Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Há 236 anos, em 14 de julho de 1789, a população de Paris invadia, saqueava e destruía a Bastilha — uma fortaleza medieval que era utilizada como prisão pela monarquia. O episódio é considerado o marco inicial da Revolução Francesa, impulsionando o movimento que levaria à queda da monarquia absolutista e encerraria o Antigo Regime.

Movidos por rumores de que o governo francês planejava reprimir a mobilização popular por reformas, os revolucionários marcharam até a Bastilha para capturar as armas e munições ali armazenadas.

A tomada da fortaleza não tinha grande importância do ponto de vista militar, mas seu valor simbólico foi imensurável. A destruição de um símbolo da repressão monárquica inflamou os populares, inspirando uma onda de revoltas que varreu toda a França e forçou o rei Luís 16 a aceitar a legitimidade da Assembleia nacional Constituinte.

A crise na França

Tributária dos avanços das ideias iluministas e da fragilização da autoridade da Igreja e do Antigo Regime, a Revolução Francesa teve como elemento de ignição imediata a crise política, social e econômica que assolou a França no fim do século 18.

O reinado de Luís 16 enfrentava um grave desequilíbrio fiscal, com déficit interno e dívida externa galopantes. Os gastos militares em conflitos como a Guerra dos Sete Anos e o apoio financeiro à Revolução Americana tinham esgotado os cofres públicos.

A crise econômica foi intensificada por uma sucessão de péssimas colheitas, elevando o preço dos alimentos. O alto custo de vida, a inflação e o desemprego jogaram milhões de famílias na miséria. Em 1787, teve início a Grande Fome. O pão se tornou inacessível para a maior parte dos trabalhadores, gerando uma série de revoltas pela França.

Apesar da situação caótica, a aristocracia francesa seguia totalmente alheia ao estado de coisas no país. A corte de Versalhes realizava festas extravagantes e ostentava sua riqueza em banquetes faustosos, enquanto a população mal conseguia se alimentar.

A conta da crise caía apenas no colo dos mais pobres. O sistema tributário era extremamente regressivo, com impostos que incidiam pesadamente apenas sobre os trabalhadores e a pequena burguesia, enquanto os aristocratas eram poupados.

A postura negligente das classes privilegiadas alimentou a insatisfação popular em relação à monarquia e o ressentimento contra a aristocracia francesa. Ao mesmo tempo, a burguesia reivindicava a ampliação de seu poder político e de sua capacidade de influir nos rumos da governança. As ideias iluministas, que contestavam o absolutismo da monarquia, ganhavam cada vez mais força.

Os Estados Gerais

A crise atingiu seu ápice em 1789, com a França à beira de um colapso econômico. Incapaz de impor às classes privilegiadas as reformas fiscais que julgava necessárias, o rei Luís 16 decidiu convocar a Assembleia dos Estados Gerais para discutir os problemas do país. Era a primeira vez desde 1614 que a assembleia era convocada.

Os Estados Gerais consistiam nas três classes sociais em que a sociedade francesa estava dividida. O Primeiro Estado era o Alto Clero, composto por autoridades eclesiásticas que representavam 0,5% da população. O Segundo Estado era a Nobreza, formado pela monarquia e pelos aristocratas, cortesãos e palacianos, que respondiam por 1,5% dos franceses.

O Terceiro Estado, subordinado aos outros dois, representava o grosso da população — 98% dos franceses, incluindo os burgueses, os camponeses sem terra e os “sans-culottes” (uma camada heterogênea composta por artesãos, aprendizes, trabalhadores urbanos etc.).

Os três Estados fizeram votações de janeiro a maio de 1789 e apresentaram suas queixas. O problema da representação popular, entretanto, logo se apresentou na Assembleia. Os representantes de cada Estado deliberavam separadamente sobre as questões apresentadas, mas tinham direito a um único voto.

Embora englobasse a maioria esmagadora da população, o Terceiro Estado tinha seu poder político solapado pela convergência dos votos do Clero e da Nobreza, unidos pela manutenção dos seus privilégios.

O Terceiro Estado pressionou então a Assembleia a contabilizar os votos por deputado, e não por estamento. Luís 16 chegou a ampliar o número de deputados do Terceiro Estado, mas se negou a instituir o voto por cabeça.

O Juramento do Jogo da Pela e a Assembleia Nacional

Sem conseguir avançar nos debates e decididos a modificar a estrutura decisória da assembleia representativa, os deputados do Terceiro Estado se rebelaram e decidiram criar sua própria Assembleia Nacional, elegendo Honoré Gabriel Riqueti, o Conde de Mirabeau, como líder.

Na manhã de 20 de junho, ao comparecerem à Câmara para iniciar as discussões, os deputados do Terceiro Estado encontraram a porta trancada e guardada por soldados do rei. Acreditando na possibilidade de uma retaliação iminente de Luís XVI, os deputados decidiram realizar uma reunião de emergência em outro local.

Joseph-Ignace Guillotin sugeriu que os deputados se reunissem em um salão de jogo de pela no distrito de Saint-Louis, perto do Palácio de Versalhes. Neste local, os membros do Terceiro Estado fizeram um juramento coletivo, prometendo que não se separariam e que se reuniriam sempre que as circunstâncias exigissem.

queda da bastilha

‘A queda da Bastilha’, pintura anônima, c. 1790
Acervo do Museu da Revolução Francesa / Wikimedia Commons

Também se comprometeram a criar uma legislação que limitasse o poder absolutista do rei e fosse guiada pelos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade — que se tornariam os lemas da Revolução Francesa. Três dias depois, em 23 de junho de 1789, a Assembleia Nacional rejeitou a autoridade real e determinou a extinção dos mandatos imperativos.

Percebendo que seu domínio político estava ameaçado, Luís XVI tentou a pacificação, ordenando aos deputados das classes privilegiadas que se reunissem com o Terceiro Estado. A Assembleia Nacional logo seria convertida em órgão constituinte, enquanto a cisão entre a aristocracia e o povo se aprofundava.

A rebelião popular e a tomada da Bastilha

Os deputados do Terceiro Estado seguiram propondo uma série de medidas para limitar o poder do monarca. Luís 16 tentou reagir demitindo o Ministro das Finanças, Jacques Necker, conhecido por suas posições reformistas. Necker defendia abertamente que o Terceiro Estado deveria ter mais poder político, sendo por isso considerado o único burocrata que se importava com o povo no gabinete de Luís 16.

O ato do monarca indignou a população, que saiu às ruas de Paris conclamando a rebelião armada. Quando Luís 16 cogitou fechar a Assembleia, foi impedido por uma enorme sublevação popular, que logo se espalhou por Paris.

A própria Guarda Real começou a se rebelar contra os monarcas. Em um episódio ocorrido em junho de 1789, a multidão que protestava em frente ao Palácio Real decidiu invadir a prisão de Abbaye para soltar um grupo de granadeiros que tinham sido presos por se negarem a disparar contra o povo.

No dia 14 de julho, o jornalista Camille Desmoulins fez um discurso inflamado exortando o povo a se armar para reagir a uma eventual repressão violenta desencadeada pela nobreza.

A princípio, a multidão se dirigiu ao Arsenal dos Inválidos, apropriando-se de oito mil mosquetes e alguns canhões. Em seguida, em busca de mais armas e munições, o povo se locomoveu até a Bastilha — a antiga fortaleza parisiense que fora convertida em prisão pelos monarcas franceses.

Dirigida pelo Marquês de Launay, a fortaleza era guardada por 32 guardas suíços. Ciente da tensão, o marquês tentou negociar. Ele convidou representantes dos populares a entrarem na fortaleza para discutir.

As negociações foram interrompidas quando os guardas da Bastilha começaram a disparar contra a multidão. Enfurecidos, os populares invadiram o pátio externo da fortaleza, dando início a um conflito sangrento.

Bem armados, os guardas suíços conseguiram retardar o avanço dos rebeldes. A chegada de reforços de amotinados da Guarda Nacional, entretanto, mudou o equilíbrio de forças. Eles trouxeram dois canhões, que começaram a disparar contra a fortaleza.

Após mais de quatro horas de combate, com cerca de 100 mortos entre os revoltosos, o Marquês de Launay percebeu que a resistência seria inútil. A multidão era enorme e os guardas logo ficariam sem munição. Por volta das 17 horas, Launay ordenou a rendição e abriu os portões da Bastilha aos rebeldes.

Apear da rendição, Launay não foi poupado da fúria popular. Sua cabeça foi decapitada e fincada em uma lança que acompanhou a multidão em um desfile pelas ruas de Paris. Os presos da Bastilha foram libertados e aplaudidos pela multidão à medida em que deixavam o edifício. Em seguida, os populares saquearam e incendiaram a fortaleza, destruindo o principal símbolo de repressão do Antigo Regime.

Os desdobramentos da insurreição

A notícia da queda da Bastilha se espalhou rapidamente pelas províncias francesas, mobilizando a população e acelerando o processo revolucionário, a formação das milícias e a queda dos intendentes.

O evento foi recebido como uma vitória popular contra o absolutismo. Em Versalhes, ao ser informado sobre a tomada da fortaleza, Luís 16 questionou se era uma revolta que estava em curso — ao que o duque de La Rochefoucauld respondeu: “Não, senhor. É uma revolução”.

Pressionado, o rei recuou. Ele reconheceu a legitimidade da Assembleia Nacional Constituinte e anunciou que reintegraria Jacques Necker ao cargo de ministro.

Era tarde demais. Eletrizados pelo clamor da mudança, camponeses e trabalhadores urbanos passaram a saquear e incendiar os palácios, castelos e propriedades da aristocracia. Também invadiram os cartórios a fim de destruir os títulos de propriedade das terras, no período que ficou conhecido como “Grande Medo”.

Diante da radicalização das massas, a nobreza e os dirigentes da monarquia começaram a fugir do país. Temendo que a revolta popular evoluísse para uma situação de anomia, a burguesia parisiense se apressou em instalar um governo provisório local — a primeira Comuna de Paris.

A Comuna organizou a Guarda Nacional, uma milícia burguesa liderada pelo Marquês de La Fayette, incumbida de impedir tanto a retomada do poder pelas tropas do rei quanto a radicalização excessiva dos populares. As rosetas tricolores utilizadas pelos membros da Guarda Nacional, nas cores azul, branco e vermelho, logo se tornaram o símbolo da revolução e substituíram o pavilhão dos Bourbons.

Após a queda da Bastilha, a Assembleia Constituinte acelerou as reformas, tentando conciliar as demandas do Terceiro Estado com os interesses da burguesia. Os deputados suprimiram os privilégios sociais, as imunidades provinciais e os direitos feudais e instituíram a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão — assegurando ao mesmo tempo a reestruturação do sistema político e a proteção à propriedade privada.

A Bastilha foi demolida. O terreno onde ficava a fortaleza serviu de abrigo para uma das várias guilhotinas espalhadas por Paris durante o “Período do Terror” — a execução em massa dos aristocratas e contrarrevolucionários. O local hoje abriga a Praça da Bastilha.

Exatamente um ano após a queda da Bastilha, em 14 de julho de 1790, o governo provisório organizou a Festa da Federação, celebrando a união nacional em torno do processo revolucionário. A data 14 de julho seria convertida em um feriado nacional na França, marcado por celebrações cívicas, desfiles militares e festejos populares.