Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Há 176 anos, em 4 de agosto de 1849, falecia a revolucionária brasileira Anita Garibaldi, a “heroína de dois mundos”.

Natural de Santa Catarina, Anita foi esposa e companheira de batalha de Giuseppe Garibaldi, um dos líderes do “Risorgimento” italiano. Ela participou ativamente da Revolução Farroupilha, protagonizando uma série de façanhas que a tornaram um símbolo de coragem e uma expoente da emancipação feminina.

Anita também atuou na Guerra Civil do Uruguai, apoiando as forças do Partido Colorado contra a aliança de Juan Manuel de Rosas e Manuel Oribe. Por fim, tornou-se uma heroína na Itália, engajando-se na luta pela unificação italiana e na defesa da República Romana durante a Primavera dos Povos.

A juventude de Anita

Ana Maria de Jesus Ribeiro nasceu em 30 de agosto de 1821, em Laguna, no litoral sul de Santa Catarina. Ela era a terceira dos dez filhos de Bento Ribeiro da Silva e Maria Antônia de Jesus Antunes. Seu pai trabalhava como tropeiro, realizando o transporte de gado nas rotas que iam do Rio Grande do Sul ao Paraná.

A infância de Anita foi marcada por dificuldades e privações materiais. Sua família vivia em um casebre de pau-a-pique no povoado rural de Morrinhos (o atual bairro de Anita Garibaldi, em Tubarão). A situação se agravou ainda mais após a morte precoce do pai. Viúva, Maria Antônia passou a trabalhar como empregada doméstica para sustentar a família. Diante da ausência da mãe, Anita e a irmã Felicidade assumiram a responsabilidade pela criação dos irmãos mais novos.

A família também contava com a ajuda de Antônio Ribeiro, tio paterno de Anita. Defensor dos ideais republicanos, ele havia se somado à crescente agitação política promovida no Sul do Brasil pelos movimentos de contestação à monarquia, tornando-se alvo das tropas imperiais. Anita foi muito influenciada pelas ideias do tio, o que facilitaria sua adesão à insurreição dos farroupilhas pouco tempo depois.

Aos 14 anos, Anita foi forçada a se submeter a um matrimônio arranjado, casando-se com o sapateiro Manuel Duarte de Aguiar. A união foi breve e infeliz. Anita e Manuel não se amavam e não tiveram filhos. Por volta de 1838, seu marido a deixou para se juntar às forças do Exército Imperial. Ele jamais retornou.

Giuseppe Garibaldi e a Revolução Farroupilha

Em setembro de 1835, irrompeu no Sul do Brasil a Revolução Farroupilha, um dos maiores conflitos registrados durante o Período Regencial. A revolta foi motivada pelo descontentamento dos estancieiros com a política fiscal e econômica do governo central (em especial os impostos cobrados sobre o charque) e com a pouca representatividade das elites regionais nos órgãos decisórios do Império.

Sob o comando de Bento Gonçalves e Antônio de Sousa Neto, a revolta se expandiu pelo interior gaúcho e logo se firmou como um movimento republicano separatista. Em 11 de setembro de 1836, os rebeldes proclamaram a República Rio-Grandense.

Um dos principais líderes da Revolução Farroupilha foi o italiano Giuseppe Garibaldi. Ele era uma figura central do “Risorgimento”, o movimento revolucionário que buscava a unificação da Itália. Em 1834, Giuseppe articulou uma revolta republicana contra o Reino de Sardenha. O motim fracassou e os conspiradores foram presos.

Julgado à revelia e condenado à morte, Giuseppe fugiu para o Brasil, onde travou contato com as lideranças da Revolução Farroupilha. Identificando-se com a luta dos rebeldes gaúchos contra o regime monárquico, ele decidiu se juntar à insurreição.

Nomeado comandante da marinha rebelde, Giuseppe passou a atacar aos navios imperiais no litoral gaúcho e tentou romper o bloqueio à Lagoa dos Patos. Em julho de 1839, Giuseppe liderou a expedição naval que partiu rumo a Santa Catarina e tomou a cidade de Laguna.

A chegada das tropas rebeldes foi celebrada por boa parte dos catarinenses, apoiadores da luta contra o governo imperial. Os farroupilhas tentaram então estabelecer um governo independente em Santa Catarina, proclamando a República Juliana em 29 de julho de 1839.

O encontro com Giuseppe Garibaldi

Anita tinha 18 anos quando conheceu Giuseppe Garibaldi. O encontro ocorreu logo após a tomada de Laguna. Giuseppe estava em um navio observando a cidade com uma luneta quando avistou Anita, encantando-se com sua beleza.

Ele providenciou um barco para ir até o local onde a moça estava, mas não conseguiu encontrá-la. Mais tarde, ao ser convidado para tomar café na casa de um morador da cidade, ele topou com Anita.

O episódio foi narrado nas memórias do insurgente italiano: “Ficamos ambos estáticos e silenciosos, olhando um ao outro reciprocamente, como duas pessoas que não se viam pela primeira vez e que buscavam na aproximação alguma reminiscência. Saudei-a finalmente e disse-lhe: ‘Tu devi essere mia!’.”

A conexão entre os dois foi imediata, marcada pela atração mútua e pela partilha dos ideais revolucionários. Em outubro de 1839, quando Giuseppe partiu em um missão militar, Anita o acompanhou. A jovem se adaptou rapidamente à vida de combatente, aprendendo desde estratégias empregadas em escaramuças até o manuseio de sabres e armas de fogo.

As batalhas

O “batismo de fogo” de Anita ocorreu em 4 de novembro de 1839, quando ela participou da Batalha de Imbituba, travada contra os navios do Império. Recusando a orientação para se proteger no porão da embarcação, Anita se posicionou na linha de frente dos atiradores portando uma carabina.

Poucos dias depois, em 15 de novembro, Anita deu enorme prova de coragem durante a Batalha Naval de Laguna, cruzando várias vezes a zona de combate em um pequeno barco, a fim de transportar as munições e auxiliar no resgate dos feridos. No mês seguinte, durante a Batalha de Santa Vitória, ela atuaria na retaguarda e no atendimento aos feridos.

Em 12 de janeiro de 1840, as tropas farroupilhas sofreram uma dramática derrota na Batalha de Curitibanos. Anita foi capturada pelas tropas imperiais enquanto tentava proteger as munições. Informada de forma enganosa que Giuseppe fora morto durante a batalha, ela pediu permissão para procurar o seu cadáver.

Retrato de Anita Garibaldi por Gaetano Gallino (1845). Acervo do Museo del Risorgimento, Milão

Retrato de Anita Garibaldi por Gaetano Gallino (1845). Acervo do Museo del Risorgimento, Milão

Ao anoitecer, aproveitando-se de um momento de distração dos soldados, Anita roubou um cavalo e fugiu. Ela atravessou o Rio Canoas a nado e percorreu mais de 80 quilômetros até chegar em Lages, onde se reencontrou com Giuseppe.

Dois meses depois, Anita e Giuseppe seguiram para o Rio Grande do Sul, onde os farroupilhas organizavam mais uma tentativa frustrada de tomar a capital, Porto Alegre. Repelidos pelas tropas imperiais, eles rumaram até São José do Norte. Giuseppe acompanhou os rebeldes, mas Anita não participou da batalha. Ela estava grávida do primeiro filho, Menotti Garibaldi. O bebê nasceu em setembro de 1840.

Informadas sobre a presença dos rebeldes em São Simão, as tropas imperiais lançaram um ataque contra o rancho da família Costa, onde Anita estava abrigada. Mesmo sofrendo de uma terrível febre puerperal, a jovem conseguiu fugir com o filho recém-nascido, permanecendo escondida por quatro dias nas matas da região.

No início de 1841, acossados pelas forças do Império, Anita, Giuseppe e o filho acompanharam o exército farroupilha para uma longa retirada pelos Campos de Cima da Serra. A viagem foi extenuante e arriscada: os combatentes enfrentavam a fome, as emboscadas inimigas, o calor escaldante e os perigos da mata. Em março, o casal chegou a São Gabriel. Anita estava esgotada e quase não tinha leite para amamentar o filho.

Os Garibaldi no Uruguai

Ainda em 1841, com a Revolução Farroupilha em declínio e a percepção de que sua família estava em risco, Giuseppe Garibaldi solicitou a dispensa do exército rebelde. Bento Gonçalves autorizou a saída e concedeu ao italiano um rebanho de 900 cabeças de gado como pagamento por sua colaboração.

Os Garibaldi partiram então em uma longa marcha de 600 quilômetros até Montevidéu, no Uruguai. Eles se casaram oficialmente em março de 1842, em uma cerimônia celebrada na Igreja de São Francisco de Assis.

No Uruguai, os revolucionários voltaram a se engajar nas disputas políticas. O país também estava imerso em uma guerra civil, travada entre o Partido Blanco (liderado por Manuel Oribe e apoiado pelo caudilho argentino Juan Manuel Rosas) e o Partido Colorado (comandado por Fructuoso Rivera e aliado ao Império do Brasil).

Giuseppe Garibaldi se envolveu na defesa dos Colorados, liderando a Legião Italiana, um grupo de combatentes voluntários exilados no país. Ele foi nomeado comandante da marinha uruguaia, organizando várias operações navais contra as forças de Oribe e Rosas — nomeadamente a célebre Batalha de San Antonio, quando os 200 legionários de Giusepe triunfaram sobre as tropas de 1.500 combatentes do exército Blanco.

Anita, mais uma vez, participou das operações militares, transportando suprimentos e munições, organizando o socorro aos feridos e ajudando a coordenar os esforços da resistência.

O casal permaneceu no Uruguai até 1847. Eles tiveram mais três filhos no país: Rosa, nascida em 1843, Teresa, de 1845, e Ricciotti, nascido em 1847. Rosa faleceu aos dois anos de idade, vitimada por uma infecção na garganta, uma tragédia que deixou Anita profundamente abalada.

Os últimos anos na Itália

No fim dos anos 40, com o avanço do “Risorgimento”, Giuseppe Garibaldi decidiu retornar à Itália e se juntar à luta pela unificação. Anita partiu na frente, viajando com os filhos no fim de 1847. Ela se estabeleceu em Nice, onde vivia a mãe de Giuseppe. À época, a cidade era parte integrante do Reino da Sardenha.

Giuseppe desembarcou em Gênova em março de 1848, sendo recebido como herói por uma multidão eufórica. Sua chegada coincidiu com a eclosão da Primavera dos Povos, uma onda de levantes liberais e nacionalistas que varreu a Europa entre 1848 e 1849, fomentando ainda mais o clima de fervor patriótico na Itália.

Giuseppe organizou seus legionários (os chamados “camisas-vermelhas”) e partiu para a campanha militar na Lombardia, onde combateu as tropas do Império Austríaco. Anita se juntaria ao marido nas campanhas da Itália, acompanhando as tropas revolucionárias ao longo do trajeto entre Livorno e Florença.

Em junho de 1849, Giuseppe e Anita lideraram a defesa da recém-proclamada República Romana, que buscava estabelecer um governo civil constitucional contra o poder temporal do Papa Pio IX e seus aliados franceses, austríacos e espanhóis. Mesmo estando grávida, Anita participou ativamente dos combates nas barricadas romanas, além de ter ajudado a organizar os suprimentos e o atendimento médico aos feridos.

Com a derrota na Batalha de Janículo e a subsequente queda da República Romana em julho de 1849, Anita e Giuseppe foram forçados a fugir. Perseguidos por 40.000 soldados, o casal embarcou em uma jornada árdua, marcada por obstáculos e condições precárias.

Durante a fuga, Anita adoeceu gravemente, possivelmente em consequência de malária ou febre tifoide. A doença lhe causou uma debilitação severa, impedindo que concluísse a marcha. Levada às pressas para ser atendida por um médico na Fazenda Guiccioli, Anita Garibaldi faleceu em 4 de agosto de 1849. Ela tinha 27 anos e estava grávida de cinco meses.

Legado e homenagens póstumas

A morte de Anita foi um golpe devastador para Giuseppe Garibaldi. O revolucionário italiano foi o principal responsável por preservar a memória de sua esposa, registrando seus feitos em diários e fornecendo relatos detalhados sobre a brasileira que serviram de subsídio aos livros de Theodore Dwight, Alexandre Dumas e Elpis Melena.

Celebrada como heroína da Revolução Farroupilha, Anita Garibaldi também se transformou em um símbolo da emancipação feminina, evocando a subversão das normas de gênero em uma época em que o meio militar era absolutamente dominado pela hegemonia patriarcal.

Sua memória foi disputada por inúmeros movimentos políticos e organizações de todos os espectros — dos comunistas aos integralistas. Luiz Carlos Prestes, dirigente histórico do PCB, batizou sua filha com o nome de Anita em homenagem à revolucionária.

Anita empresta seu nome a dois municípios de Santa Catarina (Anita Garibaldi e Anitápolis), além de batizar diversos logradouros e equipamentos públicos. Desde abril de 2012, o nome de Anita Garibaldi está inscrito no Livro de Aço dos Heróis e Heroínas da Pátria.

A vida de Anita foi retratada no filme “Anita e Garibaldi”, dirigido por Alberto Rondalli e lançado em 2013. A personagem também foi protagonista da série “A Casa das Sete Mulheres”, de Maria Adelaide Amaral e Walther Negrão, e inspirou o samba-enredo da Viradouro no carnaval de 1999.

Anita também é celebrada como heroína na Itália, sendo considerada um dos grandes ícones do “Risorgimento”. Seus restos mortais foram sepultados no Janículo, em Roma, encimados por um suntuoso monumento equestre esculpido por Mário Rutelli.