Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Há 80 anos, em 14 de agosto de 1945, eclodia no Vietnã a Revolução de Agosto, marco da luta pela independência nacional vietnamita. Comandadas por Ho Chi Minh, as tropas da Liga para a Independência do Vietnã assumiram o controle das províncias setentrionais do país, pondo fim à ocupação japonesa e ao governo colaboracionista da Dinastia Nguyen.

A Revolução de Agosto culminou com a abolição da monarquia vietnamita, forçando a abdicação do imperador Bao Dai. Duas semanas após o início da insurreição, Ho Chi Minh proclamou a independência do Vietnã e a instalação do governo provisório.

O levante mobilizou as massas e fortaleceu a luta contra a colonização francesa, que persistiria até 1954. A Revolução de Agosto foi o evento pivotal que possibilitou que o Vietnã superasse o estado de colônia semifeudal e se convertesse em uma república socialista.

A colonização francesa no Vietnã

Cobiçado pelos franceses desde o século 18, o Vietnã se tornou gradualmente uma colônia a partir das expedições enviadas por Napoleão III em 1858. O domínio francês sobre o país se aprofundou após a assinatura dos Tratados de Saigon (1862) e Hue (1867) e foi reafirmado com a derrota da China na Guerra Sino-Francesa. A exemplo do Camboja e do Laos, o Vietnã foi convertido em um protetorado francês, sendo formalmente anexado à Indochina Francesa em 1897.

Justificada como uma “missão civilizatória”, a colonização francesa foi marcada pela intensa exploração econômica e pela violenta repressão política contra o povo vietnamita. O país era visto como uma fonte de recursos abundantes, como a borracha, o arroz, o carvão e vários minerais essenciais para a indústria francesa e para o comércio global.

Os franceses confiscaram as terras dos camponeses, distribuindo-as a colonizadores e aliados locais. Além de serem classificados como subcidadãos em uma hierarquia social de matriz racista, os vietnamitas eram submetidos ao trabalho forçado nas minas de carvão e estanho e na extração da borracha. O governo colonial impunha impostos pesados aos nativos e mantinha o monopólio do comércio sobre vários produtos.

A violência da colonização francesa incitou o surgimento de uma série de movimentos nacionalistas e emancipacionistas. Os primeiros movimentos de resistência foram liderados por intelectuais confucianos e mandarins, a exemplo do “Can Vuong”. No início do século 20, líderes como Phan Boi Chau e Phan Chau Trinh ajudaram a promover boicotes. E em 1917, soldados e prisioneiros de Thai Nguyen iniciaram um motim contra o domínio francês.

Ho Chi Minh e os comunistas

O movimento nacionalista do Vietnã se fortaleceu após o término da Primeira Guerra Mundial, insuflado pela ação de jovens revolucionários comunistas, sob a liderança de Ho Chi Minh e Vo Nguyen Giap. O movimento autonomista ganhou forte apoio entre os camponeses na década de 1920, espalhando-se também entre as classes urbanas, sobretudo os estudantes organizados.

Em 1925, Ho Chi Minh fundou a Liga da Juventude Revolucionária Vietnamita, órgão embrionário do Partido Comunista do Vietnã (PCV), estabelecido cinco anos depois, durante uma conferência em Hong Kong. Bem sucedido em galvanizar a insatisfação popular com a crise financeira e os abusos das autoridades coloniais, o PCV obteve um crescimento exponencial, organizando uma série de manifestações populares de grande porte.

Alarmados, os franceses reagiram violentamente, desarticulando o partido e forçando Ho Chi Minh ao exílio. O partido somente seria restaurado em 1935, após Le Hong Phong receber da Internacional Comunista a incumbência de reorganizar a agremiação.

A atuação do PCV se concentrou, sobretudo, nas províncias do norte do Vietnã. No sul, as divisões políticas dificultaram a consolidação do movimento comunista. Diversos grupos político-religiosos emergiram como forças anticoloniais na região — destacando-se o “Cao Dai”, fundado por Ngo van Chieu, e o Hoa Hao, liderado por Huynh Phu So.

Populares vietnamitas celebram o triunfo da Revolução de Agosto em frente à Ópera de Hanói
Wikimedia Commons

A Segunda Guerra Mundial e a ocupação japonesa

Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial e a queda da França diante da Alemanha nazista, o domínio colonial francês sobre a Indochina foi substancialmente enfraquecido. Aproveitando-se da oportunidade, as tropas japonesas invadiram e ocuparam o Vietnã. Além de ampliar o “espaço vital” do Império do Japão, a ocupação visava cortar as rotas de suprimento utilizadas pela China.

Ao longo do conflito, os vietnamitas seriam submetidos a uma dupla ocupação, com o domínio japonês se sobrepondo ou coexistindo com a administração da França de Vichy. A situação agravou ainda mais as condições de vida da população local, com o recrudescimento da repressão e da exploração.

Bao Dai, o imperador vietnamita da Dinastia Nguyen, favoreceu a ocupação japonesa. Pressionado pelos ocupantes, ele rompeu o Tratado de Protetorado assinado com a França e proclamou a independência do Vietnã. Em troca, os japoneses permitiram que imperador mantivesse seu trono, com autonomia limitada.

Na prática, Bao Dai declarou uma “falsa independência”, que serviria apenas para formalizar o estabelecimento de um regime colaboracionista subserviente ao Japão. O Vietnã se tornaria um Estado-fantoche, administrado por Tran Trong Kim, o primeiro-ministro imposto pelos japoneses.

Em 1941, em meio às disputas travadas por franceses e japoneses, Ho Chi Minh retornou ao Vietnã. Ao lado de Vo Nguyen Giap, Truong Chinh e Pham Van Dong, o revolucionário vietnamita reorganizou o Partido Comunista e passou a articular um movimento autonomista armado.

O Viet Minh

Ainda em 1941, Ho Chi Minh fundou a “Liga para a Independência do Vietnã”, ou Viet Minh — um amplo movimento de libertação nacional que congregava partidos políticos de distintas orientações, grupos militares, organizações religiosas e outros setores da sociedade favoráveis à independência do Vietnã.

Conclamando simultaneamente a luta contra a colonização francesa e a ocupação japonesa, o Viet Minh amealhou amplo apoio popular, mobilizando milhares de camponeses e operários e boa parte da classe intelectual. A organização logo se consolidaria como a mais importante força de combate do movimento autonomista.

Para organizar a luta popular, o Viet Minh criou os Comitês Revolucionários e organizou as milícias responsáveis por travar a guerrilha contra os invasores. Ao mesmo tempo, a liga instituía um importante trabalho de base e iniciava uma campanha de conscientização política junto ao campesinato.

A estratégia foi particularmente bem sucedida ao norte do Vietnã, onde Ho Chi Minh conseguiu unificar o movimento insurrecional. Ao sul, onde os comunistas tinham um poder de articulação mais limitado, o levante autonomista se fragmentou, dividindo-se entre grupos como Cao Dai e o Hoa Hao.

Ho Chi Minh também teve de enfrentar forte oposição dos trotskistas — sobretudo a Oposição Esquerda de Outubro, liderada por Ho Huu Tuong e Phan Van Hum. O grupo rejeitava a Internacional Comunista e conclamava a esquerda vietnamita a rechaçar a liderança de Ho Chi Minh, a quem chamava de “estagiário de Moscou”.

A adesão popular ao Viet Minh também foi impulsionada pela devastação causada pela Grande Fome de 1945. O confisco sistemático da produção de arroz pelos japoneses e a conversão de terras agrícolas em áreas reservadas aos cultivos industriais causou uma escassez de alimentos, que foi agravada pelos fenômenos climáticos e pelas políticas coloniais francesas.

Estima-se que até dois milhões de vietnamitas morreram em decorrência da Grande Fome. A negligência das autoridades coloniais e a inércia do regime colaboracionista de Bao Dai enfureceram a população vietnamita. O Viet Minh, por sua vez, organizou saques aos armazéns japoneses e implementou medidas emergenciais para a distribuição de alimentos, o que fortaleceu o apoio popular à insurreição.

A Revolução de Agosto

Em 13 de agosto de 1945, diante das notícias sobre a iminente rendição do Japão, os delegados do Viet Minh se reuniram em Tan Trao, onde foi fundado o Comitê Nacional de Insurreição. Os membros do Viet Minh acordaram que o levante armado seria iniciado já no dia seguinte.

Confirmada a rendição dos japoneses às tropas aliadas em 15 de agosto, o Viet Minh intensificou a insurreição. Sublevações conduzidas pelos Comitês Revolucionários eclodiram por todo o país, levando à ocupação dos edifícios governamentais e das instalações estratégicas.

Em 16 de agosto, os revolucionários instituíram o Congresso Nacional do Povo, composto por delegados de partidos políticos, organizações de massa e representantes dos grupos étnicos e religiosos. Formalizou-se assim a criação de um governo paralelo e a redação da primeira plataforma de medidas a serem adotadas após a independência.

Três dias depois, na manhã de 19 de agosto de 1945, as tropas do Viet Minh capturaram Hanói, a capital do país. Tomada de euforia, a população saiu às ruas para celebrar. Os símbolos da administração colonial foram atacados e uma enorme manifestação popular em apoio aos rebeldes foi organizada em frente à Ópera de Hanói.

Entre os dias 19 e 25 de agosto, os revolucionários vietnamitas enfrentaram as tropas coloniais em uma série de combates pelo país. Sob o comando de Vo Nguyen Giap, os insurgentes triunfaram sobre os japoneses na Batalha de Thai Nguyen. Apoiados pela Juventude de Vanguarda, Nguyen Chi Thanh e To Huu lideraram a ofensiva de Hue. Mais uma vez, população deu apoio aos rebeldes, invadindo o Palácio Imperial e forçando a rendição da guarda.

Incapaz de conter o levante, o primeiro-ministro Tran Trong Kim ofereceu sua renúncia. No dia 25 de agosto de 1945, o imperador Bao Dai foi forçado a abdicar do trono, encerrando a Dinastia Nguyen. A abdicação foi formalizada em uma cerimônia no dia 30, quando Bao Dai entregou o Selo do Estado e a Espada Imperial aos representantes do governo provisório.

As tropas japonesas remanescentes se renderam nas semanas seguintes, entregando ao Viet Minh o controle pleno das regiões setentrionais. Finalmente, em 2 de setembro de 1945, a República Democrática do Vietnã foi proclamada.

O pós-revolução

Apesar do triunfo da Revolução de Agosto, a independência do Vietnã não foi reconhecida pelas potências ocidentais e o país permaneceu em uma situação de instabilidade.

Enquanto o controle do Viet Minh estava consolidado nas províncias setentrionais, o sul do país seria ocupado pelas tropas britânicas. Avesso ao alinhamento político do Viet Minh, Londres incentivaria a retomada do domínio colonial da França.

Em junho de 1946, o almirante Georges Thierry d’Argenlieu, Alto Comissário da França para o Pacífico, proclamou a “República Autônoma da Cochinchina” — na prática, um Estado-fantoche subordinado à França. No mesmo ano, as tropas francesas lançaram um violento ataque à cidade de Haifom, matando 6.000 civis vietnamitas.

As agressões francesas forçaram o Viet Minh a travar mais um combate. Iniciava-se assim a Primeira Guerra da Indochina, conflito que se estenderia de 1946 a 1954 e terminaria com a derrota francesa em Dien Bien Phu e com o reconhecimento, pelos Acordos de Genebra, da integridade territorial da República Democrática do Vietnã, ou Vietnã do Norte.

Dividido em dois Estados, o Vietnã seria então alvo de uma nova investida imperialista, dessa vez oriunda dos Estados Unidos: a Guerra do Vietnã, que se estenderia de 1955 a 1975. Esse conflito derradeiro, a exemplo dos anteriores, também terminaria com a vitória vietnamita.