Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Ansiando por um pretexto para invadir um pequeno país visto como inimigo, o governo dos Estados Unidos propõe realizar uma operação de bandeira falsa: assassinar seus próprios cidadãos em atentados terroristas, sequestrar e derrubar aviões, atacar suas próprias instalações militares. Tudo isso para jogar a culpa no país que quer invadir, justificando uma guerra junto à opinião pública.

Pode parecer um roteiro de teoria da conspiração, mas foi exatamente isso que o Departamento de Defesa dos Estados Unidos propôs para justificar uma invasão conra Cuba na década de 1960.

O triunfo da Revolução Cubana em 1959 representou um grande revés para os interesses norte-americanos no Caribe. A queda do regime de Fulgencio Batista retirou a ilha do círculo de influência dos Estados Unidos e alimentou o ímpeto nacionalista do povo cubano, unido em favor de um ideário de soberania e autodeterminação.

Campanha ‘Free Palestina’

Sob a liderança de Fidel Castro, o governo revolucionário refundou o sistema político cubano e implementou um abrangente programa de reformas estruturais. Os cubanos confiscaram terras e nacionalizaram os ativos de empresas e bancos estrangeiros. Mais de 160 companhias norte-americanas foram expropriadas.

A plataforma nacionalista e anti-imperialista dos revolucionários cubanos causou crescentes tensões com o governo norte-americano. Em outubro de 1960, os Estados Unidos impuseram um embargo comercial contra a ilha e acusaram o governo cubano de suprimir as liberdades civis e violar os direitos humanos. Em fevereiro de 1962, esse embargo seria ampliado para abranger quase todas as exportações para Cuba — e é mantido em vigor desde então.

Diante da crescente hostilidade da Casa Branca, o governo cubano buscou assegurar o respaldo da União Soviética e aprofundou as reformas de caráter socialista na ilha.

A existência de um governo socialista no continente americano, no auge da Guerra Fria, era inaceitável para a Casa Branca — e isso foi externado das maneiras mais violentas possíveis. Em março de 1960, o vapor “La Coubre”, carregado de armas adquiridas pelo governo de Cuba, foi explodido no Porto de Havana, deixando mais de 100 mortos. As suspeitas recaíram sobre William Alexander Morgan, um miliciano norte-americano ligado à CIA. O governo norte-americano também financiou os combatentes anticomunistas que se insurgiram contra o governo cubano durante a Rebelião de Escambray.

Ainda em 1960, o presidente Dwight Eisenhower incumbiu Allen Dulles, diretor da CIA, de arquitetar um plano para depor o governo cubano. O plano foi posto em prática no ano seguinte, já na gestão de John Kennedy. Uma força paramilitar composta por exilados cubanos anticastristas, treinada e armada pelo serviço secreto dos EUA, tentou tomar a ilha em abril de 1961, durante a Invasão da Baía dos Porcos — mas foram subjugados pelas tropas cubanas em apenas três dias.

Debelada a tentativa de invasão, a CIA deu início à Operação Mongoose (Operação Mangusto ou Projeto Cuba) — uma campanha que incluía múltiplas ações de desestabilização e sabotagem, operações de guerra psicológica, atentados terroristas e ações paramilitares contra o governo cubano. Apesar dos esforços e do grande volume de recursos empregados, a Operação Mongoose também fracassou.

O forte apoio popular à revolução inviabilizou as tentativas de fomentar insurreições e a segurança interna da ilha provou-se bastante eficaz na neutralização das ameaças externas. Fidel Castro sobreviveu a múltiplas tentativas de assassinato — e a denúncia dessas ações levava constrangimento e desmoralização à Casa Branca.

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Os sucessivos fracassos da CIA convenceram setores militares dos Estados Unidos de que a única maneira de assegurar a derrubada do governo cubano seria por meio de uma intervenção militar direta. Faltava, entretanto, o “casus belli”, o argumento para justificar uma declaração de guerra e o envio de tropas norte-americanas para a ilha.

Visando cobrir essa lacuna, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos elaborou a Operação Northwoods — uma operação de bandeira falsa, em que os militares norte-americanos atacariam sua própria população para colocar a culpa em Cuba e justificar uma guerra.

As ações propostas para a Operação Northwoods foram coligidas em um memorando datado de 13 de março de 1962, intitulado “Justificativa para a Intervenção Militar dos Estados Unidos em Cuba”. Conforme o documento, militares norte-americanos e agentes da CIA cometeriam uma série de atentados terroristas em cidades dos Estados Unidos, matando um grande número de pessoas inocentes. Evidências seriam plantadas para responsabilizar o governo cubano por esses atentados.

Os ataques gerariam comoção popular, que seria convertida em apoio massivo a uma intervenção militar contra Cuba. Também serviriam para angariar apoio internacional e legitimar as alegações norte-americanas de que o governo cubano é uma ameaça à paz hemisférica.

O plano previa o bombardeio de diversos alvos civis em Washington e a simulação de uma “campanha de terror comunista” contra imigrantes cubanos que viviam em Miami. Os militares norte-americanos também cogitaram afundar barcos de refugiados cubanos em alto-mar, bombardear navios dos Estados Unidos e executar atentados contra alvos militares na Costa Leste.

Outro cenário proposto para a Operação Northwoods previa a simulação de sequestro e explosão de um avião comercial dos Estados Unidos. O plano é detalhado no memorando supracitado: “uma aeronave na base aérea de Eglin seria pintada e numerada como uma duplicata exata de uma aeronave civil registrada, pertencente a uma organização de propriedade da CIA na região de Miami. Em um determinado momento, a duplicata seria substituída pela aeronave civil verdadeira e seria carregada com passageiros selecionados, todos embarcados usando pseudônimos cuidadosamente preparados. A verdadeira aeronave registrada seria então convertida em um drone. (…) A aeronave carregando os passageiros baixaria a uma altitude mínima e iria diretamente para um campo auxiliar na base de Eglin, já preparada para evacuar os passageiros e fazer a aeronave voltar ao seu estado original. Enquanto isso, o drone seguirá com o plano de voo original. Quando estiver sobre Cuba, o drone começará a transmitir a frequência internacional de perigo ‘MAYDAY’ afirmando estar sob ataque de caças MIG cubanos. A transmissão será interrompida pela destruição da aeronave, que será detonada por sinal de rádio. Isso vai possibilitar que as estações de rádio da OACI no Hemisfério Ocidental comuniquem aos Estados Unidos o que aconteceu com a aeronave, ao invés dos Estados Unidos tentarem ‘vender’ a história”.

Wikimedia Commons
Capa do memorando produzido pelo Departamento de Justiça dos EUA, detalhando as operações de bandeira falsa propostas para Cuba

Além da Operação Northwoods, outras operações de bandeira falsa foram elaboradas pelo Departamento de Defesa no âmbito da Operação Mongoose. Essas propostas foram apresentadas em um memorando intitulado “Possíveis ações para provocar, assediar e perturbar Cuba”, escrito pelo general William Craig e submetido ao general de brigada Edward Lansdale, comandante da Operação Mongoose.

Entre as ações cogitadas, estava a Operação Bingo (simulação de um ataque cubano à Base Naval dos Estados Unidos em Guantánamo) e a Operação Dirty Trick (plano para responsabilizar Cuba caso houvesse alguma falha com a nave Mercury, primeiro projeto tripulado de exploração espacial desenvolvido pela NASA). Havia ainda um plano para forjar um ataque atribuído a Cuba contra um país membro da Organização dos Estados Americanos (OEA) — possibilitando o acionamento do Tratado de Assistência Recíproca e o envolvimento dos Estados Unidos. Entre os países cogitados para esse ataque de bandeira falsa estavam a Jamaica e Trindade e Tobago.

O memorando listando as propostas da Operação Northwoods foi assinado pelo general Lyman Lemnitzer e entregue ao Secretário de Defesa, Robert McNamara, ainda em março de 1962. O presidente John Kennedy, entretanto, vetou a execução do plano, afirmando que o uso de força militar estava fora de questão.

Kennedy parece ter ficado bastante incomodado com a proposta. Logo após tomar conhecimento da operação de bandeira falsa, o presidente removeu Lemnitzer da Presidência do Estado-Maior Conjunto. A atitude de Kennedy incomodou os militares, que julgavam que o mandatário estava sendo muito leniente com Cuba.

A insatisfação dos militares se agravaria ainda mais durante a Crise dos Mísseis. Os oficiais acreditavam que a opção de Kennedy pelo bloqueio naval, descartando a invasão de Cuba, era uma demonstração de fraqueza que encorajaria ofensivas cada vez mais ousadas da União Soviética.

A Operação Northwoods permaneceu em segredo por quase quatro décadas. Em novembro de 1997, o Conselho de Revisão dos Registros do Assassinato de John Kennedy — uma comissão governamental criada para supervisionar a divulgação de documentos relacionados à morte do ex-presidente — autorizou a publicação do memorando sobre a Operação Northwoods produzido pelo Departamento de Defesa em março de 1962.

Mais de 1.500 páginas de registros militares antes classificados como confidenciais foram liberados para consulta. O conhecimento público sobre a operação, entretanto, somente começou a ocorrer a partir de 2001, quando o assunto foi tratado pelo jornalista James Bamford no livro Body of Secrets.

Em agosto de 2001, a Assembleia Nacional do Poder Popular de Cuba emitiu uma declaração condenando o governo norte-americano pela elaboração da Operação Northwoods.