, solo avermelhado derivado da decomposição de rochas basálticas, muito propício à plantação de café, cana-de-açúcar, algodão e outras culturas. A partir dos anos 30, a Companhia de Terras do Paraná, uma empresa de capital inglês, assumiu a gestão de grande parte das terras devolutas. A ausência de mão de obra barata para desbravar os territórios e cultivar as terras, no entanto, ainda era um obstáculo.

Para acelerar esse processo, o governo de Manuel Ribas passou a incentivar a migração de posseiros, pequenos agricultores e trabalhadores rurais para o interior do estado. Inspirando-se na Lei de Propriedade Rural implementada por Abraham Lincoln nos Estados Unidos, Ribas se comprometeu a conceder títulos de propriedade aos posseiros que cultivassem a terra. A promessa atraiu milhares de camponeses, vindos sobretudo de São Paulo e Minas Gerais. Cerca de 120 mil hectares de terras foram destinados aos colonos na região de Porecatu, Jaguapitã e Centenário do Sul, no Vale do Rio Paranapanema.

Com seus próprios recursos, os posseiros realizaram a limpeza das terras e iniciaram o plantio do café e de outros produtos. Abriram estradas, construíram depósitos e galpões, cavaram açudes — enfim, prepararam todo o território para receber atividades agrícolas. Não obstante, mesmo tendo cumprido sua parte no acordo, os pequenos agricultores jamais receberam os títulos de propriedade que foram prometidos. Ao contrário: após o fim do Estado Novo, essas terras foram cedidas a fazendeiros. Esse processo se agravou durante o governo de Moysés Lupion, que concedeu enormes extensões de terras a grandes latifundiários — beneficiando, especialmente, a poderosa família Lunardelli, muito próxima do governador.

Reivindicando a posse da terra, os latifundiários passaram a assediar e a expulsar os posseiros — sempre empregando meios violentos, com o uso de jagunços e pistoleiros. Para forçar os camponeses a saírem de suas terras, a família Lunardelli, beneficiada com a concessão de 17 mil hectares na região de Porecatu, criou sua própria milícia armada, comandada pelo pistoleiro José Celestino. Além de estimular a grilagem e o roubo de terras dos camponeses, o governo paranaense colocou a polícia militar a serviço dos fazendeiros e seus jagunços.

Os conflitos se tornaram cada vez mais violentos. Em agosto de 1947, o tenente João Paredes liderou uma ofensiva para expulsar os posseiros da Fazenda Guaracy, assassinando quatro trabalhadores, incluindo um menino de 14 anos. A ação enfureceu os trabalhadores rurais, que reagiram intensificando os protestos e organizando bloqueio de estradas.

Boa parte das ações de resistência foram organizadas pelas Ligas Camponesas, que se instalaram na região a partir de 1945. Criadas com apoio do Partido Comunista do Brasil (antigo PCB), as ligas eram organizações de trabalhadores rurais que reivindicavam a reforma agrária e melhores condições de vida no campo. Elas funcionavam como células autônomas, abrigando desde trabalhadores sem-terra a pequenos proprietários rurais.

Maxi Ottoni/.“O Cruzeiro”, 14 de julho de 1951
Posseiro de Porecatu na fazenda ocupada pelos camponeses

O PCB se engajou fortemente na luta dos colonos e posseiros de Porecatu, denunciando a violência dos jagunços e pressionando pela concessão de títulos de propriedade. Eleito deputado pelo partido em 1946, Carlos Marighella pressionou pela instalação de uma CPI para apurar os abusos dos fazendeiros na região. A cassação do registro eleitoral do PCB e dos mandatos parlamentares dos comunistas, no entanto, limitou a possibilidade de ação nas esferas institucionais. Em 1948, já na clandestinidade, o PCB publicou um manifesto proclamando a radicalização de sua linha política oficial e apontando a “revolução agrária e anti-imperialista” como uma prioridade na luta pela libertação nacional.

A postura combativa do PCB encontrou ampla ressonância entre os camponeses e pequenos agricultores de Porecatu, que aderiram à convocatória pela luta armada. O partido assumiu a organização do movimento insurrecional e começou a armar os posseiros. À frente do movimento estava a família Gajardoni, que integrava o comitê do PCB em Jaguapitã. As Ligas Camponesas, sob o comando regional de Hilário Gonçalves Pinha, e o comitê do PCB de Londrina também participaram ativamente na organização dos grupos armados.

Os posseiros deram início à luta armada em novembro de 1948, invadindo as fazendas de região, aprisionando os fazendeiros e atacando as milícias de jagunços em emboscadas e escaramuças. Eles exigiam o confisco e a distribuição das terras griladas, a concessão dos títulos de propriedade aos colonos, a remoção e punição dos jagunços e o reconhecimento dos direitos dos trabalhadores do campo.

A campanha foi dividida em três grupos, instalados em áreas estratégicas da região — o primeiro liderado por Arildo Gajardoni, o segundo por Hilário Gonçalves Pinha e o terceiro por André Rojo. Os grupos respondiam ao comando do quartel-general, chefiado por Celso Cabral de Mello, o “Capitão Carlos”, também incumbido de intermediar o contato com os comitês do PCB em Jaguapitã e Londrina.

A Revolta de Porecatu se prolongou por anos, transformando-se efetivamente em uma guerrilha. Os posseiros impuseram diversas derrotas às forças policiais e impediram a remoção dos trabalhadores rurais da região. Os combates mais violentos, no entanto, eram travados contra os jagunços — que conheciam as matas da região e conseguiam se adaptar à estratégia de guerrilha.

O conflito mais sangrento da guerrilha ocorreu em 10 de outubro de 1950, quando cinco soldados e o jagunço Luisinho foram mortos pelos rebeldes. A vitória mais celebrada pelos posseiros, entretanto, foi o justiçamento do jagunço José Celestino, comandante das milícias da família Lunardelli.

Celestino era conhecido por sua crueldade. Era acusado de cometer estupros, tinha o hábito de incendiar as casas dos posseiros e já havia assassinado vários trabalhadores rurais. Quando o jagunço foi fuzilado pelos rebeldes, os trabalhadores rurais festejaram efusivamente. A façanha ampliou a simpatia dos camponeses pelos guerrilheiros — e alarmou os latifundiários e as autoridades.

Pressionado pelos fazendeiros a esmagar a guerrilha, o governador Bento Munhoz da Rocha determinou a criação de uma grande operação militar. A ofensiva mobilizou contingentes da Polícia Militar do Paraná, soldados do Exército Brasileiro e agentes do DOPS. A operação teve início em julho de 1951. Em desvantagem numérica e com armas obsoletas, os posseiros logo foram subjugados. A repressão foi brutal. Dezenas de combatentes foram assassinados e vários posseiros foram presos. As famílias camponesas foram forçadas a abandonar suas terras e a migrar para outras regiões.

Apesar do desfecho, a Revolta de Porecatu constitui um importante marco das lutas camponesas do Brasil. O levante insuflou a politização e organização do campesinato e serviu de inspiração para os movimentos de luta pela terra que se fortaleceram no país ao longo dos anos 50 e 60.