A luta de José do Patrocínio, o 'Tigre da Abolição'
Jornalista e escritor foi um dos mais proeminentes líderes do movimento abolicionista no Brasil
Há 172 anos, em 9 de outubro de 1853, nascia o jornalista e escritor José do Patrocínio, um dos mais proeminentes líderes do movimento abolicionista no Brasil.
Filho de um padre com uma jovem negra escravizada, Patrocínio conseguiu superar as terríveis barreiras raciais do Brasil Império e se consagrou como um dos maiores jornalistas do século 19.
Fundador da Associação Central Emancipadora e da Confederação Abolicionista, ele foi um dos grandes comandantes da luta contra o regime escravocrata, organizando campanhas e passeatas em prol da emancipação, coletando fundos para a compra de alforrias e ajudando a organizar a fuga de escravizados — ações que lhe valeram o epíteto de “Tigre da Abolição”.
O jornalista também exerceu o cargo de vereador na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, ajudou a fundar a Academia Brasileira de Letras e foi responsável por redigir e anunciar publicamente a moção que oficializou a Proclamação da República.
Juventude e formação
José Carlos do Patrocínio nasceu em Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense. Ele era filho do cônego João Carlos Monteiro, o vigário da cidade, e de Justina do Espírito Santo, uma jovem escravizada de origem Mina.
Embora fosse um sacerdote, seu pai era conhecido pela vida desregrada, repleta de vícios e aventuras. Era também um homem poderoso, proprietário de terras e deputado na Assembleia Legislativa Provincial. Justina era uma de muitas escravizadas que viviam nas terras do padre. Ela foi cedida como um presente de Emerenciana Ribeiro do Espírito Santo, uma das fiéis da paróquia.
O vigário não reconheceu Patrocínio como seu filho, mas permitiu que o menino crescesse como liberto em sua fazenda na Lagoa de Cima. Patrocínio passou sua infância em meio aos escravizados, testemunhando os maus-tratos e a exploração inclemente a que eram submetidos.
Em 1868, Patrocínio, então com 14 anos, obteve a permissão do pai para deixar a fazenda e ir para o Rio de Janeiro, em busca de oportunidades. Na capital do Império, trabalhou como servente na Santa Casa de Misericórdia. Depois, tornou-se aprendiz de farmácia na Casa de Saúde do Bom Jesus do Calvário, do doutor Batista dos Santos.
Determinado a buscar uma carreira na área da saúde, Patrocínio se matriculou no Externato João Pedro de Aquino. Em 1871, ele foi aprovado no curso de farmácia da Faculdade de Medicina. Para se manter durante a graduação, Patrocínio dava aulas particulares. Também contava com o auxílio de uma sociedade beneficente e de seu amigo Sebastião Catão Calado.
Patrocínio enfrentou dificuldades financeiras após sua graduação em 1874. Sem ter onde morar, foi socorrido por um colega da época do externato, que lhe ofereceu abrigo na casa do capitão Emiliano Rosa Sena, no bairro de São Cristóvão.
Foi nesse período que Patrocínio se envolveu afetivamente com Maria Henriqueta, dita “Bibi”, uma das filhas do militar. O relacionamento, a princípio, incomodou o capitão, mas foi posteriormente aceito. Patrocínio e Bibi se casaram em 1879 e tiveram cinco filhos.
Carreira jornalística e literária
Durante a estadia na casa do capitão Sena, Patrocínio frequentou as atividades do “Clube Republicano”, que funcionava na mesma residência. A experiência possibilitou que ele tivesse contato com nomes como Quintino Bocaiuva, Lopes Trovão e Pardal Mallet e influenciou a decisão de buscar uma nova ocupação no jornalismo.
Em 1875, em parceria com Dermeval da Fonseca, Patrocínio lançou o quinzenário “Os Ferrões”, um panfleto com observações satíricas sobre os acontecimentos políticos do Império. Dois anos depois, em 1877, tornou-se redator da “Gazeta de Notícias”, assinando a coluna “Semana Parlamentar”, também dedicada a análises políticas.
Patrocínio estreou sua carreira literária nesse mesmo ano, lançando o romance “Motta Coqueiro ou a Pena de Morte”. A obra reconta de forma ficcional a história do fazendeiro Manuel da Motta Coqueiro, condenado à morte por um crime que não cometeu. Além de criticar as falhas do sistema judiciário e a crueldade da pena de morte, o romance também denunciava a brutalidade do sistema escravocrata.
Seu segundo romance, intitulado “Os Retirantes”, foi lançado em 1879. A obra é baseada nas reportagens jornalísticas que próprio autor escreveu durante uma viagem ao Ceará, a fim de investigar o flagelo da seca e acompanhar as medidas tomadas pelas autoridades. O romance é considerado o texto fundador da “literatura da seca”, influenciando trabalhos posteriores de Rachel de Queiroz e Graciliano Ramos.
Patrocínio escreveu ainda um terceiro romance chamado “Pedro Espanhol”, publicado em 1884. O livro apresenta a história de um assassino que foge de Portugal e imigra para o Brasil acompanhando a família real. No novo país, ele passa a liderar uma quadrilha de bandoleiros — evocando alegoricamente a violência da herança colonial e seu impacto na formação do Brasil.

José do Patrocínio, fotografado por volta de 1900
Wikimedia Commons
O “Tigre da Abolição”
José do Patrocínio iniciou a militância no movimento abolicionista em 1879, usando sua coluna na “Gazeta de Notícias” para difundir a campanha pelo fim da escravatura. Também conclamou a mobilização contra a escravidão nas páginas do jornal “Gazeta da Tarde”, do qual se tornou proprietário em 1881.
O jornalista foi responsável por articular a ação conjunta de alguns dos mais eminentes líderes do movimento abolicionista, reunindo em torno de si nomes como André Rebouças, Teodoro Sampaio, Joaquim Nabuco, Ferreira de Menezes, João Clapp, Lopes Trovão, Paula Ney e Ubaldino do Amaral.
Em 1881, esse grupo formaria a Associação Central Emancipadora, uma das organizações mais ativas na campanha pela abolição. Dois anos depois, em 1883, Patrocínio e André Rebouças fundaram a Confederação Abolicionista, organização que congregava os mais importantes clubes, associações e sociedades antiescravagistas do Brasil. Ele foi um dos autores do “Manifesto da Confederação”, um marco da luta emancipacionista.
Patrocínio organizou inúmeros atos públicos, espetáculos, comícios e passeatas para difundir a causa antiescravagista. Exímio orador, ele brilhava nas famosas conferências abolicionistas do Teatro São Luís, emocionando o público com sua argumentação pungente e incisiva — e ao mesmo tempo convidando à ação com uma retórica inflamada.
O escritor organizou campanhas de levantamento de recursos para a compra de alforrias e criou uma rede secreta que auxiliava na fuga de escravizados — muitos deles abrigados na sua própria residência. Patrocínio também liderou uma ação chamada “limpeza das ruas”, que consistia em pressionar publicamente os proprietários de escravos do Rio de Janeiro a libertarem aos seus cativos.
Os esforços incansáveis de José do Patrocínio em prol da liberdade dos escravizados lhe valeram a alcunha de “Tigre da Abolição”. Como relatado por Orlando Guilhom, o jornalista era considerado o “verdadeiro comandante” da campanha abolicionista.
Sua influência se estendia por todo o país. No Ceará, onde foi recebido com o título de “Marechal Negro”, Patrocínio ajudou a articular a iniciativa política que levou à primeira abolição provincial da escravatura no Brasil, decretada em 1884.
Quando retornou a Campos dos Goytacazes, sua cidade natal, Patrocínio foi recebido como herói. Na ocasião, ele resgatou sua mãe, que estava muito doente, e a levou para o Rio de Janeiro. Justina faleceu pouco tempo depois, após passar a vida inteira como escravizada. O sepultamento se converteu em um verdadeiro ato público em prol da libertação, testemunhado por personalidades como Ruy Barbosa, Prudente de Morais e Campos Sales.
Em 1886, José do Patrocínio foi eleito vereador pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro, amparado por uma votação expressiva. No ano seguinte, ele fundou o jornal “A Cidade do Rio”, combativo periódico que agregava alguns dos maiores nomes do jornalismo brasileiro em seus quadros.
Foi na sacada da sede do jornal que Patrocínio saudou a população em 13 de maio de 1888, após a princesa Isabel assinar a Lei Áurea, finalmente abolindo a escravidão. O jornalista se tornou um dos principais defensores de Isabel após a emancipação, concedendo-lhe o título de “A Redentora” e passando a exaltá-la em suas publicações. O escritor alertou, no entanto, que a mera abolição não bastaria para aplacar a chaga da escravidão e cobrou a realização de uma reforma agrária para garantir meios de subsistência aos ex-cativos.
Patrocínio também é identificado como o fundador da Guarda Negra — uma milícia de ex-escravizados que tinha como missão a defesa da abolição e a proteção da princesa Isabel. O grupo ajudaria a fomentar o “isabelismo” (o culto mitificador à imagem de Isabel) e realizaria vários ataques contra os comícios republicanos, associando-se à defesa do regime monárquico.
A Proclamação da República e os anos finais
Após a campanha pela abolição da escravatura, o movimento em prol do regime republicano ganhou forte impulso. Várias lideranças do movimento abolicionista também eram partidários do sistema republicano. A defesa exaltada da princesa Isabel e os vínculos com a Guarda Negra, no entanto, fizeram com que Patrocínio ganhasse a fama de defensor da monarquia.
O jornalista sempre afirmou ser um defensor do regime republicano — e, de fato, mantinha vínculos com organizações republicanas desde o fim da década de 1870. A argumentação, no entanto, não foi convincente. Patrocínio ficaria isolado no movimento republicano e perderia gradualmente a influência política conquistada com a campanha abolicionista.
Paradoxalmente, José do Patrocínio foi o orador que proclamou a República. Embora tivesse destituído o gabinete monárquico de Pedro II, o líder das tropas republicanas, marechal Deodoro da Fonseca, não fez nenhum anúncio formal sobre a mudança de regime.
A responsabilidade coube então a Patrocínio, o vereador mais jovem da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. No dia 15 de novembro de 1889, após redigir às pressas o documento, ele subiu ao plenário do parlamento e leu a moção pública anunciando a abolição da monarquia e a instituição do governo republicano.
Patrocínio fez declarações de apoio ao novo regime, mas as relações com a “República da Espada” logo se deterioraram. Em 1892, após declarar publicamente sua simpatia pela Revolta da Armada, o escritor foi acusado de conspirar contra a República e se tornou alvo do presidente Floriano Peixoto. Patrocínio foi condenado ao degredo no estado do Amazonas e teve seu jornal fechado pelas autoridades.
O jornalista retornou ao Rio de Janeiro em 1893, mas preferiu adotar um perfil mais discreto, afastando-se da vida pública e do debate político. Entre 1896 e 1897, Patrocínio ajudou a fundar a Academia Brasileira de Letras (ABL). Ocupou a cadeira de nº 21, do patrono Joaquim Serra.
Em seus últimos anos, José do Patrocínio se interessou pela aviação. Ele era um grande admirador de Santos Dumont e chegou a financiar a construção de um dirigível batizado como “Santa Cruz”. Faleceu precocemente em 29 de janeiro de 1905, aos 51 anos, vitimado pela tuberculose.























