Sábado, 6 de dezembro de 2025
APOIE
Menu

Há 11 anos, em 23 de julho de 2014, falecia o dramaturgo, romancista e poeta paraibano Ariano Suassuna. Considerado um dos maiores dramaturgos brasileiros de todos os tempos, ele dedicou sua vida a lutar pela valorização da cultura popular nordestina.

Ariano é o autor de alguns dos textos mais conhecidos do teatro brasileiro, destacando-se o “Auto da Compadecida” — comédia dramática que o projetou nacionalmente na década de 50, combinando elementos da literatura de cordel, da tradição barroca e dos autos ibéricos.

As obras de Ariano frequentemente evocam o cotidiano das massas e exaltam o sertanejo comum, dignificando as tradições e os costumes do povo. Ao mesmo tempo, o autor satiriza as classes altas e os poderosos e denuncia a opressão de classes e a injustiça social.

Ariano foi o criador do “Movimento Armorial” — iniciativa que buscava fundir as tradições populares à arte erudita, marcada pela produção de obras de grande originalidade. Era igualmente um defensor do ideário socialista e advogava em favor da necessidade de fortalecer a identidade nacional para resistir à colonização cultural.

Juventude e formação

Ariano Vilar Suassuna nasceu em 16 de junho de 1927, na cidade de Paraíba do Norte, atual João Pessoa. Ele pertencia a uma família com grande influência política na Paraíba. Era filho de Rita de Cássia Dantas Villar e do advogado João Suassuna, o governador do estado.

Pouco tempo após seu nascimento, a família se mudou para a Fazenda Acauã, no sertão paraibano. Aos três anos de idade, Ariano perdeu o pai. João Suassuna foi morto por Miguel Alves de Souza, no contexto dos violentos embates gerados pela Revolução de 1930.

O caso nunca foi totalmente esclarecido, mas é provável que João Suassuna tenha sido morto em retaliação ao assassinato de João Pessoa, o candidato à vice-presidência na chapa encabeçada por Getúlio Vargas.

João Pessoa foi vítima de uma vingança política e pessoal, mas seus correligionários atribuíram falsamente a responsabilidade por sua morte ao grupo político de Suassuna.

Após a morte do pai, a família de Ariano se mudou para Taperoá, uma pequena cidade no interior da Paraíba. Foi nesse local que ele cursou as primeiras letras e entrou em contato com as manifestações culturais do Sertão nordestino, como a arte dos mamulengos, os folguedos, a literatura de cordel, os cantadores de viola, os repentistas e os festejos populares.

Em 1938, os Suassuna se mudaram mais uma vez, fixando residência no Recife. Lá, Ariano deu continuidade aos estudos, frequentando o Colégio Americano Batista e o Colégio Oswaldo Cruz. Em 1945, ele concluiu o ensino secundário no Ginásio Pernambucano. Ariano fez sua estreia literária nesse mesmo ano, publicando o poema “Noturno”, veiculado com destaque no Jornal do Commercio.

Em 1946, Ariano ingressou na Faculdade de Direito de Recife, atual FDR-UFPE, onde se formou em 1950. Posteriormente, ele cursaria Filosofia na Universidade Católica de Pernambuco.

O dramaturgo

Durante o período em que estudou na Faculdade de Direito, Ariano se envolveu fortemente com os círculos culturais pernambucanos, participando ativamente de grupos literários e teatrais. Entre 1946 e 1947, ele ajudaria a reformular o Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP).

Sob a liderança de Hermilo Borba Filho, o TEP se converteu em um marco da modernização do teatro no Nordeste brasileiro, produzindo uma dramaturgia autenticamente regional e ajudando a difundir os espetáculos teatrais, disponibilizando-os para as classes populares. Na companhia, Ariano conviveu com nomes como Aloísio Magalhães, Capiba e Gastão de Holanda.

Em 1947, o TEP foi responsável por encenar a primeira peça de teatro escrita por Ariano, intitulada “Uma Mulher Vestida de Sol”. Com uma história centrada no conflito por terras e uma estética influenciada pelo romanceiro popular nordestino, a obra já prenunciava várias características marcantes da produção ulterior do autor. A peça venceu o Prêmio Nicolau Carlos Magno.

No ano seguinte, Ariano escreveu “Cantam as Harpas de Sião” (ou “O Desertor de Princesa”), que seria encenada pelo TEP em um palco móvel do Parque Treze de Maio. Depois, ele lançou as peças “Os Homens de Barro” (1948-1949) e “Auto de João da Cruz” (1950) — essa última laureada com o Prêmio Martins Pena.

Nos anos 50, Ariano seguiu enfatizando a temática nordestina em suas obras, publicando “O Castigo da Soberba” (peça baseada em um folheto de cordel atribuído a Silvino Pirauá de Lima) e “O Rico Avarento” (inspirado na comédia “O Avarento”, de Molière). Ele também escreveu “Torturas de um Coração”, uma peça para teatro de mamulengos, e “O Arco Desolado”, que recebeu Menção Honrosa no Concurso do 4º Centenário da cidade de São Paulo.

O Auto da Compadecida

Em 1955, Ariano escreveu a peça “Auto da Compadecida”, sua obra mais célebre. Inspirada nos autos medievais ibéricos e na literatura de cordel, a peça mistura humor, crítica social e religiosidade popular, apresentando uma perspectiva fortemente regionalista. O texto é imbuído de elementos do realismo mágico e pontuado por comentários sobre a luta dos oprimidos pela sobrevivência em um contexto de desigualdade social.

A peça é dividida em três atos, nos quais se desenrola a história de João Grilo, um personagem de contos folclóricos, e Chicó. A dupla utiliza a astúcia para sobreviver ao ambiente árido e às adversidades do Sertão, onde clérigos, coronéis e cangaceiros se revezam para oprimir os sertanejos. A narrativa culmina em um julgamento celestial, onde o Diabo, Jesus e a Virgem Maria decidirão o destino dos populares.

Ariano Suassuna em 1971
Wikimedia Commons

Aclamado pelo público, o “Auto da Compadecida” ficou em primeiro lugar no Festival Nacional de Teatro Amador em 1957 e conferiu a Ariano reconhecimento nacional. A peça se consagraria como o texto mais célebre da dramaturgia moderna brasileira, sendo montada por companhias de teatro de todo o país e adaptada para cinema e televisão.

O “Auto da Compadecida” influenciou no surgimento de um novo tipo de teatro, fortemente inspirado nas tradições populares. A peça foi adaptada para outros idiomas e montada em vários países, incluindo Alemanha, Polônia, Espanha, França, Países Baixos e Estados Unidos.

Novas peças e atuação como educador

Em 1956, Ariano se casou com a artista plástica Zélia de Andrade Lima. A união duraria pelo resto da vida e resultaria em seis filhos: Joaquim, Maria, Manuel, Isabel, Mariana e Ana. Zélia teria grande influência sobre a visão de mundo do marido e foi efetivamente a responsável por sua conversão ao catolicismo.

Ainda em 1956, Ariano assumiu o cargo de professor de Estética da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ele permaneceria nessa função por quase quatro décadas, formando várias gerações de estudantes e ajudando a consolidar o debate sobre a importância da cultura popular e da valorização da identidade brasileira.

As aulas de Ariano eram conhecidas pela energia, humor e pela contação de causos e histórias, evocando o ambiente de suas peças teatrais. Ele tinha uma habilidade extraordinária de transmitir conceitos complexos em uma linguagem simples e acessível, ajudando a conectar a academia ao universo da cultura popular.

Em paralelo às atividades docentes, Ariano prosseguiu escrevendo peças de influxo popular. Em 1957, lançou “O Santo e a Porca”, uma comédia abordando os temas da ganância, da avareza e da redenção, protagonizada por personagens símbolos do universo nordestino.

No ano seguinte, escreveu “O Homem da Vaca e o Poder da Fortuna”, inspirada na literatura de cordel. E em 1959, apresentou “A Pena e a Lei”, obra repleta de críticas sociais, premiada no Festival Latino-Americano de Teatro de 1969.

Em parceria com Hermilo Borba Filho, Ariano fundou o Teatro Popular do Nordeste (TPN) — retomando muitos dos projetos postos em prática pelo TEP nos anos 40. A companhia ambicionava a criação de um teatro profissional enraizado na cultura e nas tradições nordestinas, apta a dialogar diretamente com as questões sociais.

Por meio da companhia, Ariano apresentou peças marcadas pela verve crítica, tais como a “Farsa da Boa Preguiça” (uma celebração da sabedoria popular e da resistência sertaneja) e “A Caseira e a Catarina” (satirizando as instituições e denunciando a hipocrisia e corrupção das autoridades).

Ariano foi um dos membros-fundadores do Conselho Federal de Cultura, ao lado de nomes como Guimarães Rosa, Gilberto Freyre, Affonso Arinos e Burle Marx. No mesmo período, ele ocupou o cargo de diretor do Departamento de Extensão Cultural da UFPE.

O Movimento Armorial

Em 1970, Ariano fundou o “Movimento Armorial”. A iniciativa visava promover a integração das múltiplas expressões da cultura popular às chamadas “artes eruditas”, contribuindo para o surgimento de uma estética brasileira autêntica, enraizada nas tradições do povo.

A ideia era demonstrar que manifestações como as xilogravuras, os folguedos, a literatura de cordel e as músicas dos cantadores eram expressões artísticas extremamente sofisticadas — combatendo a desvalorização e os estereótipos depreciativos que costumam ser associados à cultura popular.

Em outras palavras, o Movimento Armorial visava combater o “complexo de vira-lata” — a tendência de menosprezar a cultura brasileira em favor de modelos estrangeiros. Ariano defendia que o Brasil precisava afirmar sua identidade cultural. Valorizar as nossas tradições seria uma medida de grande importância para resistir à imposição da subserviência colonial.

O Movimento Armorial deixou um importante legado de valorização das expressões populares, ao mesmo tempo em que fomentou o experimentalismo e a produção de obras de grande originalidade, mobilizando artistas como Guerra-Peixe, Antônio Nobre, Quinteto Armorial, Gilvan Samico e Francisco Brennand.

Sob a influência do Movimento Armorial, Ariano produziria importantes romances de prosa nos anos 70. Destaca-se, em especial, o “Romance da Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta”, de 1971, uma obra épica que mistura história, mitologia e cultura popular, narrando a saga de Dom Pedro Diniz Ferreira, o Quaderna, que se proclama herdeiro de um reino mítico do Sertão.

A saga de Quaderna teve continuidade no romance “História do Rei Degolado Nas Caatingas do Sertão”, publicado em 1976, no qual o autor aprofunda a intenção de criar uma “mitologia brasileira”, incorporando influências indígenas, africanas e europeias.

Outras obras e contribuições

Em paralelo à dramaturgia e aos romances, Ariano se destacou como como gestor cultural. Ele ocupou o cargo de Secretário de Educação e Cultura da cidade de Recife entre 1975 e 1978, na gestão de Antônio Farias, e foi Secretário de Cultura de Pernambuco durante o governo de Miguel Arraes, entre 1994 e 1998. Também ocupou o posto de Secretário de Cultura do estado no governo de Eduardo Campos.

Como poeta, Ariano deixou obras que evocam o folclore oral nordestino, abrangendo contos sertanejos, cangaceiros, santos, reis e figuras populares — frequentemente marcados pela habilidade de conciliar linguagem simples e reflexões existenciais e filosóficas complexas. Boa parte dessas obras foram publicados em coletâneas e ontologias, tais como os livros “O pasto incendiado” e “Poemas”.

Ariano também produziu ensaios e textos acadêmicos abordando questões culturais e estéticas, defendendo a necessidade de estimular uma arte brasileira conectada às raízes populares e de resistir à influência de modelos culturais estrangeiros (“A Onça Castanha e a Ilha Brasil”, “O Movimento Armorial”, “Iniciação à Estética”).

Doutor “Honoris Causa” por várias universidades, Ariano teve suas obras traduzidas para vários idiomas e foi eleito em 1990 para a cadeira de número 32 da Academia Brasileira de Letras. Ele também foi membro das academias de letras de Pernambuco e da Paraíba.

Ariano era crítico do capitalismo e da governança neoliberal, que descrevia como “um regime desumano”. Presidente de honra do Partido Socialista Brasileiro (PSB), ele enxergava no socialismo a única saída para a emancipação da humanidade. “Enquanto houver um miserável, um homem com fome, o sonho socialista continua”, afirmou em uma ocasião.

Criticava igualmente o entreguismo da direita e o desinteresse das elites pelo Brasil. “A classe dirigente quer que o Brasil seja uns Estados Unidos de segunda ordem. Eu não quero nem que seja Estados Unidos de primeira. Eu quero que o Brasil seja o Brasil de primeira”.

Ariano Suassuna faleceu em Recife, em 23 de julho de 2014, aos 87 anos. Sua última obra, intitulada “Romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores”, foi publicada postumamente, em 2017.