Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Há 69 anos, em 21 de outubro de 1956, o líder rebelde queniano Dedan Kimathi era capturado pelas tropas britânicas, marcando o fim da Revolta dos Mau-Mau, uma das lutas independentistas mais intensas e sangrentas que ocorreram na África ao longo do processo de descolonização.

Iniciado em 1952, o levante mobilizou sobretudo os povos Kikuyu, Embu e Meru, que se uniram para lutar contra o confisco de suas terras, a exploração dos colonos europeus e a opressão imposta pelo governo britânico.

A revolta se estendeu por quatro anos e foi violentamente esmagada pelas tropas coloniais. Centenas de milhares de quenianos foram encarcerados em campos de concentração e submetidos a massacres, atrocidades e crimes de guerra. Estima-se que até 300.000 pessoas foram mortas durante a repressão.

A colonização do Quênia

Alvo das investidas europeias desde o século 16, o Quênia foi entregue ao domínio colonial britânico após a Conferência de Berlim, em 1885. Inicialmente administrado pela Companhia Imperial Britânica da África Oriental, o Quênia foi convertido em um protetorado em 1895 e passou a receber um grande fluxo de colonos ingleses.

A construção da Ferrovia de Uganda impulsionou o fluxo migratório e facilitou a expansão dos assentamentos britânicos. Os colonos brancos foram atraídos pela fertilidade das chamadas “Terras Altas”, uma região de planaltos elevados e clima temperado, com um solo ideal para agricultura.

A expansão colonial foi apoiada na desapropriação em larga escala das terras pertencentes aos povos nativos. Inúmeras comunidades autóctones foram realocadas à força para reservas superlotadas e precárias, em localidades de solo infértil e recursos exíguos. Esse processo culminou em uma série de conflitos violentos e em inúmeros massacres cometidos contra os povos nativos.

Os Kikuyu foram um dos grupos étnicos mais afetados por esse processo, sobretudo as comunidades que viviam nos condados de Kiambu, Nieri e Muranga. Somente nas primeiras décadas do século 20, os Kikuyu foram despojados de mais de 60.000 acres de terras férteis. Os povos Massai, Nandi, Embu e Meru também foram privados da maior parte de seus territórios.

Os britânicos instituíram uma série de políticas que visavam assegurar o fornecimento de mão de obra barata para os europeus. A concentração fundiária ocorreu em paralelo à imposição do modelo econômico monetarizado e à cobrança de pesadas taxas e impostos, forçando os camponeses quenianos a se converterem em trabalhadores assalariados.

Jornadas exaustivas, salários baixos, repressão e maus tratos eram características onipresentes no sistema produtivo estabelecido pelos britânicos. Os trabalhadores nativos eram submetidos a terríveis castigos físicos, frequentemente espancados e açoitados por motivos banais.

Até mesmo o direito de locomoção dos quenianos era restrito. Eles eram forçados a portar os “Kipande”, documentos de identificação que registravam sua origem — e que serviam para que os colonizadores coibissem tentativas de migrar para outro território.

Os quenianos eram proibidos de cultivar produtos lucrativos como café e chá, reservados ao monopólio dos fazendeiros europeus. O direito ao arrendamento foi banido e uma portaria do governo colonial obrigava os posseiros instalados em terras de colonos a prestarem, no mínimo, 270 dias de trabalho compulsório. E a despeito de serem forçados a pagar impostos altíssimos, os quenianos não recebiam nenhum tipo de serviço.

O descontentamento dos nativos com os abusos coloniais gerou o clamor popular pela reforma agrária e resultou em uma série de revoltas que eclodiram no Quênia desde o fim do século 19, incluindo a Resistência Nandi (1895-1905), o Levante dos Giriama (1913-1914), a Insurreição das Mulheres de Muranga (1947) e a Revolta de Kolloa (1950). Todos esses movimentos foram brutalmente esmagados pelas tropas britânicas, resultando em centenas de mortes.

A Revolta dos Mau-Mau

Nos anos 40, os quenianos buscaram estruturar o movimento anticolonial em torno de um partido político, fundando a União de Estudos Africanos do Quênia (KASU no acrônimo em inglês). Em 1946, a entidade foi rebatizada como União Africana do Quênia (KAU).

Sob a liderança de Jomo Kenyatta, a KAU se expandiu rapidamente, congregando milhares de camponeses insatisfeitos com os abusos dos colonos britânicos. A entidade também contou com a adesão de soldados quenianos que lutaram pelas tropas britânicas durante a Segunda Guerra Mundial. Esses veteranos foram abandonados à própria sorte após seu regresso ao país, sem receber indenizações, pagamentos ou pensões pelos serviços prestados.

A princípio, a KAU tentou negociar diplomaticamente com o governo britânico, criando petições, propondo ações judiciais e organizando manifestações pacíficas. O fracasso das iniciativas moderadas, no entanto, levou setores do partido à radicalização, dando origem ao Exército pela Liberdade e Terra do Quênia (KLFA) — mais conhecido como “Mau-Mau”.

O KLFA era majoritariamente composto por membros das etnias Kikuyu, Embu e Meru. A adesão ao movimento era formalizada através de juramentos e rituais religiosos tradicionais. Líderes como Dedan Kimathi, Waruhiu Itote (General China) e Muthoni Kirima criaram células secretas e bases de treinamento nas matas da Cordilheira Aberdare, na região do Quênia Central.

Cientes da superioridade bélica dos britânicos, os Mau-Mau priorizaram estratégias de guerrilha. Eles atuavam sobretudo à noite, utilizando armas improvisadas ou subtraídas de postos militares coloniais. A rebelião teve início em 3 de outubro de 1952, quando os guerrilheiros executaram uma latifundiária nos arredores de Thika. Uma semana depois, os Mau-Mau eliminaram o chefe Waruhiu, um líder Kikuyu aliado aos ingleses.

Os ataques dos Mau-Mau levaram o governador colonial Evelyn Baring a declarar estado de emergência em 20 de outubro de 1952. Os britânicos deram início então à Operação Jock Scott, que prendeu 180 líderes quenianos, incluindo Jomo Kenyatta e os outros “Seis de Kapenguria”.

A informação sobre a campanha britânica vazou na véspera, o que possibilitou que comandantes militares Mau-Mau como Dedan Kimathi e Stanley Mathenge fugissem com suas tropas para as matas. A guerrilha foi reorganizada e retomou as ofensivas nos meses seguintes, dirigidas tanto contra colonos britânicos como colaboradores quenianos.

Os insurgentes eram bastante organizados, adotando códigos disciplinares eficientes e excelente planejamento estratégico, o que possibilitou a continuidade da guerrilha por anos, mesmo em condições muito desfavoráveis. As mulheres tiveram papel essencial durante a Revolta dos Mau-Mau, ajudando a coordenar as linhas de abastecimento, transporte de armas, munições e insumos. Muitas mulheres também atuaram na linha de frente, incluindo a guerrilheira Muthoni Kirima, que chegou ao posto de marechal de campo.

Em paralelo à guerrilha, os Mau-Mau também conduziram uma eficiente “guerra de propaganda”. Os insurgentes produziam jornais, panfletos, canções e manifestações artísticas para disseminar mensagens de resistência, unidade e nacionalismo, mobilizando o apoio interno e exortando a participação popular na luta contra o domínio colonial britânico.

A repressão britânica

A repressão à guerrilha dos Mau-Mau foi coordenada pelo governador Evelyn Baring, um dos mais racistas e cruéis governantes do Império Britânico. Para suprimir a revolta, Baring solicitou o envio de três batalhões dos Fuzileiros Reais Africanos, oriundos das colônias britânicas em Uganda, Tanganica e Maurício. Também convocou os Fuzileiros de Lancashire, que estavam alocados no Egito, e pediu ajuda para o MI5, o serviço secreto britânico.

As tropas do Império Britânico promoveram massacres e prisões em massa de cidadãos quenianos. Em abril de 1954, as forças coloniais deram início à Operação Anvil, que atacou a cidade de Nairóbi, principal centro de operações dos Mau-Mau. A ofensiva resultou na prisão de 20.000 suspeitos e na deportação de 30.000 quenianos para reservas e campos de concentração.

As operações aéreas foram extensas e extremamente destrutivas. Entre junho de 1953 e outubro de 1955, a Força Aérea britânica realizou centenas de missões de bombardeio, lançando 50.000 toneladas de bombas sobre bases rurais dos Mau-Mau. O premiê inglês Winston Churchill posteriormente autorizou a “Operação Cogumelo”, que estendeu os bombardeios aéreos contra alvos civis, vilarejos e cidades. Milhares de pessoas morreram nos ataques.

Fuzileiros Reais Africanos durante a Revolta dos Mau-Mau
wikipédia

Estima-se que até 320.000 quenianos foram encarcerados em campos de concentração durante a repressão aos Mau-Mau. Os britânicos também forçaram mais de um milhão de pessoas a ficarem confinadas em “vilas fechadas” sob vigilância militar durante o programa de aldeamento.

Os campos de concentração serviram de cenário para inúmeras atrocidades e crimes de guerra. Os quenianos foram forçados ao trabalho escravo, à fome, sede e privações de todo tipo, vivendo amontoados em condições insalubre e degradantes. Eram espancados, açoitados, torturados e submetido à violência sexual.

Os suspeitos conduzidos a interrogatórios tinham suas orelhas cortadas, os tímpanos perfurados e quase sempre eram executados, cooperando ou não com os soldados britânicos. Muitos tinham os corpos embebidos em parafina e eram então incinerados.

As torturas incluíam queimaduras, afogamentos, choques elétricos e mutilações. Prisioneiros eram amarrados a veículos e arrastados até a morte. Homens tinham seus genitais arrancados com alicates, ao passo que mulheres e crianças eram estupradas. As crianças eram separadas dos pais e levadas para o campo de Wamumu. Documentos do governo britânico revelaram posteriormente que muitos bebês nascidos em cativeiro foram queimados vivos.

Além da tortura e das execuções sumárias, muitos quenianos foram vitimados por doenças. Epidemias de tifo, disenteria e escorbuto grassavam soltas. Fora dos campos de concentração, as punições coletivas eram comuns. Centenas de quenianos foram fuzilados e assassinados em massacres como os de Chuka e Hola.

O fim do levante

A violência das tropas coloniais acabou por subjugar a resistência. A captura do líder guerrilheiro Dedan Kimathi em 21 de outubro de 1956 marcou o fim das operações principais, sinalizando a derrota dos Mau-Mau e encerrando a campanha militar britânica. Kimathi foi executado pelos britânicos no ano seguinte, junto a outros líderes da rebelião.

A maior parte dos combatentes abandonou a luta armada ou se rendeu, aceitando as ofertas de anistia. Alguns grupos guerrilheiros, no entanto, permaneceram ativos até meados dos anos 60, incluindo aqueles liderados por Musa Mwariama e pelo general Baimungi.

Embora derrotados militarmente, os Mau-Mau conseguiram impulsionar a causa independentista. A repressão brutal expôs as injustiças coloniais e fortaleceu o movimento autonomista. Ao mesmo tempo, o receio da revolta popular forçou o governo britânico a fazer concessões, incluindo o fechamento de campos de concentração, a revisão dos códigos legais sobre o uso da terra e a organização de eleições diretas em âmbito regional.

Sob crescente pressão do movimento anticolonialista, o governo britânico aceitaria realizar as Conferências de Lancaster House, iniciando a negociação para a transição política. Em 1963, o Quênia proclamou sua independência. Jomo Kenyatta, líder da União Africana do Quênia que havia sido preso durante a repressão aos Mau-Mau, tornou-se o primeiro presidente do país.

Não se sabe o número exato de vítimas da repressão. O historiador britânico David Anderson estimou cerca de 25.000 mortes, mas o número parece subdimensionado. O demógrafo John Blacker afirmou que 50.000 quenianos foram mortos, metade dos quais seriam crianças de até 10 anos de idade. Um estudo produzido por Caroline Elkins, historiadora da Universidade de Harvard, chegou à cifra de 300.000 mortos, somando as vítimas dos massacres, da fome, das doenças e das crises sociais causadas pelo conflito.