Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Há 80 anos, em 26 de setembro de 1945, nascia a cantora baiana Gal Costa. Ícone do Tropicalismo, ela se consagrou como uma das maiores vozes da Música Popular Brasileira, destacando-se pela potência de sua voz, pelo timbre cristalino e pela afinação impecável.

Convertida em referência vocal de gerações de artistas, Gal fez algumas das interpretações mais singulares e sensíveis do cancioneiro nacional. Ao longo de uma carreira de 57 anos, gravou 40 álbuns e emplacou inúmeros sucessos, tais como Meu Nome é Gal, Baby, Balancê, Folhetim, Índia, Festa do Interior e muitos outros.

Os primeiros anos e os festivais

Maria da Graça Costa Penna Burgos nasceu em Salvador, filha de Arnaldo Burgos e Mariah Costa Penna. Interessou-se pela música ainda na adolescência, cantando e tocando violão em eventos escolares. Admiradora de João Gilberto, viu-se atraída pela bossa nova ao trabalhar como balconista na principal loja de discos de Salvador.

Em 1963, Gal foi apresentada a Caetano Veloso por sua vizinha, Dedé Gadelha, dando início a uma parceria que perduraria pelo resto da vida. No ano seguinte, estreou ao lado de Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil e Tom Zé no espetáculo Nós, Por Exemplo, apresentado na inauguração do Teatro Vila Velha, em Salvador.

Após se mudar para o Rio de Janeiro, Gal participou da gravação do duo Sol Negro, ao lado de Maria Bethânia. Em 1965, apresentou-se nos espetáculos Arena Canta Bahia e Em Tempo de Guerra, dirigidos por Augusto Boal, e gravou seu primeiro compacto, trazendo as canções Eu vim da Bahia e Sim, Foi Você.

Tomou parte do I Festival Internacional da Canção, realizado em 1966, defendendo a canção Minha Senhora. No ano seguinte, junto com Caetano, lançou o álbum Domingo, evidenciando a forte influência de João Gilberto na emissão vocal. Ainda em 1967, participou do III Festival de Música Popular Brasileira, apresentando as canções Bom Dia e Dadá Maria (em dueto com Sílvio César).

Tropicalismo

Em 1968, Gal participou da gravação do álbum Tropicalia ou Panis et Circencis, ao lado de Caetano, Gilberto Gil, Nara Leão, Tom Zé e da banda Os Mutantes. O disco se tornaria referência basilar do Tropicalismo — movimento que preconizava a adaptação das linguagens estrangeiras à realidade nacional, fundindo gêneros regionais com elementos do pop e do rock.

Sua interpretação da faixa Baby a projetou nacionalmente, convertendo-se posteriormente em um clássico da música nacional. Ainda em 1968, Gal participou do IV Festival da Música Popular Brasileira da TV Record, obtendo o terceiro lugar com a canção Divino Maravilhoso.

Em 1969, a jovem cantora lançou seus primeiros álbuns solo: Gal Costa, coligindo seus principais sucessos até então, e Gal, marcado pelo apelo pop, estética psicodélica e por interpretações mais enérgicas dos clássicos da Jovem Guarda.

Com Caetano Veloso e Gilberto Gil exilados pela ditadura militar, Gal se converteu na principal representante do Tropicalismo. Após uma visita aos músicos em Londres, a cantora lançou o álbum LeGal, onde se destacava a faixa London, London, composta por Caetano e versando sobre a experiência do exílio.

Gal Costa se apresentando na Virada Cultural de São Paulo, em 2008
Silvio Tanaka/ Wikimedia Commons

Anos 70

Em 1971, a cantora lançou o álbum Fa-tal — Gal a Todo Vapor, gravação ao vivo do célebre show dirigido por Waly Salomão, englobando sucessos como Vapor Barato e Pérola Negra. O disco combinava elementos acústicos com sonoridade elétrica e influência do rock (em especial Janis Joplin), sendo marcado por agudos e gritos estridentes, evocando o cenário de agitação política da época e enfatizando a versatilidade vocal da cantora.

Em 1973, Gal lançou o disco Índia, que causou polêmica pela capa, trazendo um close da virilha e os seios nus da cantora. O LP foi censurado pela ditadura, tendo de ser vendido escondido por uma embalagem escura. No ano seguinte, Gal gravou o álbum Cantar, onde atenuou a agressividade vocal e retornou às origens, priorizando a entoação límpida. Manteve, entretanto, sua postura irreverente e contestadora, desafiando o ambiente conservador do regime.

Em 1975, Gal gravou Os Doces Bárbaros, ao lado de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Maria Bethânia, e destacou-se pela interpretação de Modinha para Gabriela, de Dorival Caymmi. A canção se tornaria tema de abertura da novela Gabriela, Cravo e Canela, inspirada na obra homônima de Jorge Amado.

Os álbuns seguintes (Caras e Bocas, Água Viv e Gal Tropical) consolidaram o retorno à suavidade sonora da MPB, priorizando o timbre agudo e límpido. Ao mesmo tempo, a cantora operou uma mudança visual, rompendo com a antiga estética de “musa hippie” em favor de um figurino mais “mainstream”. São desse período sucessos como Balancê, Força Estranha e Noites Cariocas.

Anos 80 e 90

Nos anos oitenta, Gal integrou o especial Mulher 80 da Rede Globo, que abordava o papel feminino na sociedade e na indústria musical. Em 1980, gravou Aquarela do Brasil, revisitando a obra de Ary Barroso. O álbum Fantasia, de 1981, não obteve aprovação da crítica especializada, mas fez sucesso nas rádios, sobretudo pelo hit Festa do Interior. Os álbuns Minha Voz e Baby Gal, respectivamente lançados em 1982 e 1983, obtiveram grande sucesso comercial.

Gal integrou a montagem do espetáculo O Grande Circo Místico, organizada pelo Balé Teatro Guaíra em 1983, apresentado para dezenas de milhares de pessoas em quase 200 apresentações espalhadas pelo Brasil. Nos dois anos seguintes, a cantora gravou os álbuns Profana e Bem Bom, emplacando canções como Chuva de Prata, Nada Mais, Sorte, Um Dia de Domingo, entre outras

Gal também participou do projeto de criação coletiva Nordeste Já, que visava angariar fundos para apoiar os flagelados da seca que atingiu o Nordeste entre 1979 e 1984, matando mais de 500 mil de pessoas. Em 1987, lançou o álbum Lua de Mel Como o Diabo Gosta e, ano seguinte, gravou o sucesso Brasil, abertura da novela Vale Tudo. Ainda em 1988, foi homenageada com o Prêmio Sharp de melhor cantora.

Nos anos noventa, Gal retomou a parceria com Waly Salomão, gravando os discos Plural (1990) e Gal (1992). Em 1993, gravou o premiado O Sorriso do Gato de Alice, produzido por Arto Lindsay. O LP serviu de base para o polêmico show dirigido por Gerald Thomas, em que a cantora interpretou a canção Brasil com os seios nus.

Em 1994, ao lado de Gil, Caetano e Bethânia, apresentou o show Doces Bárbaros na Mangueira, celebrando o aniversário de 18 anos do álbum homônimo. No ano seguinte, gravou Mina D’Água do Meu Canto, com composições de Chico Buarque e Caetano Veloso. As experimentações, homenagens e regravações se prolongaram nos anos noventa com Acústico MTV, Aquele Frevo Axé e Gal Costa Canta Tom Jobim.

Últimos trabalhos

Em 2001, Gal se tornou a única cantora brasileira a ser incluída no Hall of Fame do Carnegie Hall. Lançou os álbuns Bossa Tropical, Todas as Coisas e Eu e Hoje, mesclando regravações e canções novas, e realizou uma temporada de shows em Nova York.

Afastou-se dos palcos por alguns anos para cuidar do filho adotivo, Gabriel, resgatado de um abrigo no Rio de Janeiro. Em 2011, lançou o CD Recanto, repleto de influências do funk carioca e da música eletrônica, premiado como melhor álbum de 2011.

Gal realizou uma turnê em homenagem ao centenário de nascimento de Lupicínio Rodrigues em 2015. Nos anos seguintes, lançou novos álbuns, caracterizados pela experimentação musical, influxos de outros estilos (sobretudo o soul) e inovações vocais, com uma exploração sutil e inédita dos seus graves (Estratosférica, Trinca de Ases, A Pele do Futuro).

Em 2022, Gal apoiou a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República, chegando a gravar vídeos para a campanha ao lado de outros artistas. A cantora pretendia celebrar os 57 anos de carreira no Festival Primavera Sound, mas cancelou a participação em função da necessidade de submeter a uma cirurgia para retirada de um nódulo. Faleceu em 9 de novembro de 2022, aos 77 anos de idade.