Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Há 45 anos, em 18 de setembro de 1980, o cosmonauta Arnaldo Tamayo Méndez estabelecia uma série de marcos históricos. Ele se tornou o primeiro homem negro, o primeiro cubano e o primeiro latino-americano a viajar para o espaço.

Formado como piloto de caça, Tamayo participou das missões aéreas na Crise dos Mísseis e serviu como consultor militar na Guerra do Vietnã. Em 1978, ele foi selecionado para uma missão no âmbito do programa espacial Intercosmos, mantido pela União Soviética. O cubano decolou a bordo da espaçonave Soyuz 38, acompanhado do cosmonauta Yuri Romanenko.

Tamayo passou uma semana na estação espacial soviética Salyut 6, conduzindo uma série de experimentos científicos que contribuíram para pesquisas em medicina, física, biologia e tecnologia espacial. Em seu retorno, ele recebeu dois títulos de Herói Nacional, outorgados pelos governos cubano e soviético.

Juventude e formação

Arnaldo Tamayo Méndez nasceu em 29 de janeiro de 1942, em Baracoa, uma cidade na província de Guantánamo, no extremo leste de Cuba. Ele nunca conheceu o pai e ficou órfão aos 8 meses de vida, quando sua mãe faleceu de tuberculose. O menino foi adotado pelo tio, Rafael Tamayo, um mecânico de automóveis, e sua esposa, Esperanza Méndez.

Sua infância foi pontuada por dificuldades. Tamayo cresceu em um país mergulhado em crises econômicas e políticas, marcado por uma herança escravocrata que restringia as possibilidades de ascensão da população negra. Ainda criança, ele teve que começar a trabalhar para ajudar no sustento da casa. Foi engraxate, entregador de leite e vendedor de jornais.

Mudando-se para a capital da província, Tamayo conciliou os estudos com o trabalho. Aos 13 anos, ele ingressou como aprendiz de carpinteiro na oficina de um amigo da família. Morava próximo à Base Naval de Guantánamo e observava com fascinação as decolagens e voos dos caças norte-americanos sobre a ilha.

Tamayo sempre nutriu o desejo de pilotar aviões, mas essa era uma possibilidade muito distante, reservada aos jovens das classes abastadas. Na Serra Maestra, contudo, surgia um movimento disposto a modificar esse cenário. Sob a liderança de Fidel Castro, um exército guerrilheiro iniciava a luta para derrubar o regime ditatorial de Fulgencio Batista.

A exemplo de boa parte da classe trabalhadora, Tamayo e sua família apoiaram com entusiasmo a Revolução Cubana. Ele participou dos protestos contra o governo de Batista e, aos 17 anos, juntou-se a uma organização estudantil vinculada ao movimento revolucionário.

Em março de 1959, meses após o triunfo da insurreição, Tamayo atendeu à convocatória de Raúl Castro e se apresentou como voluntário à Associação dos Jovens Rebeldes, participando das frentes de trabalho. No ano seguinte, ele ingressou no curso de engenharia do Instituto Técnico do Exército.

Carreira militar

Em abril de 1961, o governo cubano foi alvo de uma violenta ofensiva dos Estados Unidos. Forças paramilitares treinadas e equipadas pela CIA invadiram a Baía dos Porcos, visando derrubar Fidel Castro. A ofensiva foi derrotada em poucos dias, mas convenceu os revolucionários sobre a necessidade de ampliar os investimentos em defesa.

No mesmo ano, um grupo de jovens cubanos foi enviado para a União Soviética, a fim de realizar treinamento militar. Tamayo era um dos integrantes desse grupo e foi matriculado no curso de piloto de combate da Escola da Força Aérea de Yeysk. Tornou-se, assim, um dos primeiros cubanos habilitados a pilotar um caça MiG-15. Passados dois anos da revolução, o aprendiz de carpinteiro havia concretizado o seu sonho de voar.

Cinco meses após retornar a Cuba, em outubro de 1962, Tamayo assumiu suas primeiras missões oficiais na Força Aérea Cubana. O país vivia o ápice da Crise dos Mísseis, o momento de maior tensão da Guerra Fria. Integrando a Brigada da Playa Girón, o piloto realizou 20 missões de reconhecimento aéreo, interceptando aeronaves e vigiando os navios de guerra despachados pela Casa Branca para realizar o bloqueio naval à ilha.

Já reconhecido como um dos melhores pilotos do país, Tamayo foi promovido a líder de um esquadrão e chefiou uma unidade de treinamento em combate aéreo. Em 1967, ele se tornou membro do Partido Comunista de Cuba e viajou para o Vietnã, onde atuou como consultor militar.

De volta a Cuba, Tamayo ingressou na Escola Superior das Forças Armadas Revolucionárias e recebeu sucessivas promoções. Em 1975, tornou-se Chefe do Estado-Maior da Brigada de Aviação de Santa Clara. No ano seguinte, foi promovido a tenente-coronel.

Arnaldo Tamayo Méndez, primeiro latino-americano no espaço
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A Missão Espacial

A maior conquista de Tamayo, no entanto, ainda estava por vir. No fim dos anos 70, o piloto integraria um dos mais importantes projetos científicos da história de Cuba: a colaboração no programa Intercosmos.

Mantido pela União Soviética, o Intercosmos tinha por objetivo promover a cooperação internacional na exploração do espaço, sobretudo entre as nações do bloco socialista. Os países parceiros eram convidados a realizar lançamentos de satélites, conduzir experimentos científicos e enviar cosmonautas para voos tripulados.

Em 1976, o governo cubano foi chamado para participar da missão Soyuz 38, que enviaria cosmonautas para a estação espacial soviética Salyut 6. Mais de 600 pessoas se candidataram ao posto de primeiro cosmonauta cubano. Beneficiado pela reputação de piloto excepcional, pela fluência na língua russa e pelo bom desempenho nos exames, Tamayo foi selecionado para a missão. José López, capitão da Força Aérea Cubana, foi escolhido como reserva.

Enviado para a Cidade das Estrelas, nos arredores de Moscou, Tamayo passou por um treinamento rígido, com simulações, testes físicos e estudos científicos. A preparação se estendeu por quase dois ano e incluiu isolamento em câmaras de pressão e adaptação para os desafios da microgravidade.

O voo de Tamayo

O lançamento ocorreu em 18 de setembro de 1980, no Cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão. Acompanhando Tamayo na espaçonave estava o cosmonauta soviético Yuri Romanenko, veterano de duas missões espaciais. A Soyuz 38 decolou com sucesso às 19h11 e atracou na estação espacial no dia seguinte, às 20h49.

A missão estabeleceu uma série de marcos históricos. Arnaldo Tamayo Méndez se tornou o primeiro homem negro, o primeiro cubano e o primeiro latino-americano a viajar para o espaço. A façanha também reforçava o pioneirismo soviético na corrida espacial — onde já constavam os primeiros voos espaciais masculino (Yuri Gagarin) e feminino (Valentina Tereshkova).

Na estação espacial, Tamayo e Romanenko foram recebidos por Leonid Popov e Valery Riumin. A missão se prolongou por uma semana, abrangendo 124 órbitas ao redor da Terra. Durante esse período, Tamayo realizou 21 experimentos elaborados pela Academia Cubana de Ciências, cobrindo áreas como medicina, biologia, física, psicologia e geologia. Outros seis experimentos foram conduzidos pelos soviéticos.

Um dos principais estudos realizados durante a missão visava investigar a Síndrome de Adaptação Espacial. Outro experimento pioneiro envolvia a cristalização da sacarose em microgravidade e pretendia obter dados a serem aplicados no aperfeiçoamento da produção industrial do açúcar cubano.

Os cosmonautas voltaram para a Terra em 26 de setembro de 1980. A viagem foi dramática, realizada durante a noite, sob más condições de visibilidade e ventos fortes. Apesar disso, a tripulação aterrissou ilesa na cidade de Dshezkazgan, Cazaquistão.

Pós-retorno

Em seu retorno a Cuba, Tamayo foi saudado por uma multidão nas ruas de Havana. Fidel Castro o condecorou pessoalmente com a medalha de Herói da República de Cuba. Tamayo também foi laureado com a Ordem de Lenin e recebeu o título de Herói da União Soviética. O traje do cosmonauta está preservado no Museu da Revolução, ao lado de várias relíquias da missão espacial.

Tamayo assumiu uma série de funções cívicas e militares em seu país. Ele foi nomeado diretor de Assuntos Internacionais das Forças Armadas, presidente da Associação de Amizade Cuba-Rússia e diretor da Sociedade Educacional e Patriótica Militar.

Desde 1981, Tamayo exerce o cargo de deputado na Assembleia Nacional do Poder Popular, representando a província de Guantánamo. Ele é autor de uma série de projetos de educação científica, elaborou leis de fomento à igualdade racial e articulou iniciativas de cooperação com países como Rússia e Venezuela.

Tamayo publicou um livro em 2017, intitulado “Con mis Pequeños Cosmonautas”. Nesse mesmo ano, foi homenageado pela Unesco com a Medalha de Ciência Espacial.