Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Há 84 anos, em 8 de setembro de 1941, as tropas da Alemanha nazista, apoiadas pelas forças finlandesas, iniciavam o cerco a Leningrado, a segunda maior cidade da União Soviética.

A operação foi uma das mais terríveis e letais da Segunda Guerra Mundial. Os nazistas cortaram todas as rotas terrestres de abastecimento, isolando completamente a cidade e submetendo seus 3,2 milhões de habitantes a condições desumanas e a bombardeios incessantes.

Considerado um dos piores e mais destrutivos cercos militares da história, o bloqueio a Leningrado se estendeu por quase 900 dias. As condições de vida se tornaram dramáticas, com mortes em massa por fome, frio e doenças. Estima-se que até 1,5 milhão de civis morreram durante a ofensiva — quase metade da população da cidade.

Apesar de todo o horror, Leningrado não se rendeu. Seus cidadãos continuaram trabalhando nas fábricas e se voluntariando a defender a cidade, transformando-a em um símbolo poderoso de resistência à barbárie nazista.

A Operação Barbarossa

Em 22 de junho de 1941, quase dois anos após a eclosão da Segunda Guerra Mundial na Europa, a Alemanha deu início à Operação Barbarossa, codinome dado à invasão da União Soviética pelas forças do Eixo.

Tratava-se de uma ofensiva militar sem precedentes. Os nazistas mobilizaram 3,8 milhões de soldados, apoiados por 600.000 veículos, 3.300 blindados e 2.500 aviões, cobrindo uma frente com cerca de 2.900 quilômetros, indo do Mar Báltico ao Mar Negro.

A escala do ataque era proporcional à ojeriza que Adolf Hitler nutria pelos soviéticos. Desde os anos 20, o líder nazista fazia discursos inflamados apontando o bolchevismo como “o maior inimigo” do povo alemão. Além de odiar o fato de o país ser um sustentáculo do movimento socialista internacional, Hitler enxergava os eslavos e as demais etnias que compunham o povo soviético como “raças inferiores”.

Assim, a Operação Barbarossa pretendia pôr em prática um plano esboçado por Hitler quase duas décadas antes, como atestado em várias passagens do “Mein Kampf”: anexar a porção europeia da União Soviética ao território alemão, ampliando o “Lebensraum”, isso é, o “espaço vital” do “povo ariano”, substituindo a população nativa por colonos alemães e submetendo o povo soviético ao extermínio ou à condição de mão de obra escrava em campos de concentração.

As tropas do Eixo foram divididas em três grupos de exércitos, que avançaram simultaneamente sobre o território soviético. O Grupo de Exércitos Sul partiu rumo à Ucrânia, buscando conquistar Kiev e dominar os campos de petróleo da região do Cáucaso. O Grupo de Exércitos Centro marchou em direção a Moscou. E o Grupo de Exércitos Norte, comandado pelo marechal Wilhelm Ritter von Leeb, avançou pelo Báltico em direção a Leningrado.

O ataque a Leningrado

Havia vários motivos para que Leningrado (atual São Petersburgo) se tornasse um alvo prioritário dos nazistas. A cidade era um dos maiores centros industriais da União Soviética, respondendo por mais de um décimo de toda a produção do país.

Leningrado sediava as principais instalações militares da Frota do Báltico e concentrava a produção dos tanques KV-1 e outros armamentos pesados. A cidade também possuía um importante valor simbólico, por ser a antiga capital do Império Russo, centro histórico do movimento operário e berço da Revolução de Outubro.

Ciente de que Leningrado seria atacada, Stalin encarregou Kliment Vorochilov de preparar a defesa e a contraofensiva. Hitler, entretanto, não pretendia apenas tomar a cidade. Seu objetivo era aniquilá-la.

Em uma diretiva aos oficiais alemães, o líder nazista deu ordens expressas para que Leningrado fosse “apagada da face da Terra”, mesmo que os comandantes soviéticos oferecessem rendição. Os alemães pretendiam privar os três milhões de moradores da cidade do acesso à água, comida, energia elétrica, medicamentos e insumos básicos, até que todos morressem de fome, sede, frio e doenças. Em outras palavras, o cerco a Leningrado era um ato deliberado de genocídio.

A estratégia fora concebida com auxílio de Ernst Ziegelmeyer, cientista do Instituto de Nutrição de Munique. Ele argumentou que, caso a cidade fosse sitiada, o governo soviético não conseguiria fornecer aos moradores mais do que 250 gramas de pão por dia. Em poucas semanas, os habitantes estariam mortos por inanição e a cidade passaria ao domínio dos alemães sem a necessidade de combates urbanos desgastantes.

Os soviéticos haviam organizado a defesa pensando em deter uma eventual invasão de Leningrado. Escavaram quilômetros de trincheiras, posicionaram obstáculos de ferro e betão nas estradas para retardar o avanço dos blindados, ergueram 190 quilômetros de barricadas de madeira e posicionaram canhões e artilharia antiaérea em pontos estratégicos. Não imaginavam, entretanto, que o objetivo do alto comando alemão era apenas cercar a cidade.

Cidadãos de Leningrado abandonam suas casas, destruídas pelos bombardeios alemães
Boris Kudoyarov/Wikimedia Commons

O cerco

Sob o comando de Wilhelm von Leeb, as tropas do Eixo avançaram rapidamente. Após derrotarem a resistência soviética na região do Báltico, os nazistas capturaram as cidades de Ostrov e Pskov. Partiram então rumo a Leningrado em duas frentes distintas, uma vinda de Narva e a outra do Lago Ilmen.

Motivada pela revanche após a Guerra de Inverno, a Finlândia se juntou à ofensiva do Eixo em junho de 1941. Lideradas por Carl Gustaf Emil Mannerheim, as forças finlandesas tomaram o Istmo da Carélia e avançaram rumo ao Lago Ládoga, ajudando a bloquear os acessos a Leningrado pelo norte.

O cerco foi formalmente estabelecido em 8 de setembro de 1941, após as divisões motorizadas da Wehrmacht assegurarem o controle sobre as principais rotas terrestres para Leningrado e cortarem as últimas ligações ferroviárias.

Os bombardeios começaram ainda em setembro e aumentaram progressivamente, devastando a cidade. A Luftwaffe — força aérea da Alemanha Nazista — iniciou uma campanha de bombardeios diários, acompanhados de ataques pesados de artilharia. O bombardeio de 8 de setembro foi um dos mais violentos, resultando em mais de 178 incêndios e na destruição dos depósitos de alimentos de Badaev.

Todos os acessos à cidade foram cortados, impedindo a saída de moradores e o transporte de quaisquer produtos e mercadorias. Em poucos dias, Leningrado não tinha mais comida, água potável, remédios, combustível, óleo, carvão ou quaisquer insumos básicos.

Fome e resistência na cidade sitiada

O cerco teve consequências devastadoras. Os estoques de alimentos se esgotaram rapidamente, levando a uma fome em massa. As rações tiveram que ser progressivamente reduzidas.

Em setembro de 1941, os trabalhadores recebiam em média 600 gramas de pão por dia. Dois meses depois, a ração diária cairia para 125 gramas. Os poucos alimentos existentes eram misturados com serragem, celulose ou farinha de aveia para cavalos.

O inverno de 1941-1942 foi particularmente intenso, com temperaturas caindo para -30°C, o que agravou muito a crise. As epidemias se alastraram pela cidade e não havia remédios para atender os doentes.

Sem carvão, combustível, óleo e energia elétrica, as fábricas fecharam as portas já em novembro de 1941. Hospitais, escolas, equipamentos públicos e quase toda a infraestrutura da cidade foram destruídos pelos ataques aéreos.

As mortes por fome atingiram picos de 100 mil mortes por mês entre janeiro e fevereiro de 1942. Os corpos ficaram empilhados pelas ruas, uma vez que os bombardeios e o solo congelado impediam sepultamentos adequados. Estima-se que 1,5 milhão de pessoas morreram durante o cerco a Leningrado — 97% dos quais vitimados pela fome.

Apesar do sofrimento incomensurável, a população de Leningrado exibiu notável heroísmo e capacidade de resistência. Fábricas como a Kirov continuaram produzindo tanques e fuzis. Mesmo doentes e famintos, os trabalhadores se engajavam na luta contra os invasores.

Com boa parte dos homens servindo no Exército Vermelho, as mulheres assumiram papel crucial para a resistência de Leningrado, compondo a maior parte da força de trabalho e da defesa civil. Elas também foram responsáveis por cultivar os jardins urbanos, produzindo alimentos em parques e praças para ajudar a aliviar a fome.

A cultura também resistiu. A “Sinfonia Nº 7” de Dmitri Shostakovich, composta em homenagem à cidade durante o cerco, foi executada pela Orquestra da Rádio de Leningrado e transmitida por alto-falantes para elevar o moral dos moradores. Peças de teatro e shows continuaram sendo organizados e as bibliotecas permaneceram abertas, simbolizando a recusa da cidade em sucumbir.

A reação soviética

Em setembro de 1941, Georgy Jukov substituiu Kliment Vorochilov como comandante da Frente de Leningrado e da Frota do Báltico. Dois meses depois, ele liderou a primeira contraofensiva de grande porte, forçando o recuo temporário dos alemães até o Rio Volcova.

Também em novembro de 1941, o Exército Vermelho conseguiu improvisar uma rota para transporte de alimentos, munições e combustíveis, usando a superfície congelada do Lago Ládoga. Essa rota, apelidada de “Estrada da Vida”, foi essencial para evitar que toda a população de Leningrado morresse de fome.

No outono de 1942, os soviéticos tentaram romper o cerco lançando a Ofensiva de Sinyavino. A campanha se estendeu por três meses e mobilizou as tropas do 8º Exército e do 2º Exército de Choque. Embora tenha sido derrotada, a ofensiva ajudou a enfraquecer o bloqueio alemão.

Em janeiro de 1943, o Exército Vermelho organizou uma nova contraofensiva, lançando a Operação Iskra, que avançou pelo sul do Lago Ládoga. O bloqueio se manteve, mas os soviéticos conseguiram improvisar um corredor terrestre estreito, permitindo a chegada de mais armas e suprimentos.

Revigorado pelas vitórias heroicas em Stalingrado e Kursk, o Exército Vermelho organizou um contra-ataque decisivo em janeiro de 1944, lançando a Ofensiva de Leningrado-Novgorod. A operação mobilizou mais de um milhão de soldados, 820 tanques e 600 aeronaves.

Extremamente violentos, os combates da ofensiva causaram mais de 300.000 baixas ao Exército Vermelho. Apesar do enorme custo humano, os soviéticos finalmente conseguiram forçar o recuo dos alemães para o oeste. Em 27 de janeiro de 1944, as últimas unidades do exército alemão capitularam e fugiram, desfazendo o cerco à cidade.

Após 872 dias sob ataques, bombardeios e privações, Leningrado, muito ferida, sobrevivia à tentativa de extermínio perpetrada pelo Terceiro Reich, tornando-se um dos maiores símbolos da resistência diante do horror do nazifascismo.