Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Há 53 anos, em 8 de julho de 1972, o escritor e militante da resistência palestina Ghassan Kanafani era assassinado pelo Mossad, o serviço secreto de Israel.

Expulso de sua terra natal pelas milícias sionistas durante a Nakba, Kanafani viveu como refugiado na Síria, no Kuwait e no Líbano. Ele é considerado o pioneiro da literatura de resistência palestina e se notabilizou por seus contos, novelas literárias e romances abordando o drama da diáspora, o tormento dos refugiados e a luta dos palestinos contra a ocupação israelense.

Na condição de intelectual marxista, Kanafani também se destacou por seus ensaios e escritos políticos, articulando a causa palestina aos movimentos anticoloniais e anti-imperialistas. Ele foi ainda membro fundador e porta-voz da Frente Popular para a Libertação da Palestina, organização revolucionária da resistência ao regime sionista.

A juventude e o exílio após a Nakba

Ghassan Fayiz Kanafani nasceu em 9 de abril de 1936, em Acre, uma cidade situada na região da Galileia, no norte da Palestina. Ele pertencia a uma família sunita de classe média, de ascendência curda. Era o terceiro dos sete filhos de Aisha Al-Salem e do advogado Muhammad Fayiz Abd al Razzag.

O pai de Kanafani era um membro ativo do movimento nacionalista palestino, preso diversas vezes por protestar contra a ocupação britânica e o crescente influxo de colonos judeus articulado pelas organizações sionistas.

Kanafani cursou o ensino básico na “Ecole des Frères”, um colégio mantido por missionários católicos franceses em Jafa, e desenvolveu desde cedo o interesse pela leitura. Aos 12 anos, no entanto, ele foi forçado a interromper os estudos. A Assembleia Geral da ONU havia determinado a partilha da Palestina e a criação do Estado de Israel — uma decisão que teria um impacto devastador para o povo palestino.

A região onde Kanafani morava foi designada como parte do território israelense. Em 1948, as milícias sionistas deram início à “Nakba” — uma violenta operação de limpeza étnica que resultaria na expulsão de cerca de 800 mil palestinos de suas terras, acompanhada por uma série de massacres e chacinas.

Forçada ao exílio pelas tropas sionistas, a família de Kanafani se refugiou no sul do Líbano. Posteriormente, eles se estabeleceram em Damasco, na Síria. A experiência do exílio se tornaria uma questão central na obra de Kanafani, moldando sua visão de mundo, sua identidade e seu compromisso com a causa da libertação do povo palestino.

Em Damasco, Kanafani concluiu o ensino secundário. Aos 16 anos, ele começou a trabalhar como professor de artes nas escolas da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA), passando a dar aulas para mais de 1.200 crianças que viviam em campos de refugiados na Síria.

Foi durante essa experiência como professor que Kanafani fez suas primeiras incursões no campo da literatura. Ele começou a escrever contos e histórias para ajudar os alunos a entenderem o contexto político que os forçou à condição de refugiados, usando a escrita como uma ferramenta de estímulo à conscientização política e de fomento à luta palestina. A experiência com os traumas, privações e problemas relatados pelos alunos teria grande influência sobre os seus textos.

Escritor palestino Ghassan Kanafani
MST

Carreira jornalística e militância no MNA

Em 1952, Kanafani se matriculou no curso de Filologia Árabe da Universidade de Damasco. Nesse mesmo período, ele se aproximou de George Habash, célebre militante da causa palestina e fundador do Movimento Nacionalista Árabe (MNA) — uma organização panarabista de inclinação socialista.

Kanafani se tornou membro do MNA, passando a atuar em diversas atividades da organização e a frequentar os atos em prol da libertação palestina. O envolvimento em atividades políticas resultaria em sua expulsão da universidade em 1955, antes que pudesse concluir seu curso.

No ano seguinte, Kanafani se mudou para o Kuwait, onde já viviam sua irmã Fayzeh e o irmão Ghazi. Ele permaneceria por quatro anos no país, trabalhando como professor e escrevendo artigos para o jornal “Al-Ra’i” (“A Opinião”), o órgão de imprensa oficial do MNA.

Em 1960, aceitando o convite de George Habash, Kanafani se mudou para Beirute, no Líbano, onde assumiu a editoria do jornal “Al-Hurriya” (“Liberdade”). Na cidade, o jornalista iniciou um relacionamento com a educadora dinamarquesa Anni Hover, uma ativista dos direitos das crianças. Eles se casaram e tiveram dois filhos — Fayez (nascido em 1962) e Laila (nascida em 1966).

Kanafani estabeleceria uma sólida reputação como jornalista político. Ele assumiu a redação do jornal “Al Muharrir” (“O Editor”) e chefiou o suplemento semanal “Filastin” (“Palestina”). Também colaborou com o jornal “Al Anwar” (“As Luzes”) e com a revista “Assayad” (“O Caçador”).

Os textos de Kanafani nesse período são fortemente vinculados ao nasserismo — a corrente do nacionalismo árabe ligada às ideias do presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, que teria grande influência sobre o pan-arabismo e terceiro-mundismo. Ao longo dos anos 60, no entanto, o autor se vincularia cada vez mais ao pensamento marxista, tornando-se um apoiador convicto das tendências revolucionárias ativas na luta palestina.

A produção literária

Em paralelo à sua prolífica carreira jornalística e aos seus ensaios políticos, Kanafani se destacaria por sua produção literária. Considerado o pioneiro da literatura de resistência palestina, ele relatou os dilemas e dramas enfrentados pelos refugiados, a calamidade da Nakba e a luta do povo palestino pela retomada de sua terra. Sua escrita é caracterizada pelo estilo inovador, com uso frequente de narrativas não lineares e perspectivas múltiplas, apresentadas de forma concisa, objetiva e com uma linguagem acessível.

Em 1963, Kanafani publicou sua primeira e mais aclamada novela literária, intitulada “Homens ao Sol” — uma das maiores obras-primas da literatura árabe contemporânea. O livro conta a história de três refugiados que, em busca de trabalho no Kuwait, contratam um contrabandista para ajudá-los a atravessar o deserto iraquiano escondidos em um tanque de água.

A narrativa culmina em um final trágico, resultando em uma poderosa metáfora sobre a desumanização e o desespero enfrentados pelos palestinos exilados. A obra foi traduzida para diversos idiomas e adaptada para o cinema em 1972, no filme “Al-Makhdu’um” (“Os Enganados”), do diretor egípcio Tewfik Saleh.

Três anos depois, em 1966, Kanafani lançou sua segunda novela, “O que lhes Restou”, contando a história de uma família que vive em um campo de refugiados na Faixa de Gaza. O livro é marcado pela estrutura narrativa experimental e pelo recurso amplo ao simbolismo.

Refletindo a crescente adesão do autor à perspectiva da luta revolucionária, a novela “Umm Saad”, lançada em 1969, aborda a coragem das mães palestinas que testemunham a adesão dos filhos à resistência armada.

Já em “Retorno a Haifa”, Kanafani conta a história de um casal palestino que foi forçado a deixar sua cidade natal e a abandonar o filho pequeno durante a Nakba. Quando retornam a Haifa 20 anos depois, eles encontram sua casa ocupada por uma família judia e o filho convertido em um soldado do exército israelense.

Além das novelas, Kanafani escreveu inúmeros contos, compilados em livros como “Morte na Cama Número 12” e “A Terra das Laranjas Tristes”, bem como estudos literários (“Literatura da Resistência na Palestina Ocupada”, “Sobre a Literatura Sionista”) e peças de teatro (“A Porta”, “O Chapéu e o Profeta”, “Uma Ponte Para a Eternidade”).

Frente Popular para a Libertação da Palestina

Kanafani intensificou sua atuação política após a derrota dos países árabes na Guerra dos Seis Dias. Ao término do conflito, Israel ampliou seu domínio sobre os territórios palestinos, ocupando a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental. A guerra também resultou em mais um grande êxodo — a “Naksa”, que expulsou mais de 300 mil palestinos de suas terras.

Em 1967, Kanafani ajudou a fundar a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) — uma organização marxista-leninista, idealizada pelo mesmo criador do MNA, George Habash. A FPLP pregava a centralidade da luta armada como estratégia de enfrentamento à ocupação sionista e se converteria em uma das organizações mais combativas da resistência palestina.

Kanafani não atuou diretamente na luta armada. Ele coordenava as ações políticas e culturais da organização. Em 1969, o escritor assumiu a editoria do jornal “Al-Hadaf” (“O Objetivo”), órgão de imprensa da FPLP, transformando-o em uma importante plataforma para o debate sobre a causa palestina.

Ainda em 1969, o escritor foi eleito como integrante do politburo da FPLP e se tornou porta-voz oficial da organização. Ele também atuou como colaborador da revista “Lotus”, uma revista especializada em debates sobre o colonialismo, financiada pelos governos do Egito e da União Soviética.

Os editoriais e ensaios de Kanafani eram bastante influentes. Seus textos com denúncias e críticas ao sionismo reverberavam na imprensa internacional. Ao mesmo tempo, o autor também produzia críticas ásperas aos governos árabes, apontando a condescendência com os abusos israelenses e a falta de compromisso com a causa palestina. Kanafani seria presos em inúmeras ocasiões — a última delas em 1971, sob a acusação de “difamação” contra o rei Hussein da Jordânia.

O assassinato

Ghassan Kanafani foi assassinado em 8 de julho de 1972, em um atentado terrorista reivindicado pelo Mossad, o serviço secreto de Israel. O escritor, então com 36 anos de idade, foi vitimado pela explosão de uma bomba que havia sido plantada no para-choque de seu automóvel. Kanafani estava acompanhado de sua sobrinha, Lamees Najim, uma jovem de 17 anos que também morreu no ataque.

O assassinato de Kanafani foi uma retaliação à participação da FPLP em uma ação armada ocorrida algumas semanas antes. Em maio de 1972, um grupo de combatentes do Exército Vermelho Japonês, trabalhando em colaboração com a FPLP, havia realizado um ataque contra o Aeroporto de Lod, nos arredores de Tel Aviv, deixando 26 mortos. Kanafani não participou da ação, mas foi escolhido como alvo por ser o porta-voz da FPLP.

Lideranças da causa palestina disseram acreditar que Kanafani já era um alvo do Mossad antes mesmo do ataque ao Aeroporto de Lod, em função de suas críticas veementes ao regime sionista e de sua influência nos movimentos de resistência.

Duas semanas após a morte de Kanafani, Bassam Abu Sharif, outro líder da FPLP, sobreviveu a uma tentativa de assassinato. Ele denunciaria a cumplicidade de agentes do governo jordaniano no atentado israelense que matou o escritor.

No obituário do “Daily Star” de Beirute, Kanafani foi descrito como “um guerrilheiro que nunca disparou um tiro, que tinha a caneta esferográfica como arma e as páginas dos jornais como arenas”.

Kanafani foi postumamente homenageado com o Prêmio Lótus para Literatura, entregue pela Conferência dos Escritores Afro-Asiáticos. Em 1987, três de suas novelas inacabadas foram compiladas e publicadas no livro “O Amante”. Sua viúva criou a Fundação Cultural Ghassan Kanafani, dedicada a preservar sua memória e a prestar assistência social para crianças nos campos de refugiados palestinos do Líbano.