77 anos do Massacre de Al-Dawayima em Hebron
Ataque do Exército israelense assassinou milhares de civis palestinos durante a Guerra Árabe Israelense
Há 77 anos, em 29 de outubro de 1948, tropas do exército de Israel atacavam o vilarejo palestino de Al-Dawayima, na região de Hebrom, dando início a um dos massacres mais sangrentos da Guerra Árabe-Israelense.
A matança foi liderada por Yitzhak Sadeh, fundador do Palmach e organizador do exército de Israel. Embora fosse uma cidade situada nos territórios atribuídos aos palestinos após a partilha da ONU, Al-Dawayima foi capturada para permitir que Israel avançasse rumo à conquista do Neguev.
Centenas de pessoas foram assassinadas durante o Massacre de Al-Dawayima, incluindo um número substancial de mulheres e crianças. Israel negou a existência da matança, mas seus relatos oficiais foram desmentidos por burocratas, militares e historiadores israelenses.
A Nakba
A aprovação da Resolução 181 da ONU em novembro de 1947, determinando a partilha do território palestino e a criação do Estado de Israel, teve consequências drásticas para a população local. Os conflitos na região, que já estavam em ascensão desde que o movimento sionista criou milícias para dar apoio aos colonos judeus, tomaram proporções cada vez mais trágicas.
Antes mesmo que a resolução fosse aprovada, David Ben-Gurion, o líder da Agência Judaica, já havia encomendado a criação do “Plano Dalet” — uma operação militar que visava assegurar o controle israelense sobre os territórios palestinos, prevendo, nas palavras do historiador Ilan Pappe, “a expulsão sistemática e total da população nativa”.
Com a instalação formal do Estado de Israel em maio de 1948, as forças paramilitares sionistas deram início a um violento processo de limpeza étnica conhecido como “Nakba” (“A Catástrofe”). Essa ofensiva resultou na expulsão de quase 800.000 palestinos de suas terras e na destruição de centenas de aldeias.
Em paralelo, as tropas sionistas conduziram uma série de massacres e chacinas visando aterrorizar e afugentar a população palestina. Operações conduzidas em locais como Deir Yassin, Lida, Ramla, Tantura, Safsaf e Saliha resultaram em verdadeiros banhos de sangue, vitimando cerca de 15.000 pessoas.
Rejeitando a Resolução da ONU e reagindo à violência do projeto sionista, as nações da Liga Árabe (Egito, Síria, Líbano, Iraque e Jordânia) declararam guerra a Israel. O conflito serviu de pretexto para que Israel expandisse seus domínios, capturando os territórios atribuídos aos palestinos pela partilha da ONU.
Al-Dawayima
Localizada a cerca de 24 quilômetros a oeste de Hebrom, Al-Dawayima era um vilarejo pacífico habitado por cerca de 3.700 pessoas. A cidade era conhecida por abrigar ruínas da era romana, olivais centenários, uma mesquita antiga e um santuário sufista dedicado a Shaykh Ali.
Seus habitantes viviam da agricultura e do comércio. Os produtos agrícolas cultivados na região eram vendidos no “Suq Al-Barrein”, um mercado popular que atraía muitos moradores das aldeias vizinhas.
O caráter pacífico do vilarejo era reconhecido pelos próprios colonos judeus. Documentos coevos produzidos pelo setor de inteligência do Haganá, a principal organização paramilitar sionista, descreviam a população de Al-Dawayima como “muito amigável”.
O cotidiano pacato da cidade, no entanto, mudou drasticamente após o início das campanhas militares israelenses. Milhares de famílias palestinas expulsas pela Nakba buscaram refúgio em Al-Dawayima, fazendo a população da cidade dobrar de tamanho em questão de meses.
Embora estivesse localizada dentro da área designada aos palestinos pela ONU, a região de Al-Dawayima era considerada estratégica pelos sionistas, uma vez que seu domínio facilitaria o avanço israelense sobre a região do Neguev Ocidental.
Os combates na região tiveram início em novembro de 1947, quando milícias sionistas oriundas do assentamento de Gush Etzion passaram a fazer incursões e atacar aldeões palestinos nas colinas de Hebrom. Após a eclosão da Guerra Árabe-Israelense, a presença de tropas na região foi reforçada e os povoamentos palestinos começaram a ser tomados um por um.
Em outubro de 1948, Israel lançou a Operação Yoav, visando forçar o recuo das tropas egípcias ao Sul e consolidar o controle sobre o Neguev. Após atacarem Al-Faluja e Iraq al-Manshiyya, os israelenses tomaram os vilarejos palestinos de Bayt Jibrin e Qubayba. O vilarejo de Al-Dawayima estava então totalmente cercado e sua captura era iminente.
Os moradores tentaram solicitar apoio às nações árabes, mas não tiveram sucesso. Decidiram então formar um pequeno comitê de defesa, mas a resistência era meramente simbólica: 20 guardas armados com rifles obsoletos e barricadas de pedras nas entradas da vila. Nada remotamente capaz de deter o que estava por vir.

Membros do 89º Batalhão de Comando, a unidade responsável pelo Massacre de Al-Dawayima
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O massacre
O ataque ao vilarejo de Al-Dawayima ocorreu na tarde de 29 de outubro de 1948. A operação foi coordenada pelo próprio Yitzhak Sadeh, o fundador do Palmach, braço armado do Haganá, e organizador do exército de Israel.
A campanha mobilizou uma frota de 20 blindados e centenas de soldados do 89º Batalhão de Comando, uma unidade de elite do exército israelense que congregava combatentes do Irgun e do Lehi — organizações paramilitares responsáveis por uma série de atentados terroristas e massacres de civis, incluindo a explosão do Hotel King David.
Após bloquearem as estradas da região, os soldados invadiram o vilarejo em três colunas distintas, avançando simultaneamente pelo norte, sul e oeste. Não houve aviso prévio, ultimato ou oferta de rendição. Os civis foram fuzilados mesmo não oferecendo nenhuma resistência. Crianças, mulheres e idosos foram alvos indistintos da matança.
O massacre se estendeu por horas. Os soldados israelenses varreram o vilarejo casa por casa, metralhando famílias inteiras. Várias residências foram incendiadas, bombardeadas e dinamitadas com seus moradores dentro.
Um soldado anônimo israelense entregou uma carta oferecendo uma dimensão dos horrores praticados durante o massacre. O documento foi entregue à imprensa israelense por S. Kaplan, um membro do partido Mapam.
Na carta, o militar relata que bebês recém-nascidos tiveram suas cabeças esmagadas com pedaços de madeira. Crianças e idosos foram brutalmente torturados. Mulheres foram estupradas por soldados israelenses e executadas com tiros na cabeça.
As atrocidades prosseguiram ao longo do dia. Vários moradores, sobretudo idosos, tentaram se esconder na mesquita da cidade, mas foram descobertos e fuzilados. Sessenta corpos foram retirados do templo pelas autoridades palestinas.
Na Caverna de Iraq al-Zagh, onde várias pessoas buscaram abrigo, a cena era igualmente tétrica. Os palestinos relataram ter encontrado 85 cadáveres no local, incluindo dezenas de crianças.
Não se sabe o número exato de vítimas do Massacre de Al-Dawayima. O historiador israelense Benny Morris admitiu que “centenas de pessoas foram mortas” e registrou que a investigação oficial conduzida pelas Forças de Defesa de Israel admitiu 100 vítimas — certamente um montante subdimensionado.
O comando da guarnição egípcia em Belém relatou 500 mortos. O líder do vilarejo, Hassan Mahmoud Ihdeib, realizou uma contagem após o massacre, registrando o desaparecimento de 455 pessoas, dos quais 175 eram mulheres e crianças. Já o cônsul norte-americano em Jerusalém afirmou em um relatório ter recebido informações de que morreram entre 500 e 1.000 pessoas.
Reações
Hassan Mahmoud Ihdeib e outros sobreviventes palestinos denunciaram o massacre à imprensa e solicitaram ajuda às autoridades internacionais. Instada pelos países árabes a realizar uma investigação, a ONU chegou a enviar representantes para o local, mas não conduziu uma inspeção abrangente. Limitou-se a informar que “não havia encontrado evidências físicas de uma chacina”.
O governo israelense sempre negou que o massacre existiu, mantendo a versão oficial de que todos os moradores de Al-Dawayima já haviam abandonado a cidade quando as tropas israelenses a capturaram. Contudo, essa explicação é desmentida por documentos oficiais produzidos pelos próprios líderes israelenses.
David Ben-Gurion, o primeiro chefe de governo de Israel, confirmou a existência do massacre em seu diário, pontuando a existência de “rumores” de que “até 80 pessoas foram assassinadas” na ocasião. Ele chegou a solicitar uma investigação formal, mas o relatório com as conclusões permanece sob sigilo até hoje.
Uma investigação independente conduzida por Isser Be’eri, chefe do serviço de inteligência israelense, concluiu que 80 pessoas foram mortas no Massacre de Al-Dawayima. Ele recomendou o indiciamento do comandante do pelotão e de soldados envolvidos na matança, mas ninguém jamais foi punido.























