60 anos sem Astrojildo Pereira, fundador do Partido Comunista
Jornalista foi pioneiro na divulgação do marxismo no Brasil, tendo destaque como chefe e referência intelectual da agremiação em 1920
Há 60 anos, em 20 de novembro de 1965, falecia Astrojildo Pereira, figura central na formação do movimento comunista brasileiro.
Expoente da imprensa operária, Astrojildo foi um dos arquitetos da Insurreição Anarquista que eclodiu no Rio de Janeiro em 1918 e escreveu o primeiro panfleto brasileiro em defesa da Revolução de Outubro.
O intelectual também se destacou pelo trabalho pioneiro na divulgação do marxismo no Brasil. Ele foi um dos fundadores do Partido Comunista (PCB) e se consagrou como dirigente e referência intelectual da agremiação na década de 1920.
Expulso durante a fase obreirista, retornou ao PCB em meados dos anos 40, assumindo a direção de vários periódicos ligados ao movimento revolucionário. Destacou-se ainda como crítico literário, especializando-se nas obras de Machado de Assis.
A juventude de Astrojildo
Astrojildo Pereira Duarte Silva nasceu em 8 de outubro de 1890 no distrito de Rio dos Índios, em Rio Bonito, uma cidade no Leste Fluminense. Pertencia a uma família de classe média alta, filho de Isabel Neves e de Ramiro Pereira Duarte Silva, um médico de ascendência portuguesa que havia prosperado com o comércio de bananas.
Até os 13 anos, Astrojildo estudou em escolas públicas e internatos da região. Em 1903, mudou-se para Nova Friburgo, onde frequentou o Colégio Anchieta, uma instituição jesuíta. Manifestou um breve interesse pela carreira eclesiástica, mas logo se afastou da religião. Mudou-se mais uma vez para Niterói, matriculando-se no tradicional Colégio Abílio.
Astrojildo não chegou a concluir o ginásio, abandonando a escola aos 15 anos. Ele seguiu estudando como autodidata, dedicando-se a pesquisar sobre vários assuntos. Exerceu diversas ocupações no período, atuando no comércio e em oficinas de tipografia. Depois, tornou-se servidor do Ministério da Agricultura.
O jovem tinha um profundo interesse pela literatura e um verdadeiro fascínio pelas obras de Machado de Assis. Em 1908, Astrojildo chegou a realizar uma visita ao escritor, então prostrado em seu leito de morte. Seu carinho por Machado comoveu as pessoas que testemunharam a cena, incluindo Euclides da Cunha, que relatou o episódio em uma de suas crônicas.
A militância no movimento anarquista
Crítico do autoritarismo da Primeira República, Astrojildo apoiou com entusiasmo a candidatura de Ruy Barbosa à presidência em 1910, participando dos atos e comícios da Campanha Civilista. A derrota do jurista e o governo truculento de Hermes da Fonseca (marcado pela violenta repressão à Revolta da Chibata) levaram Astrojildo a se decepcionar com os rumos da política institucional.
O jovem se aproximou então do movimento anarquista — uma corrente com enorme influência sobre as organizações operárias do período. Leu as obras de Mikhail Bakunin e Piotr Kropotkin e passou a frequentar as atividades do Centro de Resistência Operária. Logo começou a participar dos congressos sindicais e tornou-se colaborador da imprensa anarquista, escrevendo artigos para jornais como “Guerra Social”, “O Clarim”, “Barricada” e “A Plebe”.
Em 1913, Astrojildo tomou parte do Segundo Congresso Operário Brasileiro, ao lado de nomes como Edgard Leuenroth e Antônio Esperidião. O encontro ratificou a adesão da Confederação Operária Brasileira às teses anarquistas e à estratégia da ação direta, elegendo como prioridades a luta pela criação do salário mínimo e pela redução da jornada de trabalho.
Após a eclosão da Primeira Guerra Mundial, Astrojildo tomou parte na campanha contra o conflito, convocando manifestações e comícios. Em 1917, assumiu a direção do jornal “O Debate”, notabilizando-se pela condução de uma linha política bastante combativa. Dentre os colaboradores que trouxe para o periódico, destacava-se Lima Barreto, autor de textos em defesa das insurreições operárias.
Em fevereiro de 1918, Astrojildo escreveu “A Revolução Russa e a Imprensa”, o primeiro panfleto editado no Brasil em defesa da Revolução de Outubro e do governo dos sovietes. Nesse mesmo ano, sob influência da revolução bolchevique, ele ajudou a organizar a Insurreição Anarquista do Rio de Janeiro.
Deflagrada em 18 de novembro de 1918, em meio a um amplo movimento grevista que mobilizou dezenas de milhares de trabalhadores, a insurreição previa a derrubada do governo e a instauração de um sistema político baseado em conselhos operários. Não obstante, os órgãos de segurança haviam infiltrado seus agentes na organização do movimento, conseguindo neutralizá-lo ainda na fase conspiratória. Astrojildo e os outros 13 líderes do levante foram presos.
Libertado no início de 1919, Astrojildo prosseguiu participando ativamente da mobilização da classe operária, mas iniciou uma profunda reflexão a respeito dos limites do anarquismo.
À frente dos periódicos “Spartacus” e “Voz Operária”, o jornalista rebateu os ataques à Revolução de Outubro e defendeu a tese de que os anarquistas precisavam efetuar uma profunda autocrítica para compreender as falhas na articulação do movimento operário e a deficiência da estratégia relativa à ação política institucional.
Fundação do Partido Comunista
Astrojildo mergulhou na leitura dos textos marxistas e logo aderiu ao pensamento comunista. Em novembro de 1921, ele se juntou a um grupo de militantes egressos do movimento anarquista e fundou o Grupo Comunista de Rio de Janeiro.
Consagrado como um dos pioneiros na divulgação do marxismo no país, Astrojildo foi também o principal articulador do movimento comunista nacional, coordenando a ação dos grupos independentes e estimulando a criação de novas agremiações marxistas.
Entre os dias 25 e 27 de março de 1922, realizou-se em Niterói o congresso de fundação do Partido Comunista do Brasil — nome original do PCB. O congresso contou com a participação de Astrojildo e outros oito delegados, representando 73 militantes em cinco estados do Brasil.
Astrojildo foi eleito como primeiro Secretário-Geral do PCB e se empenhou em consolidar a agremiação, mas enfrentou grandes desafios — a começar pela repressão governamental. Em julho de 1922, apenas três meses após sua criação, o partido foi proscrito por decreto do presidente Epitácio Pessoa.
Relegado à atuação clandestina, o PCB teve como prioridade inicial a adequação de seu programa às recomendações da Internacional Comunista (Comintern). Em 1924, logo após a primeira visita de Astrojildo à União Soviética, o PCB foi formalmente integrado à Comintern. No ano seguinte, o jornalista fundou “A Classe Operária”, órgão de imprensa do partido.
Ao lado de Octávio Brandão e Paulo de Lacerda, Astrojildo foi responsável por produzir as primeiras análises da realidade brasileira sob a égide do marxismo. Além de redigir boa parte dos artigos publicados pelo periódico do PCB, o dirigente contribuía com diversos textos na imprensa operária e na revista La Correspondencia Sudamericana, editada pela Comintern. Vários desses artigos seriam posteriormente compilados no livro Construindo o PCB, lançado em 1962.
Para além das contribuições teóricas, Astrojildo coordenou a estratégia política do partido, tendo como foco o fortalecimento do PCB nos meios sindicais e a colaboração entre a classe operária e os setores progressistas dos militares, principalmente os nomes ligados ao movimento tenentista.
Como parte desses esforços, Astrojildo viajou para a Bolívia em 1927, a fim de propor uma aliança a Luiz Carlos Prestes, comandante da célebre Coluna Prestes — movimento guerrilheiro que percorrera 25.000 quilômetros pelo interior do Brasil, galvanizando a luta contra o regime oligárquico da Primeira República.
Astrojildo também ajudou a fundar a Juventude Comunista e o Bloco Operário Camponês (BOC), uma frente política que visava ampliar a base social do partido e servir de cobertura legal ao PCB.
A estratégia viabilizou a eleição de Minervino de Oliveira e Octávio Brandão para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro no pleito de 1928. Na mesma época, o jornalista foi eleito como membro do Comitê Executivo da Internacional Comunista.
Afastamento do PCB e atividades literárias
Seguindo as orientações de Moscou, Astrojildo incentivou a proletarização do PCB e deu início à depuração das influências trotskistas no interior do partido. Esse processo acabou por desencadear uma série de divisões internas, reforçou o sectarismo e levou o partido a incorrer em um grave desvio obreirista.
A ideia de que o PCB deveria ser dirigido exclusivamente por operários levou ao isolamento dos intelectuais do partido e resultou no afastamento de dirigentes históricos, incluindo Octávio Brandão, Paulo de Lacerda e Leôncio Basbaum.
O próprio Astrojildo se tornaria vítima desse processo. Responsabilizado pelas dificuldades enfrentadas pelo PCB e criticado pela tentativa de construir uma aliança com a juventude militar, o jornalista acabou destituído da Secretaria-Geral em 1931.
O domínio da facção obreirista sobre a direção do partido se acentuou no ano seguinte, chegando ao ponto de os intelectuais perderem o direito ao voto nas decisões internas. Em 1932, Astrojildo foi expulso do PCB. Os dirigentes do partido associaram seu nome ao conceito de “astrojildismo”, rotulando-o como um “menchevique” e comparando-o com Nikolai Bukharin, líder da Oposição de Direita na União Soviética.
Mesmo expulso do partido, Astrojildo seguiu dando importantes contribuições à produção intelectual do movimento comunista. Ainda em 1932, ele se casou com Inês Dias Pereira, filha do militante anarquista Everardo Dias e sua companheira pelo resto da vida.
Astrojildo se somou às denúncias das atividades ilícitas promovidas pelos integralistas em 1934 — movimento que impulsionou a criação da Aliança Nacional Libertadora (ANL). Em 1935, publicou seu primeiro livro, intitulado “URSS, Itália, Brasil”, um compilado de artigos e ensaios escritos entre 1929 e 1934, abarcando desde a defesa do governo soviético até advertências sobre os riscos representados pela ascensão do fascismo.
Durante a vigência do Estado Novo, Astrojildo priorizou os estudos literários, escrevendo para o jornal “Diário de Notícias” e para a revista “Diretrizes”. Em 1944, publicou o livro “Interpretações”, coligindo seus textos sobre história, literatura e política.
Representando o estado do Rio de Janeiro durante o Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores, Astrojildo se perfilou aos intelectuais que criticavam a ditadura de Getúlio Vargas e subscreveu a declaração do encontro reivindicando o restabelecimento das liberdades democráticas.

Astrojildo Pereira. Via Fundação Maurício Grabois
PCdoB
Retorno ao PCB e últimos anos
O processo de redemocratização iniciado em 1945 possibilitou o retorno do PCB à legalidade. Reorganizado desde a Conferência da Mantiqueira, o partido se beneficiou do contexto histórico da luta antifascista, ganhando capilaridade no movimento sindical e recompondo suas bases intelectuais.
Ainda em 1945, Astrojildo solicitou sua readmissão no PCB. O pedido foi aceito mediante a apresentação de sua autocrítica e o compromisso de adesão integral às orientações partidárias. No ano seguinte, o jornalista assumiu o cargo de membro suplente do Comitê Central. Em 1947, candidatou-se a vereador pelo Rio de Janeiro, mas não conseguiu se eleger.
Em sua nova fase no PCB, Astrojildo se dedicaria sobretudo às atividades jornalísticas e culturais. Ele fundou e dirigiu a revista “Literatura”, para a qual colaboraram nomes como Graciliano Ramos, Manuel Bandeira e Aníbal Machado, e escreveu diversos textos para os órgãos do partido (“A Classe Operária”, “Voz Operária”, “Tribuna Popular”, etc.).
A cassação do registro eleitoral do PCB em 1947 obrigou os comunistas a retornarem à clandestinidade. Astrojildo deixou de integrar o Comitê Central a partir de 1954, mas seguiu ativo nas discussões sobre os rumos da agremiação — incluindo os debates gerados a partir do 20º Congresso do Partido Comunista da URSS, quando Nikita Kruschev renunciou ao legado de Josef Stalin.
Astrojildo apoiou a Declaração de Março, que formalizou a adesão do PCB à nova linha política de Moscou e à estratégia de formação de frentes nacionais contra o domínio imperialista. Intensificou então sua atuação intelectual, visando prover a base teórica para consubstanciar a ação política do partido. Tornou-se colunista da “Novos Rumos” e assumiu a direção da revista “Problemas da Paz e do Socialismo”.
Em 1958, Astrojildo lançou a revista Estudos Sociais, que se destacaria como um dos mais relevantes esforços para reconectar o partido ao debate intelectual amplo. A revista se converteu em uma verdadeira tribuna teórica, contando com a participação de nomes como Nelson Werneck Sodré, Jacob Gorender, Rui Facó e Mário Alves, e ajudou a impulsionar a formação de uma nova geração de intelectuais comunistas.
Em seus últimos anos, Astrojildo integraria a Comissão Machado de Assis, uma iniciativa do governo brasileiro que visava produzir edições críticas das obras machadianas. Ele lançou mais dois livros na área da literatura: “Machado de Assis: Ensaios e Apontamentos Avulsos” (1959) e “Crítica Impura: Autores e Problemas” (1963).
O golpe militar de 1964 forçou o jornalista a interromper suas atividades de forma permanente. Astrojildo se tornou alvo de diversos inquéritos policiais e foi preso em outubro do mesmo ano, permanecendo encarcerado por três meses. O episódio o debilitou profundamente e agravou seus problemas cardíacos. Astrojildo faleceu pouco tempo depois, em 20 de novembro de 1965, aos 75 anos.
Durante toda sua vida, Astrojildo amealhou um amplo acervo de livros, documentos, jornais e fotografias relacionados à história das lutas operárias e do movimento comunista no Brasil. Após sua morte, esse acervo ficou sob guarda de Nelson Werneck Sodré e teve de ser transferido para a Itália, para evitar que fosse destruído pela ditadura. Com a redemocratização, o acervo retornou ao Brasil e foi integrado à coleção do Centro de Documentação e Memória da Universidade Estadual Paulista (Unesp).























