Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Há 49 anos, em 6 de outubro de 1976, um atentado terrorista derrubava o Voo 455 da Companhia Cubana de Aviação. O ataque resultou na morte de 73 pessoas, sendo 57 civis cubanos, 11 guianenses e 5 norte-coreanos. Entre os mortos estavam vários jovens que integravam a seleção nacional júnior de esgrima de Cuba.

A aeronave, um avião Douglas DC-8, foi destruída por bombas plantadas por Freddy Lugo e Hernán Ricardo Lozano, dois membros da CORU. O atentado foi idealizado por Luis Posada Carriles e Orlando Bosch, dois agentes da CIA empregados em campanhas terroristas que visavam desestabilizar o governo de Cuba.

Documentos divulgados entre 2005 e 2007 comprovaram que os Estados Unidos sabiam sobre plano para explodir a aeronave e optaram por não informar ao governo cubano. Carriles e Bosch fugiram para os Estados Unidos, onde passaram o resto de suas vidas sob proteção do governo norte-americano.

As ofensivas norte-americanas contra Cuba

O triunfo da Revolução Cubana em 1959 representou um grande revés para os interesses econômicos e estratégicos dos Estados Unidos no Caribe. Ancorado pela defesa da soberania, o governo revolucionário de Fidel Castro confiscou terras e nacionalizou setores estratégicos, desapropriando os ativos de mais de 160 empresas norte-americanas.

As relações entre os dois países se deterioraram ainda mais quando Cuba passou a se aproximar da esfera de influência soviética e a reconhecer o caráter socialista de sua revolução. A Casa Branca reagiu articulando o isolamento diplomático e instituindo um embargo comercial contra o governo cubano. Em seguida, os norte-americanos iniciaram uma série de operações visando impor uma mudança de regime na ilha.

A cooptação de exilados e dissidentes cubanos seria uma das principais estratégias adotadas pelos Estados Unidos para tentar derrubar o governo de Fidel. Apoiadores do regime de Fulgencio Batista e cubanos incomodados com as reformas e nacionalizações foram acolhidos nos Estados Unidos e beneficiados por generosas políticas de auxílio.

Ainda em 1960, durante o governo de Dwight Eisenhower, a CIA iniciou a formação de milícias de exilados cubanos, recrutando milhares de pessoas junto às comunidades de dissidentes de Miami. Em 1961, um grupo de 1.500 exilados e mercenários, reunidos na Brigada 2506, iniciou uma ofensiva contra o governo cubano, levando à Invasão da Baía dos Porcos.

A tentativa de golpe fracassou, sendo debelada pelo exército cubano em apenas três dias. A CIA, no entanto, persistiu com as ofensivas, coordenando a Operação Mongoose — uma campanha que incluía ações de desestabilização e sabotagem e operações de guerra psicológica. Equipes de exilados como a Força Tarefa W foram orientadas a atacar refinarias de petróleo, usinas, pontes e moinhos e a realizar bombardeios contra bases militares.

A etapa seguinte seria a Operação Northwoods, uma operação de bandeira falsa que praticaria atentados terroristas contra alvos civis nos Estados Unidos, visando colocar a culpa em Cuba e justificar uma invasão. O presidente John Kennedy, no entanto, vetou a ideia.

A CORU

A intensidade dos ataques norte-americanos contra Cuba arrefeceu após o episódio da Crise dos Mísseis, quando os Estados Unidos descobriram que a União Soviética pretendia instalar ogivas nucleares na ilha. Em um acordo celebrado com Nikita Khrushchev, Kennedy se comprometeu a interromper as tentativas de intervenção em Cuba. Em contrapartida, os soviéticos concordaram com a retirada dos mísseis.

Apesar da promessa, o governo norte-americano seguiu dando apoio a grupos de exilados em operações de desestabilização, além de executar inúmeras tentativas de assassinato contra Fidel Castro. Essas ações prosseguiram ao longo dos anos 70, mesmo no contexto da “détente” — o período de “distensão” da Guerra Fria, quando os Estados Unidos esboçaram uma política externa menos agressiva em relação às nações socialistas.

Em junho de 1976, foi fundada na República Dominicana a Coordenação das Organizações Revolucionárias Unidas (CORU), uma organização “guarda-chuva” que abrigava diversos grupos terroristas e milícias de extrema-direita. A iniciativa visava unificar os esforços para planejar, financiar e executar operações terroristas contra Cuba, incluindo ataques a embaixadas, aviões e diplomatas.

Os principais líderes da CORU eram todos ligados à CIA. Luis Posada Carriles, por exemplo, foi treinado pela agência na Guatemala e atuou durante a Invasão à Baía dos Porcos. Orlando Bosch colaborou com a CIA em diversas operações de infiltração e serviu como organizador do Movimento Insurrecional de Recuperação Revolucionária. Já Guillermo Novo integrava os esquadrões da Operação 40, um grupo secreto formado pela CIA que também atuou na tentativa de invasão de 1961.

Além de obter recursos do governo norte-americano, a CORU era financiada pelo tráfico de drogas e recebia doações da comunidade de cubanos exilados em Miami. A organização participou ativamente da Operação Condor, uma aliança entre as ditaduras militares norte-americanas e o governo dos Estados Unidos, que pretendia prender, torturar e eliminar opositores políticos, sobretudo militantes da esquerda.

A CORU seria responsável por uma série de sequestros, assassinatos e atentados terroristas, atacando representações diplomáticas de Cuba no México, Argentina e Trindade e Tobago. O grupo também realizou ataques contra companhias aéreas que faziam negócios com Cuba, incluindo a explosão de bombas em escritórios de empresas de Barbados, Colômbia e Costa Rica.

Em setembro de 1976, uma operação conjunta da CORU e da polícia secreta chilena (DINA) resultaria no assassinato do ex-chanceler Orlando Letelier e de sua assistente, Ronni Muffet. Eles foram mortos em Washington, vitimados pela explosão de uma bomba plantada no carro de Letelier. Apoiador do governo de Salvador Allende, o diplomata chileno era um dos críticos mais ferrenhos da ditadura de Augusto Pinochet.

O ataque ao voo 455

No dia 6 de outubro de 1976, a CORU executaria seu atentado mais letal. O alvo era o Voo CU-455, operado pela Companhia Cubana de Aviação. A aeronave, um Douglas DC-8, havia partido de Guiana com destino a Havana e faria escalas em Trindade e Tobago, Barbados e Jamaica.

Dois membros da CORU, os venezuelanos Freddy Lugo e Hernán Ricardo Lozano, embarcaram na aeronave durante a escala do Voo 455 em Trindade. A dupla armou as bombas-relógios e desembarcou na escala seguinte, em Barbados, retornando para Trindade em voos separados.

O Douglas DC-8 prosseguiu com o voo rumo à Jamaica. Onze minutos após a decolagem, no entanto, quando o avião estava a uma altitude de 5.500 metros, a primeira bomba explodiu. O artefato plantado no banheiro destruiu os cabos de controle, comprometendo a estabilidade da aeronave. A segunda bomba foi detonada alguns minutos depois na seção central da cabine de passageiros. Ela abriu um buraco na fuselagem e deu início a um incêndio.

Pelo rádio, o capitão Wilfredo Pérez contatou a torre de controle: “Temos uma explosão a bordo, estamos descendo imediatamente! Há um incêndio a bordo! Solicitamos pouso imediato! Emergência total!”.

O piloto tentou retornar ao aeroporto de Barbados, mas o avião entrou em descida acelerada. Percebendo que um pouso de emergência não seria possível, Pérez direcionou a aeronave para o mar, evitando uma tragédia ainda maior caso o avião caísse nas praias repletas de turistas de Barbados.

Todos os 73 ocupantes da aeronave faleceram na queda. Entre as vítimas, havia 57 cubanos, incluindo a seleção nacional júnior de esgrima. A equipe estava retornando para Cuba após conquistar todas as medalhas de ouro nos Campeonatos Centro-Americanos e do Caribe. Boa parte dos atletas eram jovens com idades entre 15 e 18 anos.

Várias autoridades cubanas estavam no avião, incluindo Manuel Permuy Hernández (diretor do Instituto Nacional de Esportes), Alfonso González (comissário nacional de esportes de tiro), Jorge de la Nuez Suárez (dirigente do Partido Comunista de Cuba) e Domingo Chacón Coello (funcionário do Ministério do Interior).

Onze guianenses estavam no Voo 455, incluindo cinco estudantes de medicina e a esposa de um diplomata. Havia também cinco norte-coreanos, membros de uma missão governamental.

Monumento às vítimas do Voo 455 em Barbados
Wikimedia Commons

Prisões, investigações e julgamentos

Lugo e Lozano, os venezuelanos que plantaram as bombas, foram presos no mesmo dia pelas autoridades de Trindade e Tobago. Ambos eram ex-agentes da Diretoria de Serviços de Inteligência e Prevenção (DISIP), o serviço secreto da Venezuela. Os terroristas confessaram o crime e admitiram que estavam seguindo as ordens dadas por Luis Posada Carriles e Orlando Bosch, ambos agentes da CIA e fundadores da CORU.

O presidente venezuelano Carlos Andrés Pérez ordenou a abertura de uma investigação. Em 14 de outubro de 1976, Carriles e Bosch foram presos em Caracas. Uma batida policial na ICICA, a empresa de Carriles, encontrou armas, explosivos e um transmissor. Lozano era funcionário da ICICA e Lugo trabalhava para o Ministério de Minas venezuelano.

O julgamento teve início na Venezuela, para onde Lugo e Lozano foram deportados. A despeito das confissões e da abundância de provas materiais, todos os quatro implicados foram absolvidos no julgamento realizado por um tribunal militar venezuelano em 1980.

Um promotor recorreu da decisão com o argumento de impropriedade, uma vez que os quatro terroristas eram civis. O argumento foi aceito pela Corte de Apelações, que anulou o julgamento e ordenou a abertura de novo inquérito na justiça civil.

Em agosto de 1985, o juiz Alberto Perez Marcano condenou Lugo e Lozano a 20 anos de prisão. Bosch foi absolvido em função de falhas de procedimento que levaram à anulação de provas. Carriles, por sua vez, fugiu da prisão de San Juan de los Morros na véspera do julgamento, contando com a ajuda de guardas subornados.

Lugo e Lozano foram libertados em 1993 por “bom comportamento”. Bosch foi solto em 1987 e se mudou para os Estados Unidos. Em julho de 1990, o colaborador da CIA recebeu o perdão oficial do presidente George H. W. Bush, livrando-se de todas as acusações criminais que haviam sido abertas na justiça norte-americana.

Carriles fugiu para o Panamá e depois também foi para os Estados Unidos, onde requisitou a concessão de asilo político. Os governos de Cuba e Venezuela solicitaram várias vezes sua extradição, mas todos os pedidos foram negados pela justiça norte-americana, sob o argumento de que a deportação colocaria a vida do ex-agente da CIA em risco.

O terrorista cubano seguiu dando apoio às operações da CIA e ajudou a organizar as milícias dos Contras — organizações paramilitares apoiadas pelo governo norte-americano, responsáveis por travar uma sangrenta guerra civil contra o governo sandinista na Nicarágua.

Já residindo nos Estados Unidos, Carriles foi responsável por coordenar a onda de atentados terroristas contra hotéis de Cuba em 1997. Em uma entrevista concedida ao jornal “New York Times”, ele admitiu ser o responsável pelos bombardeios, mas não foi indiciado pela justiça norte-americana.

Documentos do Departamento de Estado publicados entre 2005 e 2007 confirmaram que a CIA e o FBI já sabiam sobre os planos da CORU para explodir aviões meses antes do ataque ao Voo 455, mas optaram por não alertar o governo cubano. Em um relatório datado de 21 de outubro de 1976, membros do FBI afirmavam que “as bombas e as mortes resultantes foram totalmente justificadas, porque o CORU estava em guerra contra o regime de Fidel Castro”.

Cuba acusou formalmente os Estados Unidos de cumplicidade no atentado. Um memorial em homenagem às vítimas do Voo 455 foi construído em Payne’s Bay, Barbados, e inaugurado por Fidel Castro. Outro memorial está localizado em um campus da Universidade da Guiana. O governo cubano requisitou à ONU que o dia 6 de outubro seja reconhecido como “Dia Internacional da Luta Contra o Terrorismo”.