Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Há 87 anos, em 29 de setembro de 1938, os governos do Reino Unido, França, Itália fascista e Alemanha nazista firmavam o Acordo de Munique. A conferência foi convocada para discutir a Crise dos Sudetos, uma região da Tchecoslováquia rica em recursos energéticos e minerais, que havia se tornado alvo da cobiça de Adolf Hitler.

O Acordo de Munique é o símbolo maior do fracasso da política de apaziguamento adotada pelo Reino Unido e pela França em relação ao Terceiro Reich. Evitando ao máximo confrontar o ditador alemão, os premiês Neville Chamberlain e Édouard Daladier aceitaram todas as demandas de Hitler, entregando o controle dos Sudetos aos nazistas.

Embora sua soberania e integridade territorial fossem os temas centrais da conferência, a Tchecoslováquia não foi sequer convidada para a reunião. O acordo foi celebrado como um triunfo da paz, mas a ilusão durou pouco tempo. Hitler logo violaria o tratado, invadindo os territórios restantes da Tchecoslováquia e depois investindo contra a Polônia.

Ao invés de garantir a paz, a política de apaziguamento incentivou Hitler a dobrar a aposta em seus planos expansionistas, servindo como um catalisador para o início da Segunda Guerra Mundial.

Rasgando o Tratado de Versalhes

Derrotada na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha foi forçada a se submeter às duras condições impostas pelo Tratado de Versalhes. Além de reconhecer o país como o único culpado pelo conflito, o acordo criou severas restrições militares, ordenou o pagamento de pesadas indenizações e determinou a concessão de amplos territórios, incluindo a Alsácia-Lorena e partes da Prússia.

Os termos draconianos do tratado aprofundaram ainda mais a crise econômica em que a Alemanha mergulhou no pós-guerra, com o aumento exponencial da inflação, do desemprego e da miséria. O Tratado de Versalhes seria encarado como uma humilhação pelos alemães, alimentando o ressentimento nacional e o impulso revanchista — sentimentos que seriam habilmente explorados por Adolf Hitler para fermentar a expansão do ideário nazista.

A frustração com Versalhes se tornou um dos temas centrais dos discursos de Hitler, que prometia “rasgar o tratado” e reconquistar a grandeza alemã. Após a ascensão dos nazistas ao governo em 1933, Hitler passou a desrespeitar todas as cláusulas do acordo de paz, expandindo as forças armadas, retomando sua indústria bélica e adotando uma política externa cada vez mais agressiva.

Em 1935, Hitler reintroduziu o serviço militar obrigatório, anunciou a expansão do exército para 550 mil homens e criou a Luftwaffe, a Força Aérea alemã, ignorando as restrições militares. No ano seguinte, ele ordenou a remilitarização da Renânia — uma área que, de acordo com Versalhes, deveria permanecer como uma “zona tampão, a fim de proteger as nações vizinhas de eventuais agressões.

Apesar do desrespeito sistemático ao Tratado de Versalhes, França e Reino Unido não contestaram as ações alemãs. A omissão encorajou Hitler a avançar para a fase bélica, dando início às ações militares e aos projetos expansionistas do Terceiro Reich.

Em fevereiro de 1938, Hitler enviou um ultimato ao chanceler austríaco Kurt Schuschnigg, ameaçando uma invasão militar caso ele não entregasse o poder ao Partido Nazista local. Schuschnigg cedeu e, no mês seguinte, a Alemanha anexou a Áustria no evento conhecido como “Anschluss”.

Mais uma vez, as potências europeias, hesitantes com a possibilidade de um novo conflito militar, relutaram em confrontar as ações nazistas, adotando uma política de apaziguamento e submissão às reivindicações alemãs.

A Crise dos Sudetos

O sucesso na anexação da Áustria e o silêncio do Ocidente encorajaram Hitler a prosseguir com o projeto expansionista, mirando, dessa vez, a Tchecoslováquia. Criado após a fragmentação do Império Austro-Húngaro, o país abrigava uma significativa minoria alemã na região dos Sudetos — cerca de 3 milhões de pessoas, ou 23% da população.

A cobiça de Hitler sobre os Sudetos tinha razões estratégicas. O território era extremamente rico em recursos minerais e energéticos e concentrava parte substancial das indústrias pesadas. O domínio sobre os Sudetos daria ao regime nazista o controle de 66% da produção de carvão, 70% da produção de ferro e aço e 70% da produção de energia elétrica da Tchecoslováquia.

Em abril de 1938, a Alemanha já havia elaborado o “Caso Verde” (“Fall Grün”), um plano secreto prevendo a invasão da Tchecoslováquia e a tomada dos Sudetos. Hitler, no entanto, considerava que lançar uma ação militar de forma abrupta, sem um pretexto razoável, poderia atrapalhar seu projeto. Assim, ele iniciou a ofensiva através de uma operação de desestabilização, incitando a agitação política interna e, ao mesmo, pressionando diplomaticamente o governo tchecoslovaco.

As ações disruptivas internas foram conduzidas pelo Partido Alemão dos Sudetos (SdP), uma agremiação filonazista liderada por Konrad Henlein, financiada diretamente por Berlim. O SdP havia ganhado muita força durante a Grande Depressão, galvanizando apoio dos alemães étnicos das regiões industriais, desproporcionalmente afetadas pela crise e pelo desemprego. Concentrando quase 90% dos votos dos habitantes de origem germânica, o SdP se tornou o segundo maior partido da Tchecoslováquia.

O SdP buscava estimular as tensões étnicas, conclamando a população germânica a se insurgir contra o governo de Edvard Benes, exigindo autonomia e a unificação com a Alemanha. Ao mesmo tempo, o regime de Hitler acusava o governo tchecoslovaco de discriminar e perseguir as minorias alemãs e exigia respeito à “autodeterminação do povo dos Sudetos”.

A campanha era apoiada pela difusão em larga escala de boatos e notícias falsas. A imprensa alemã acusava a Tchecoslováquia de massacrar a população germânica e de submeter mais de 600.000 alemães étnicos a deslocamentos forçados. Também ecoavam as afirmações de Hitler de que a Tchecoslováquia era um “Estado-fantoche” da França e que o país planejava abrigar uma ofensiva francesa contra o povo alemão.

A crise dos Sudetos se agravou em meados de 1938. Após a fabricação de uma série de incidentes, a Alemanha passou a ameaçar a Tchecoslováquia com uma invasão. Servindo como porta-voz de Hitler, Konrad Henlein apresentou ao governo tchecoslovaco o Programa de Karlsbad, onde exigia a concessão de autonomia plena para a região dos Sudetos.

No Reino Unido e na França, a omissão se converteria em condescendência explícita com o regime nazista. As duas nações seguiam apostando na política de conciliação com o Terceiro Reich, acreditando que concessões razoáveis poderiam satisfazer Hitler e preservar a paz no continente.

Neville Chamberlain, o primeiro-ministro britânico, pressionou o presidente tchecoslovaco Edvard Benes a requisitar um mediador e abrir negociações com Hitler. Na França, o recém-constituído gabinete de Édouard Daladier decidiu que o país não iria travar uma guerra apenas para defender a Tchecoslováquia — a despeito do fato das duas nações serem signatárias de um tratado de mútua defesa.

A União Soviética afirmou estar disposta a colaborar militarmente caso a França e o Reino Unido decidissem ajudar a Tchecoslováquia a lutar contra a Alemanha nazista, mas foi ignorada. O governo de Josef Stalin também pediu autorização para que o Exército Vermelho cruzasse a Polônia e a Romênia rumo ao território tchecoslovaco, mas ambos países recusaram.

Neville Chamberlain, Édouard Daladier, Adolf Hitler e Benito Mussolini reunidos durante a Conferência de Munique
Wikimedia Commons

A Conferência de Munique

Resistindo às pressões das potências europeias por um acordo prejudicial com a Alemanha, a Tchecoslováquia iniciou os preparativos para um conflito, mobilizando suas forças e acelerando a construção de fortificações nas fronteiras. Enquanto isso, França e Reino Unido seguiam tentando articular uma saída diplomática para a guerra iminente.

Em 15 de setembro de 1938, Chamberlain encontrou-se com Hitler em Berchtesgaden, a residência do líder nazista nos Alpes Bávaros. O chanceler alemão concordou em adiar os planos para uma invasão à Tchecoslováquia, ao passo que o premiê britânico se comprometeu a costurar um acordo para a convocação de um plebiscito nos Sudetos.

Em seguida, Chamberlain e Daladier se reuniram em Londres para elaborar uma proposta conjunta. O plano apresentado previa que a Tchecoslováquia cedesse à Alemanha todos os territórios onde a população germânica fosse superior a 50%. O governo tchecoslovaco rejeitou a proposta.

Chamberlain e Hitler voltaram a se encontrar em Bad Godesberg, em 22 de setembro de 1938. O premiê britânico foi surpreendido pela postura agressiva do líder nazista, que havia ampliado ainda mais suas exigências, demandando agora que as tropas tchecoslovacas evacuassem os Sudetos até 28 de setembro. O ultimato foi novamente recusado pelo gabinete de Edvard Benes em Praga.

Em um esforço derradeiro de conciliação, Chamberlain propôs a organização de um encontro internacional para tentar evitar o conflito. Assim, em 29 de setembro de 1938, teve início a Conferência de Munique. Além de Chamberlain e Hitler, participaram da reunião o premiê francês Édouard Daladier e o ditador italiano Benito Mussolini.

As discussões ocorreram no Führerbau de Munique. Uma proposta de acordo foi apresentada por Mussolini. O documento era, na prática, uma capitulação, englobando todas as demandas de Hitler. Os líderes europeus concordavam em ceder à Alemanha o território dos Sudetos e o controle efetivo do resto da Tchecoslováquia. Em troca, Hitler se comprometia a não fazer novas reivindicações territoriais na Europa.

O acordo previa a evacuação imediata das forças tchecoslovacas dos Sudetos e a transferência do território para a Alemanha até o dia 10 de outubro de 1938, com uma ocupação faseada em cinco zonas. Uma comissão internacional supervisionaria a transferência e realizaria plebiscitos em áreas disputadas — o que jamais ocorreu.

Os líderes da Tchecoslováquia não foram convidados ou sequer consultados sobre o teor do acordo firmado durante a conferência — mesmo que a soberania e a integridade do país fossem os temas da reunião. Após a assinatura do acordo, o presidente Edvard Benes foi informado de que teria que se submeter às decisões ou resistir sozinho contra a Alemanha nazista. Indignados, os tchecoslovacos apelidaram a conferência de “a traição de Munique”.

Consequências

Em paralelo ao acordo, Chamberlain e Hitler também firmaram uma declaração prometendo a realização de consultas futuras para resolver pacificamente as disputas entre os dois países. O primeiro-ministro britânico retornou a Londres aclamado como um herói e proferiu um discurso vangloriando-se de seu papel em garantir a “paz para o nosso tempo”.

A ilusão seria breve. Sem condições de resistir sozinha contra a Alemanha nazista, a Tchecoslováquia capitulou. Edvard Benes renunciou à presidência e o país logo foi fragmentado. O acordo desencadeou a cobiça dos regimes da Hungria e da Polônia, que também reivindicaram a posse de territórios tchecoslovacos.

Em março de 1939, meses após tomar os Sudetos, Hitler violou o Acordo de Munique, invadindo o resto do país, anexando a Boêmia e a Morávia como protetorados e instalando um Estado fantoche na Eslováquia. Seis meses depois, o líder nazista invadiria a Polônia, dando início à Segunda Guerra Mundial.

A decisão de sacrificar a soberania de uma nação democrática e independente para apaziguar um ditador fanático provou ser um dos piores erros estratégicos da política externa do século 20. Ao invés de aplacar a sanha expansionista de Hitler, o Acordo de Munique incentivou o líder nazista a prosseguir com planos cada vez mais ambiciosos. A covardia e a condescendência das nações europeias abriu espaço para que a insânia nazista prosseguisse sem freios e tentativas de contenção, mergulhando o mundo na pior carnificina da história.