Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Há 78 anos, em 16 de julho de 1947, nascia a revolucionária norte-americana Assata Shakur. Figura emblemática da luta pela emancipação dos afro-americanos, Assata foi membro do Partido dos Panteras Negras e ajudou a implementar diversas ações sociais no bairro do Harlem.

Nos anos 70, ela se tornou fundadora e líder do Exército de Libertação Negra — um grupo revolucionário de guerrilha urbana que se tornaria alvo preferencial da repressão do FBI.

Alvo de uma campanha persecutória do governo norte-americana, Assata foi presa após uma emboscada policial e condenada à prisão perpétua. Ela foi alvo de diversos abusos físicos e psicológicos durante o cárcere, permanecendo em isolamento por quase dois anos em uma prisão masculina.

Em 1979, Assata conseguiu fugir da cadeia e partiu para o exílio em Cuba, onde vive até hoje. Ela também é conhecida por ser madrinha do rapper Tupac Shakur e foi homenageada em várias canções.

O governo norte-americano continua exigindo a extradição de Assata. Ela foi a primeira mulher a ser colocada na “Lista dos Terroristas Mais Procurados” do FBI.

Juventude e formação

Batizada JoAnne Deborah Byron, Assata Shakur nasceu no distrito de Queens, em Nova York, em uma família negra da classe operária. Ela passou parte da infância na casa dos avós em Wilmington, Carolina do Norte. Após concluir o ensino primário, voltou para Nova York, onde viveu com sua mãe, a professora Doris Johnson, e seu padrasto.

Sua adolescência foi bastante atribulada, marcada por conflitos familiares, fugas e abandono escolar. Ela viveu por um tempo com sua tia, Evelyn Williams, uma militante do movimento dos direitos civis dos negros. Foi Evelyn que pressionou Assata a retomar os estudos e que a ajudou a obter seu diploma de equivalência do ensino secundário (GED).

Assata ingressou na Faculdade Comunitária do Distrito de Manhattan e posteriormente se transferiu para o City College de Nova York (CCNY). A jovem iniciou sua militância política durante a graduação, dedicando-se ao estudo do marxismo e do socialismo, participando nas manifestações do movimento negro e dos protestos contra a Guerra do Vietnã.

Em 1967, Assata foi presa pela primeira vez, após participar de um ato exigindo a contratação de mais professores universitários negros e a inclusão dos estudos afro-americanos nas grades curriculares. Nesse mesmo ano, ela se casou com Louis Chesimard, um colega da CCNY. O casamento durou pouco tempo. Eles romperam após um ano juntos e se divorciaram legalmente em 1970.

Assata Shakur retratada em 1981 por Trenton Times
Wikimedia Commons

Panteras Negras

O ingresso de Assata na militância política ocorreu em um período marcado pela intensificação da luta antissegregacionista. A aprovação da Lei dos Direitos Civis e da Lei dos Direitos de Voto representaram importantes conquistas, mas a violência policial, os ataques raciais de grupos supremacistas e a discriminação econômica persistiam como obstáculos à plena integração dos afro-americanos.

A frustração com o pacifismo das correntes majoritárias do movimento negro abriu espaço para o surgimento de organizações mais combativas, que pregavam o recurso à autodefesa e uma postura de maior confrontação diante das ofensivas reacionárias. É o caso do Partido dos Panteras Negras, fundado em 1966 por Huey Newton e Bobby Seale.

Os Panteras Negras eram uma agremiação de orientação marxista-leninista e inspiração maoísta. Eles defendiam a legitimidade da violência revolucionária para garantir a integridade física e o respeito aos direitos fundamentais da população negra.

Assata ingressou nos Panteras Negras no fim dos anos 60. Ela logo se tornaria uma dirigente da organização no Harlem, onde ajudou a implementar programas de alfabetização, clínicas comunitárias e o programa “Café da Manhã Gratuito para Crianças”, que visava fornecer nutrição adequada para estudantes negros de bairros pobres.

Exército de Libertação Negra

Malgrado a importância do trabalho de base e da organização política dos Panteras Negras, Assata se frustrou com o machismo de alguns membros do partido e com a falta de espaço para as mulheres nos processos decisórios internos.

No início dos anos 70, ela se uniu aos dissidentes que participaram da fundação do Exército de Libertação Negra (BLA) — uma organização revolucionária que pregava a luta armada e o uso de táticas de guerrilha urbana para promover a emancipação do povo negro.

O BLA foi fortemente influenciado pela luta dos movimentos anticoloniais como a Frente Nacional para a Libertação do Vietnã (os chamados “vietcongues”) e a Frente de Libertação Nacional da Argélia. O grupo não tinha uma estrutura administrativa centralizada, sendo organizado através de células autônomas clandestinas, visando dificultar operações de infiltração, vigilância e repressão.

Foi após a adesão ao BLA que JoAnne passou a usar o nome Assata Olugbala Shakur, abandonado o que considerava seu “nome de escravizada”. “Assata” é um termo derivado da África Ocidental que significa “guerreira”. “Shakur” provém do árabe e quer dizer “agradecida”. E “Olugbala” é o termo iorubá para “salvador”.

Assata participou de uma série de ações armadas levadas a cabo pelo BLA, incluindo alguns assaltos a bancos, visando angariar recursos para financiar o movimento. Em 1972, ela seria identificada pelo FBI como a chefe da célula do movimento em Nova York.

COINTELPRO

Após a prisão de Dhoruba bin Wahad, as autoridades norte-americanas passaram a considerar Assata como a principal liderança do Exército de Libertação Negra, o que a transformou em uma das pessoas mais procuradas nos Estados Unidos.

Assata foi um dos alvos diretos do COINTELPRO — um programa secreto de contrainteligência conduzido pelo FBI entre as décadas de 50 e 70. O programa tinha como objetivo desarticular, desacreditar e, se necessário, eliminar as organizações e indivíduos considerados “subversivos” pelo governo norte-americano.

Inicialmente focado na repressão ao movimento comunista, o programa foi expandido para abranger as lideranças e organizações do movimento negro a partir dos anos 60. Os agentes do COINTELPRO usavam táticas de espionagem, infiltração, desinformação, fabricação de evidências, assassinato de reputação e até execuções sumárias para neutralizar seus alvos.

Assim como vários líderes da resistência negra, Assata foi alvo de diversas acusações criminais fabricadas, a fim de ser rotulada como uma ameaça à segurança nacional. Entre 1973 e 1977, ela seria indiciada em 10 processos criminais distintos, respondendo a acusações de assaltos, sequestros, tentativas de homicídio, agressão e posse ilegal de armas.

Quase todas as acusações direcionadas a Assata foram posteriormente descartadas por falta de provas. Dos sete julgamentos aos quais ela foi submetida, três resultaram em absolvições e outros três foram arquivados. E o único caso que resultou em condenação estava repleto de irregularidades.

Confronto em Nova Jersey e prisão

O caso em que Assata foi condenada ocorreu em 2 de maio de 1973. Ela estava em um veículo que trafegava por uma rodovia de Nova Jersey, acompanhada de Zayd Malik Shakur e Sundiata Acoli. Na altura da cidade de East Brunswick, o automóvel foi forçado a encostar por uma patrulha policial, por uma suposta infração de trânsito.

O que aparentava ser uma abordagem de rotina se converteu em um tumulto e logo evoluiu para um troca de tiros. Zayd e o policial Werner Foerster foram mortos durante o embate. Assata foi alvejada cinco vezes. Ela foi levada para o Hospital Geral de Middlesex em estado grave, mas sobreviveu. Em seguida, foi transferida para uma prisão, onde foi submetida a espancamentos e sessões de tortura. Assata estava grávida quando foi presa. Sua filha, Kakuya Shakur, nasceu em setembro de 1974.

Assata sempre afirmou sua inocência, alegando que foi vítima de uma emboscada e que não disparou nenhum tiro. As evidências forenses apresentadas durante o julgamento mostraram que ela não tinha resíduos de pólvora nas mãos. Além disso, a posição dos ferimentos sugeriam que ela foi baleada enquanto estava se rendendo com as mãos levantadas, contradizendo a narrativa policial.

O julgamento de Assata foi marcado por controvérsias. Realizado em um condado predominantemente branco e conservador, o processo foi denunciado por ativistas dos direitos civis como um exemplo de justiça racialmente enviesada. O júri era composto exclusivamente por pessoas brancas e a mídia retratava Assata como uma criminosa perigosa.

O processo foi eivado de irregularidades, com manipulação de provas, coação de testemunhas e violações dos direitos processuais da defesa. Em abril de 1977, Assata foi condenada pelo assassinato de Werner Foerster e sentenciada à prisão perpétua.

As condições do cárcere eram brutais. Assata foi mantida em isolamento por dois anos em uma prisão masculina, enfrentando abusos físicos e psicológicos. Posteriormente, foi transferida para o Centro Correcional Clinton, uma unidade feminina de segurança máxima.

A prisão de Assata se tornou um símbolo das injustiças do sistema jurídico norte-americano. Angela Davis e outros militantes do movimento negro denunciaram internacionalmente sua condição de presa política. Uma investigação conduzida por um painel de juristas vinculado à Comissão de Direitos Humanos da ONU reconheceu que as condições de sua prisão eram desumanas.

Fuga e exílio em Cuba

Assata Shakur foi libertada da prisão em 2 de novembro de 1979, por meio de uma audaciosa operação conjunta organizada pelo Exército de Libertação Negra e pela Organização Comunista 19 de Maio. A ação foi realizada por quatro pessoas disfarçadas de visitantes. Eles renderam os guardas e agentes penitenciários, retiraram Assata do recinto e fugiram em um veículo que os aguardava do lado de fora.

O FBI distribuiu cartazes com o rosto de Assata por todo país. Três dias após a fuga, milhares de pessoas saíram às ruas de Nova York em uma manifestação em apoio à fugitiva, carregando cartazes de “Assata é bem vinda aqui”.

Assata permaneceria como foragida nos Estados Unidos por quase cinco anos, auxiliada por uma rede de apoio mantida pelo BLA, organizações do movimento negro e agremiações da esquerda revolucionária.

Em 1984, Assata conseguiu fugir para Cuba, onde foi recepcionada por Fidel Castro e recebeu o status de refugiada política. Sua filha Kakuya se mudou para ilha no ano seguinte. Elas vivem em Cuba até hoje e seguem participando ativamente do debate político a das ações da militância socialista e antirracista.

Assata publicou uma autobiografia em 1988 e lançou outro livro escrito em parceria com Dhoruba bin Wahad e Mumia Abu-Jamal em 1993 (“Still Black, Still Strong”). Sua vida foi retratada no documentário “Eyes of the Rainbow”, dirigido por Gloria Rolando, e no filme “Assata aka Joanne Chesimard”, de Fred Baker. Conhecida por ser madrinha de Tupac Shakur, Assata foi citada e homenageada em dezenas de canções.

O asilo concedido por Cuba gerou tensões nas relações com os Estados Unidos. O governo norte-americano segue até hoje exigindo a extradição de Assata e o FBI chegou a oferecer um milhão de dólares pela sua captura. Em 2013, Assata Shakur se tornou a primeira mulher a figurar na “Lista dos Terroristas Mais Procurados” pelos Estados Unidos.