Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Há 31 anos, em 4 de outubro de 1993, a sede do Soviete Supremo era bombardeada pelas Forças Armadas da Federação Russa por ordem do presidente Boris Yeltsin. O bombardeio foi o ápice da crise constitucional gerada pelas disputas entre o poder executivo e o parlamento russo, acerca das reformas políticas e econômicas conduzidas após a dissolução da União Soviética.

Contrariamente ao senso comum propalado pelo Ocidente, o processo de dissolução da União Soviética e de transição do sistema socialista para a economia de mercado foi extremamente atribulado, autoritário e conduzido sem a concordância de boa parte da população do país.

O desmonte foi iniciado na década de 1980 por Mikhail Gorbachev, responsável por instituir os planos de “reestruturação econômica” (Perestroika) e de “abertura política” (Glasnost), abrindo caminho para o avanço das agendas neoliberais e para a erosão das bases de sustentação política dentro do próprio governo soviético. O acidente com o reator atômico da usina nuclear de Chernobyl, a eclosão de movimentos separatistas e as “revoluções coloridas” do Leste Europeu, apoiadas e financiadas pelas potências ocidentais, adicionaram ainda mais pressão em favor das reformas.

Apesar do contexto turbulento, a grande maioria da população soviética se opôs à dissolução da confederação. No referendo realizado em março de 1991, 77,8% dos eleitores afirmaram categoricamente que eram favoráveis à “manutenção da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas como uma Federação renovada de repúblicas iguais e soberanas”, contra apenas 22,1% que apoiaram a dissolução do país.

Apesar da vitória esmagadora do “sim” indicar o desejo popular de manter a União Soviética, as lideranças do país deram continuidade ao projeto de desmonte. Durante o ano de 1991, todas as repúblicas soviéticas se separaram da União — incluindo a própria Rússia. O processo de dissolução foi articulado por Boris Yeltsin, que se encarregou de conduzir as ações diante da impopularidade de Gorbachev. Em 26 de dezembro de 1991, a União Soviética foi oficialmente extinta. Gorbachev renunciou e Boris Yeltsin assumiu a presidência da Federação Russa.

Se a dissolução da União Soviética já não contava com aprovação majoritária, o aprofundamento das transformações operadas no país tornou a situação ainda mais crítica. As reformas conduzidas por Yeltsin — transição para economia de mercado, privatizações, extinção de serviços públicos, redução da rede de proteção social e implementação do receituário neoliberal — foram desastrosas.

A Rússia mergulhou em uma recessão econômica sem precedentes e viu seu PIB despencar para os níveis de 40 anos antes. O desemprego aumentou exponencialmente e milhões de pessoas foram jogadas na miséria. Diante da insatisfação generalizada e das crescentes manifestações, Yeltsin recorreu à repressão policial para impor as reformas.

Coube ao Congresso dos Deputados do Povo — principal órgão legislativo da Federação Russa — o papel de contrapor e contestar as reformas de Yeltsin. Alegando que a transição para o capitalismo estava levando o país à ruína, a oposição parlamentar iniciou um boicote sistemático às pautas do governo federal.

Wikimedia Commons/Bergmann
Sede do Soviete Supremo após o bombardeio perpetrado pelo exército russo

As relações entre o executivo e o legislativo se deterioraram de forma acentuada ao longo do ano de 1993, levando Yeltsin a proferir um discurso televisionado em que informava ao povo russo sobre a instauração de um “regime especial de governança”, que permitiria ao governo impor as reformas mesmo sem a concordância do legislativo. Em outras palavras, Yeltsin assumiu ter a intenção de governar como ditador, de modo a concluir o processo de transição do país para o capitalismo.

O Soviete Supremo — parlamento permanente eleito pelo Congresso dos Deputados do Povo — alegou que as ações de Yeltsin eram inconstitucionais e acionou o Tribunal Constitucional da Rússia para dar início ao processo de deposição do chefe de governo. A corte suprema concordou com a interpretação dos parlamentares, autorizando o início do processo de impeachment.

Visando neutralizar as ações do Soviete Supremo, Yeltsin passou a cooptar parte dos deputados, liberando verbas e prometendo vantagens financeiras e apoio político para seus projetos pessoais. A estratégia funcionou e a oposição não conseguiu obter votos suficientes para depor o presidente. Angariou 617 de 1033 votos — 72 a menos do que o mínimo necessário para aprovar o impeachment.

Yeltsin se contrapôs à tentativa de deposição articulando a aprovação de uma moção de confiança. Com base nessa consulta, o presidente ordenou a dissolução do parlamento. O Soviete Supremo reagiu, definindo a ação do mandatário como um golpe de Estado. Em seguida, decretou o impeachment de Yeltsin e proclamou o vice-presidente Alexander Rutskoi como novo presidente da Federação Russa.

Protestos massivos contra as ações de Yeltsin e a favor do Soviete Supremo tomaram as ruas de Moscou. Embora mantivesse um discurso formal de neutralidade, a cúpula das Forças Armadas manteve-se ao lado de Yeltsin, ignorando a resolução do parlamento.

Os deputados se trancaram na sede do Soviete Supremo e prometeram resistir às ações golpistas de Yeltsin, ao passo que protestos se avolumavam e se espalhavam pela Rússia, deixando o país à beira de uma guerra civil. Yeltsin ordenou aos policiais que cercassem o prédio do parlamento. No dia 3 de outubro, entretanto, uma multidão obrigou os policiais a desfazerem o cerco ao edifício.

Populares também invadiram a prefeitura de Moscou e tentaram tomar a estação de rádio e televisão de Ostankino. Vislumbrando a possibilidade de perder o controle da situação e ver emergir um governo inclinado a desfazer as reformas, as Forças Armadas resolveram agir.

Na manhã do dia 4 de outubro, a artilharia e os tanques do exército russo passaram a bombardear a sede do Soviete Supremo. Vários parlamentares de oposição morreram durante o ataque ou em consequência do incêndio que tomou o edifício após o bombardeio.

Militares invadiram os pavimentos inferiores do parlamento e decretaram a prisão dos deputados que sobreviveram ao ataque, encerrado a resistência. Em seguida, Yeltsin dissolveu o Soviete Supremo e extinguiu o Congresso dos Deputados do Povo, assumindo o controle pleno sobre o país e sobre os instrumentos legais necessários para impor a transição da Rússia para o regime capitalista.

O conflito é considerado o evento mais letal ocorrido em Moscou desde a Revolução de 1917. As fontes oficiais do governo russo afirmam que 147 pessoas morreram durante a ação. O Partido Comunista da Federação Russa, entretanto, estima que a repressão governamental deixou mais de 2.000 mortos.