Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Há 50 anos, em 11 de novembro de 1975, Angola conquistava sua independência de Portugal, após ser submetida a mais de quatro séculos de ocupação e domínio colonial.

A luta pela libertação nacional foi longa e marcada por intensos conflitos. A guerra colonial se arrastou por 13 anos, opondo o governo português a três movimentos guerrilheiros: o MPLA, a FNLA e a UNITA.

Esses grupos, embora unidos pelo objetivo comum de pôr fim ao domínio português, divergiam profundamente em ideologias, composições e alianças internacionais, o que acabou por dividir o movimento anticolonial.

O processo de independência foi impulsionado pela Revolução dos Cravos, ocorrida em Portugal em 1974, que derrubou a ditadura do Estado Novo e abriu caminho para a autonomia das colônias africanas.

Assumindo o governo angolano, Agostinho Neto, líder do MPLA, tentou implementar uma gestão de inspiração socialista, mas foi confrontado pelos demais movimentos. Seguiu-se uma violenta guerra civil que durou 27 anos e deixou centenas de milhares de mortos.

A colonização portuguesa

Até o fim do século 15, o território hoje correspondente a Angola era habitado por diversos povos e grupos étnicos, sobretudo de origem Bantu, organizados em torno de estruturas políticas de caráter monárquico, como os reinos de Congo e Dongo. A chegada dos europeus deu início a um violento processo de enfraquecimento e desagregação dessas estruturas, que foram gradualmente enfraquecidas, subjugadas e dissolvidas.

As primeiras incursões portuguesas a Angola remontam a 1482, quando o navegador Diogo Cão chegou à foz do Rio Congo e estabeleceu contato com as autoridades locais. O processo de colonização se intensificou a partir de 1576, quando Paulo Dias de Novais fundou Luanda. A cidade serviria de base para as expedições ao interior, permitindo a proliferação das feitorias e postos comerciais controlados pela coroa portuguesa.

Entre os séculos 16 e meados do século 19, Angola seria utilizada principalmente como centro fornecedor de mão de obra escravizada. Milhões de nativos angolanos foram capturados e submetidos ao trabalho forçado no Brasil e nas demais colônias europeias do continente americano.

A independência do Brasil em 1822, no entanto, fez com que Angola se convertesse na principal fonte de recursos do Império Português. A ocupação colonial foi reforçada e as expedições se proliferaram. A Conferência de Berlim (1884-1885) referendou o domínio colonial de Portugal sobre o território angolano, legitimando uma série de campanhas militares brutais contra os povos nativos, como os Ovimbundo, os Kwanyama e os Bakongo.

As ofensivas militares foram marcadas por inúmeros massacres, realocações forçadas e expropriação de terras em larga escala. Os povos originários também sofriam com o trabalho forçado. Embora a escravidão estivesse formalmente abolida desde 1878, os angolanos seguiram submetidos a regimes de trabalho compulsório até meados do século 20.

O governo português também instituiu o “regime do indigenato”, institucionalizando a segregação racial. O sistema estabelecia uma hierarquia entre os povos locais, concedendo alguns direitos civis básicos somente aos chamados “assimilados”, — os angolanos que falavam português e seguiam a fé cristã e os costumes dos colonizadores — excluindo parte substancial da população nativa.

O movimento anticolonial

Desde a chegada dos portugueses, os povos angolanos resistiram de diversas formas à ocupação, à escravização e ao domínio político, econômico e cultural imposto pela metrópole. Ainda no século 17, Mwene Nzinga Mbandi, a rainha de Matamba, comandou uma aguerrida luta contra as tropas coloniais.

A expropriação de terras, a cobrança abusiva de impostos e a imposição do trabalho forçado motivaram o surgimento de grandes insurreições camponesas entre os séculos 19 e 20, incluindo a Revolta dos Dembos, a Revolta do Bailundo e o Levante dos Ovambo. A violência extrema empregada por Portugal no combate a esses movimentos evidenciou ainda mais a legitimidade da luta anticolonial.

A conjuntura estabelecida após o término da Segunda Guerra Mundial favoreceu a eclosão de mobilizações nacionalistas. O enfraquecimento das potências europeias abriu espaço para o surgimento de movimentos anticoloniais bem articulados nos territórios ocupados.

Ao mesmo tempo, a discussão sobre os horrores perpetrados pelos regimes nazifascistas levantou sólidos questionamentos sobre a legitimidade da colonização e o direito à autodeterminação dos povos foi referendado pela Carta da ONU. Após a Conferência de Bandung (1955), uma série de levantes independentistas armados eclodiram na África e na Ásia.

Em Angola, intelectuais como Viriato da Cruz organizaram movimentos de valorização da cultura autóctone e lançaram campanhas internacionais de condenação ao domínio colonial português. Em 1953, foi criado o Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola (PLUA), o primeiro partido político a reivindicar a independência angolana.

Dois anos depois, em 1955, os irmãos Joaquim e Mário Pinto de Andrade fundaram o Partido Comunista Angolano (PCA). Em 10 de dezembro de 1956, PCA e PLUA se fundiram para formar o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que se consolidaria como a principal organização da resistência angolana.

O MPLA era uma organização marxista-leninista, com forte presença nos núcleos urbanos e composição multiétnica, embora predominassem os angolanos Mbundos. O médico Agostinho Neto assumiu a direção do movimento e o poeta Viriato da Cruz, uma das principais lideranças do PCA, tornou-se secretário geral da organização.

Além do MPLA, Angola contava com outros dois importantes movimentos independentistas. Em 1954, foi fundada a União dos Povos de Angola (UPA), organização liderada por Holden Roberto. Era composta predominantemente pelos Bakongo e tinha um forte caráter rural. Em 1962, a UPA se uniu ao Partido Democrático de Angola, formando a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), que evoluiria para se tornar uma agremiação conservadora e anticomunista.

Em 1966, foi criada a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), uma dissidência da FNLA liderada por Jonas Savimbi, congregando sobretudo o povo Ovimbundu. A princípio, a UNITA chegou a agregar núcleos substanciais de nacionalistas de esquerda, mas também se consolidou como uma organização conservadora.

Guerrilheiros ativos na luta pela independência angolana
Wikimedia Commons

A Guerra de Independência

A repressão à Greve da Baixa do Cassange marcou o início da luta armada contra o domínio colonial português. A greve teve início em 4 de janeiro de 1961, quando os trabalhadores da Companhia Geral dos Algodões cruzaram os braços para exigir melhores condições de trabalho, salários dignos, o fim dos castigos físicos e do trabalho forçado.

As autoridades portuguesas responderam com enorme brutalidade, enviando as Forças Armadas para reprimir a paralisação. Os militares portugueses realizaram bombardeios aéreos sobre a região do Cassange, jogando bombas incendiárias e napalm nos povoados. Mais de 10.000 pessoas foram mortas durante a operação.

O massacre enfureceu os angolanos, que deram início às operações de enfrentamento armado e guerrilha. Em 4 de fevereiro de 1961, militantes do movimento independentista realizaram um ataque à Casa de Reclusão e outras instalações coloniais em Luanda, visando libertar prisioneiros políticos. Novamente, os portugueses retaliaram de forma implacável, assassinando mais de 3.000 pessoas.

Ainda em 1961, a FNLA lançou um potente ataque ao norte de Angola, logrando obter o controle sobre algumas regiões nas províncias de Uíge e Zaire. Portugal respondeu lançando a “Operação Viriato”, um campanha com 30.000 soldados que conseguiu forçar os guerrilheiros ao recuo.

As tentativas do MPLA de criar uma frente única contra as forças coloniais fracassaram em função das profundas divergências políticas e ideológicas entre as organizações angolanas — que, em determinados momentos, passaram mais tempo lutando entre si do que contra Portugal.

As divergências se aprofundaram ainda mais com a internacionalização do conflito, projetando sobre a luta anticolonial as particularidades da Guerra Fria. Enquanto o MPLA recebia apoio da União Soviética e de Cuba, a FNLA e a UNITA contavam com o respaldo dos Estados Unidos e do governo da África do Sul, então sob regime do apartheid.

Sob a coordenação de Agostinho Neto, o MPLA intensificou as atividades de guerrilha, conseguindo importantes avanços com as frentes de Cabinda e do Leste de Angola. Nos territórios libertados, o MPLA inaugurava creches, escolas, clínicas médicas e serviços de apoio aos camponeses, angariando crescente apoio popular à insurreição.

Portugal detinha superioridade numérica de tropas (em proporção superior a 2 por 1) e mais recursos bélicos. Desde que Lyndon Johnson assumira a Casa Branca, Lisboa também passou a contar com o apoio discreto dos Estados Unidos e do regime sul-africano.

Apesar disso, as tropas portuguesas tiveram muita dificuldade em responder às estratégias de guerrilha empregadas pelos movimentos angolanos. Tendo de se adaptar aos enfrentamentos não convencionais e sem conhecimento do terreno, os soldados portugueses foram perdendo gradualmente as vantagens que possuíam no início do conflito. No fim dos anos 60, parte substancial do território angolano já não estava sob domínio de Portugal.

Independência

A Guerra de Independência se prolongou por 13 anos, causando enorme devastação e deixando milhares de vítimas. Em Portugal, o conflito também era cada vez mais impopular. Os gastos militares eram exorbitantes, chegando a representar mais de 40% do orçamento nacional. A guerra colonial se tornou mais um forte fator de descontentamento da população portuguesa com o regime autoritário do Estado Novo.

Em 25 de abril de 1974, setores progressistas das Forças Armadas de Portugal depuseram o presidente Marcello Caetano, sucessor de Salazar, no evento conhecido como Revolução dos Cravos. Com a posse de um novo governo de inspiração socialista em Portugal, a pauta da descolonização finalmente começou a avançar.

Após meses de negociações, os Acordos de Alvor foram assinados em 15 de janeiro de 1975 entre o governo português e representantes do MPLA, da FNLA e da UNITA. O documento estabelecia a formação de um governo de transição conjunto com participação proporcional dos três grupos, a integração das forças armadas guerrilheiras no exército nacional.

Em 11 de novembro de 1975, Agostinho Neto proclamou a independência de Angola. Ele também foi nomeado primeiro presidente do país. Agostinho implementou um governo de orientação socialista, decretando a expropriação de terras e propriedades dos antigos colonos, nacionalizando bancos e indústrias e dando início a uma série de reformas.

Guerra Civil

Os demais movimentos não aceitaram a legitimidade do governo do MPLA, dando início à Guerra Civil Angolana — na prática, um dos conflitos “por procuração” provenientes da polarização ideológica da Guerra Fria, opondo os blocos capitalista e socialista.

O MPLA continuou sendo apoiado por União Soviética e Cuba, ganhando ainda o endosso de Moçambique e da Alemanha Oriental. Do outro lado, FNLA e UNITA, congregando setores anticomunistas, liberais e conservadores, se uniram em um bloco apoiado por Estados Unidos e África do Sul.

Paralelamente, o MPLA se fragmentou com uma série de dissidências internas que, somadas às tentativas de golpes de Estado, minaram a estabilidade necessária para quaisquer avanços na concretização de sua agenda.

O primeiro período da Guerra Civil Angolana durou de 1975 a 1991. Após a queda da União Soviética, o MPLA passou por transformações profundas, abdicando da orientação marxista e passando a se posicionar como um partido socialdemocrata.

Angola adotou um sistema político multipartidário. Em 1992, foram realizadas as primeiras eleições presidenciais e parlamentares, vencidas pelo candidato do MPLA, José Eduardo dos Santos. A UNITA não aceitou os resultados e retomou a Guerra Civil, que transcorreu em mais dois períodos: de 1992 a 1994 e de 1998 a 2002.

A Guerra Civil foi encerrada com a assinatura de um tratado de paz em 2002, após os acordos de Luena. As eleições de 2008, 2012 e 2017 foram realizadas em clima de paz e reconhecidas como legítimas pelos principais movimentos políticos angolanos.

Mesmo tendo decrescido nas duas últimas eleições, o MPLA segue como principal força política no país, tendo conseguido reeleger João Lourenço para a presidência no último pleito. A UNITA, no entanto, não reconheceu o resultado.

Ao todo, a Guerra Civil Angolana se arrastou por 27 anos. As estimativas sobre o número de mortos no conflito variam entre 500 mil e dois milhões de pessoas. A destruição da economia, da infraestrutura e da oferta de serviços públicos segue impactando fortemente o país até hoje.