46 anos do assassinato de Santo Dias, mártir do movimento operário
Metalúrgico emergiu como liderança sindical nos anos 60, lutando contra os ataques impostos aos trabalhadores pela ditadura militar
Há 46 anos, em 30 de outubro de 1979, o operário e líder sindical Santo Dias da Silva era assassinado pela Polícia Militar durante um piquete grevista na Zona Sul de São Paulo.
Santo Dias trabalhou como lavrador e boia fria nas fazendas do interior paulista e posteriormente tornou-se operário da indústria metalúrgica. Ele emergiu como liderança sindical nos anos 60, lutando contra os ataques impostos aos trabalhadores pela ditadura militar.
Vinculado aos setores progressistas da Igreja Católica, Santo Dias participou das Comunidades Eclesiais de Base e da Pastoral Operária. Ele ajudou a criar o Movimento do Custo de Vida e a organizar as primeiras manifestações contra a ditadura desde o AI-5.
Santo Dias foi também líder comunitário na região do Jardim Ângela e um dos principais expoentes da Oposição Sindical Metalúrgica, comandando as grandes greves que eclodiram em São Paulo no fim dos anos 70.
Boia fria, operário e líder sindical
Santo Dias da Silva nasceu em 22 de fevereiro de 1942 na Fazenda Paraíso, em Terra Roxa, interior de São Paulo. Ele era o primogênito dos oito filhos de Jesus Dias da Silva e Laura Amâncio Vieira, um casal de lavradores. Seus pais trabalhavam como meeiros nas fazendas do nordeste paulista, uma região dominada por amplos cafezais.
A vida no campo era difícil, marcado por muito trabalho e pouco dinheiro. A família vivia na penúria e até as roupas das crianças eram produzidas com sacos da farinha. Santo estudou somente até a quarta série. Teve de abandonar a escola para trabalhar na lavoura e ajudar no sustento da casa.
Descontentes com a exploração imposta pelos latifundiários e com as péssimas condições de trabalho, Santo e sua família se envolveram na luta por direitos trabalhistas. Como retaliação, eles foram expulsos das terras que ocupavam e forçados a trabalhar como boias-frias.
Em 1962, Santo decidiu se mudar para São Paulo em busca de melhores oportunidades. Ele passou a trabalhar como operário da Metal Leve, uma companhia metalúrgica de Santo Amaro. No mesmo período, iniciou um relacionamento amoroso com Ana Maria do Carmo, a Ana Dias, sua futura esposa e mãe de seus dois filhos, Santo (nascido em 1965) e Luciana (nascida em 1967).
A participação de Santo na luta pelos direitos trabalhistas se aprofundou após o golpe de 1964. A ditadura implementou uma série de medidas que atacaram os direitos dos trabalhadores, incluindo o fim da estabilidade no emprego e a Lei 4.330, que, na prática, aboliu o direito à greve.
Os sindicatos sofreram intervenção e praticamente todas as organizações autônomas do movimento operário foram suprimidas. Ao mesmo tempo, o regime implementava um modelo econômico que reduzia o valor real dos salários, corroendo o poder de compra da população e jogando milhões de famílias na miséria.
Santo participou de diversas mobilizações operárias contra a política de arrocho salarial e os ataques aos direitos trabalhistas. Ele foi um dos integrantes do movimento que daria origem à Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (OSM), agremiação que contestava o modelo de sindicalismo pelego imposto pela ditadura. A forte repressão do regime, no entanto, inviabilizou todas as iniciativas de renovação da estrutura sindical.

Santo Dias
Via MST.
A luta nas CEBs e no MCV
Com as organizações do movimento sindical neutralizadas pela ditadura, foram os setores progressistas da Igreja Católica que emergiram como espaços para a articulação política dos trabalhadores. Influenciadas pelas diretrizes do Concílio Vaticano II e pela emergência da teologia da libertação, muitas lideranças católicas se voltaram à denúncia dos abusos do governo brasileiro e incentivaram a criação de organizações religiosas diretamente vinculadas às lutas sociais.
Oriundo de uma família religiosa, Santo frequentava as missas e participava das ações da Igreja Católica desde infância. Ao longo dos anos 60, ele se tornou bastante ativo nos movimentos sociais da igreja, ajudando a organizar as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) — organizações populares que se tornaram importantes núcleos de resistência, conscientização e articulação política nas zonas rurais e nos bairros das periferias.
Atuando junto à CEB, Santo se consagrou como uma importante liderança comunitária no bairro de Vila Remo, na região do Jardim Ângela, um dos distritos mais carentes de São Paulo. Ele mobilizou a população do bairro na luta por moradia, transporte, creches, escolas e postos de saúde, organizando protestos, manifestações e mutirões para pressionar as autoridades.
Santo também participou da Frente Nacional dos Trabalhadores, uma entidade parassindical ligada à Igreja Católica, e integrou a Pastoral Operária. Serviu como representante leigo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e era muito próximo do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, célebre por sua firme oposição à ditadura.
Ao lado da esposa, Santo ajudou a criar o Movimento do Custo de Vida (MCV), uma das iniciativas populares mais importantes dos anos 70. Organizado em torno das Comunidades Eclesiais de Base, o MCV exortava a população a se engajar na luta contra a política econômica da ditadura, denunciando o arrocho salarial e a manipulação dos índices oficiais de inflação e exigindo medidas de combate à pobreza.
O MCV foi responsável por organizar os primeiros grandes protestos populares contra a ditadura desde a instituição do AI-5. Em 1978, uma manifestação convocada pelo movimento foi brutalmente reprimida pela ditadura. Milhares de pessoas participavam do ato na Praça da Sé, organizado para divulgar um abaixo-assinado com 1,3 milhão de assinaturas contra a política econômica do governo.
A Oposição Sindical Metalúrgica
No âmbito trabalhista, Santo prosseguiu com a luta contra o sindicalismo subserviente ao Estado, incentivando a criação das “comissões de fábricas”, um modelo de organização autônoma do operariado. As ideias de Santo se perfilavam ao “Novo Sindicalismo” — movimento de renovação que pregava a autonomia das organizações sindicais, a mobilização de base e o vínculo entre a luta operária e a defesa da redemocratização.
Santo se consolidou como uma das principais lideranças da cada vez mais combativa Oposição Sindical Metalúrgica, ajudando a organizar as históricas mobilizações operárias que eclodiram por todo o Brasil no fim dos anos 70, incluindo a greve da Scania em São Bernardo do Campo.
Em 1978, o líder sindical concorreu como vice-presidente na chapa da Oposição à diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, encabeçada por Anísio Batista. Apesar do amplo apoio da categoria à chapa, a candidatura foi prejudicada por um esquema de fraude conduzido por aliados do regime, que possibilitou a vitória da chapa pelega. Às vésperas da eleição, Santo foi demitido de seu emprego na Metal Leve.
A despeito das fraudes, a Oposição Sindical Metalúrgica ganhou muito força entre os trabalhadores, tornando-se a efetiva representante da categoria. Em outubro de 1978, a entidade deu início a uma nova campanha salarial, exigindo um reajuste de 83%. Como os patrões se recusaram a negociar, os trabalhadores entraram em greve, ignorando a orientação oficial do sindicato.
A paralisação foi violentamente reprimida pela ditadura. Já no primeiro dia de greve, os policiais invadiram as subsedes do sindicato e prenderam mais de 130 pessoas. Apesar da intimidação, o comando grevista se reorganizou na Capela do Socorro e prosseguiu com a mobilização.
O assassinato
No dia 30 de outubro de 1979, Santo comandou um piquete de greve em frente à fábrica de televisores Sylvania, no bairro de Santo Amaro. Dezenas de operários se posicionaram na entrada da empresa, visando impedir a entrada dos funcionários do turno das 14h.
Convocados para dispersar a manifestação, os policiais começaram a agredir os grevistas, dando início a um tumulto. Santo tentou dialogar com os agentes para interromper as agressões, mas foi alvejado por dois tiros disparados pelo policial Herculano Leonel. O sindicalista chegou a ser levado para o Pronto Socorro de Santo Amaro, mas não resistiu aos ferimentos. Faleceu aos 37 anos de idade.
A Polícia Militar recolheu o corpo do líder sindical e fabricou uma versão fantasiosa para justificar sua morte, alegando que havia ocorrido um tiroteio, mas foi desmentida pelas testemunhas. O corpo de Santo somente foi liberado após intensa pressão dos trabalhadores e de Ana Dias, sua viúva.
O assassinato de Santo causou revolta e comoção popular. Mais de 30.000 pessoas acompanharam o cortejo fúnebre do líder sindical pelas ruas de São Paulo.
O ato se converteu em um verdadeiro protesto contra a repressão da ditadura e contou com a presença de líderes religiosos e políticos, incluindo Dom Paulo Evaristo Arns e Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. A indignação com o assassinato também fomentou a expansão do movimento grevista, causando a adesão de milhares de trabalhadores à paralisação.
Em abril de 1982, o policial Herculano Leonel foi condenado a seis anos de prisão pela morte de Santo. Não obstante, a condenação foi revertida já no ano seguinte, em dezembro de 1983, por decisão do Tribunal de Justiça Militar.
Santo Dias se converteu em um mártir da luta operária. Seu assassinato inspirou parcialmente o enredo de “Eles não Usam Black-tie”, célebre filme de Leon Hirszman, adaptado da peça homônima de Gianfrancesco Guarnieri.
O líder sindical foi homenageado batizando parques, ruas e pontes. Ele é o patrono do Centro Santo Dias de Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo e empresta seu nome ao Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos, concedido pela Assembleia Legislativa paulista.
Todos os anos, no aniversário do assassinato de Santo Dias, os membros da Pastoral Operária realizam um cortejo em memória do líder operário, percorrendo o trajeto entre o local do seu assassinato e o Cemitério do Campo Grande, onde ele foi sepultado.























