126 anos de Ernest Hemingway, a voz da 'Geração Perdida'
Considerado um dos maiores romancistas do século 20, escritor participou de ações militares aliadas durante Segunda Guerra Mundial
Há 126 anos, em 21 de julho de 1899, nascia o escritor e jornalista norte-americano Ernest Hemingway. Considerado um dos maiores romancistas do século 20, ele se destacou por seu estilo conciso, direto e emocionalmente contido, que teve grande impacto sobre a literatura moderna.
Embora contadas de forma objetiva, as histórias de Hemingway quase sempre são imbuídas de um significado profundo, implícito abaixo da “superfície” do texto — uma técnica narrativa que ele batizou como “teoria do iceberg”.
Considerado um expoente da “Geração Perdida”, Hemingway produziu obras que abordam as adversidades da guerra, a perda e a condição humana. Seus romances são permeados pelas próprias experiências, refletindo sua fascinação pela aventura, pela vida ao ar livre e pelas emoções perigosas.
Hemingway também foi um ativo militante da luta antifascista. Ele colaborou com a resistência republicana durante a Guerra Civil Espanhola e participou da luta contra os regimes nazifascistas durante a Segunda Guerra Mundial. Sua simpatia pelo socialismo fez com que fosse monitorado por décadas pelo governo norte-americano.
Da juventude à Primeira Guerra Mundial
Ernest Miller Hemingway nasceu em Oak Park, um subúrbio afluente de Chicago, no estado de Illinois. Era filho de Clarence Edmonds, um médico respeitado, e de Grace Hall, professora de música e cantora de ópera. Oak Park era uma comunidade bastante conservadora e a família Hemingway participava ativamente de suas atividades sociais e congregacionais.
Hemingway cursou o ensino básico na River Forest High School, dedicando-se também ao esporte, praticando boxe, atletismo, polo aquático e futebol americano. Desde cedo, ele se interessou pelas atividades ao ar livre, apreciando as temporadas que a família passava na cabana de Walloon Lake, onde se dedicava a caçar, pescar e observar a vida selvagem.
Ainda adolescente, Hemingway iniciou sua carreira de escritor, assumindo a direção do “Trapeza”, o jornal de sua escola. Após concluir o ensino secundário, Hemingway decidiu não cursar a universidade — uma decisão que desagradou profundamente seus pais. Em busca da independência financeira, ele preferiu procurar um trabalho, passando a escrever como jornalista para o “The Kansas City Star”.
Ansiando pela experiência do combate na linha de frente, Hemingway tentou se alistar como soldado do exército do Estados Unidos durante a Primeira Guerra Mundial, mas foi preterido em função de seus problemas de visão. Ofereceu-se então como voluntário ao serviço de ambulâncias da Cruz Vermelha.
Em julho de 1918, Hemingway foi gravemente ferido por um morteiro enquanto atuava na Frente Ítalo-Austríaca, tendo as duas pernas atingidas por estilhaços. Ele foi submetido a uma cirurgia de emergência e ficou internado por meses.
No hospital, Hemingway se apaixonou pela enfermeira Agnes von Kurowsky. O romance não prosperou, mas lhe ofereceu a inspiração para criar a personagem Catherine Barkley, heroína do romance “Adeus às Armas”. Publicado em 1929, o livro é ao mesmo tempo uma história de amor e uma crítica à inutilidade da guerra.
Paris e a “Geração Perdida”
Após o término da guerra, Hemingway retornou para os Estados Unidos. Ele tentou retomar sua rotina local, mas a pequena Oak Park já não conseguia conter seu espírito aventureiro.
Em 1921, após se casar com Elizabeth Hadley Richardson, mãe de seu primeiro filho, Jack, Hemingway partiu para a França, onde trabalhou como correspondente da revista canadense “Toronto Star Weekly”.
Nos anos 20, Paris era um centro cultural vibrante, abrigando personalidades de destaque oriundas de várias partes do mundo. Hemingway fez amizade com Ezra Pound, Scott Fitzgerald, Gertrude Stein e outros intelectuais norte-americanos expatriados da Primeira Guerra. Eles posteriormente formariam o grupo denominado “Geração Perdida”.
O termo foi popularizado por Gertrude Stein e evocado por Hemingway em seus romances e memórias. A “Geração Perdida” congregava autores que testemunharam os horrores da Primeira Guerra Mundial, as perdas da pandemia de Gripe Espanhola, a crise do liberalismo e a ascensão do fascismo.
Os escritores da “Geração Perdida” produziam obras que abordavam a frustração diante das perspectivas destroçadas, a desilusão gerada pela falta de rumos e de propósitos em um mundo tomado pelo caos. Também criticavam os valores tradicionais da sociedade, o moralismo, o chauvinismo e o conservadorismo, que apenas conseguiram levar a humanidade à autodestruição.
Por influência de Stein e Pound, Hemingway passou a escrever ficção e logo se tornou o principal expoente do grupo, traduzindo em seus textos o espírito de irreverência e contestação que marcou os chamados “Loucos Anos Vinte”. Foi em Paris que o autor publicou seus primeiros livros: “Três Histórias e Dez Poemas” (1923) e a coletânea de contos “Em Nosso Tempo” (1925).
Influenciado pela dinâmica do jornalismo, Hemingway desenvolveu um estilo peculiar, marcado pela narrativa concisa, pelo uso de frases curtas e pela adjetivação escassa. Minimalista, o escritor evitava abordar diretamente os significados profundos, as emoções e reflexões complexas.
Essa técnica narrativa seria a base da chamada “teoria do iceberg”. Hemingway conferia visibilidade às partes mais factuais e descritivas da história. O significado mais profundo do texto permanecia implícito, sugerido através de símbolos, detalhes ou subtextos. O próprio leitor deveria decifrar, inferir e interpretar a história de forma autônoma.
O estilo desenvolvido por Hemingway teria grande influência no desenvolvimento da literatura moderna norte-americana, inspirando autores como Raymond Carver e Joan Didion.

Ernest Hemingway em 1953
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Ascensão literária
Durante a estadia na Europa, Hemingway fez uma série de visitas à Espanha. Ele desenvolveu um grande carinho pelo povo espanhol e apaixonou-se pela cultura local. Fascinado pelas touradas de Pamplona, ele chegou a se tornar um toureiro amador.
A vivência em Paris e a temática das touradas seriam abordados por Hemingway no romance “O Sol Também Se Levanta”. Publicado em 1926, o livro tem como contexto a angústia e as frustrações característicos da crise pós-Primeira Guerra Mundial.
Imbuída de grande originalidade e sintetizando as características mais admiradas da poética do autor, “O Sol Também Se Levanta” se consagraria como um marco da literatura moderna, impulsionando Hemingway como um dos maiores talentos de sua geração.
Em 1927, já separado de Elizabeth, Hemingway se casou pela segunda vez, desposando a jornalista de moda Pauline Pfeiffer, com quem teria outros dois filhos, Patrick e Gloria. O casal se mudou para a Flórida no ano seguinte, estabelecendo residência em West Key.
A vida na Flórida o aproximou do mar e suas experiências de pesca no Golfo do México teriam impacto em sua escrita. Nos invernos, Hemingway se refugiava no Wyoming, onde apreciava as paisagens naturais das Montanhas Rochosas.
Em 1932, Hemingway publicou “Morte ao Entardecer”, uma espécie de guia sobre touradas, trazendo ensaios sobre a tauromaquia e a cultura espanhola e reflexões sobre a vida e a morte. Em 1935, após uma viagem à Tanzânia, o escritor lançou outra obra de não-ficção — “As Verdes Colinas de África”, um relato sobre sua participação no safári e divagações sobre o tema da caça.
Enquanto a carreira literária de Hemingway decolava, o casamento com Pauline se desgastava cada vez mais, sendo marcado por brigas constantes. Frustrado com o relacionamento conjugal, Hemingway retornou à vida boêmia. Travou amizade com Joe Russell, o proprietário do histórico bar “Sloppy Joe’s”, que se tornaria seu companheiro de aventuras e o seguiria nas viagens para Bahamas e Cuba.
Guerra Civil Espanhola
Em 1936, Hemingway iniciou um relacionamento amoroso com a jornalista Martha Gellhorn, uma das mais renomadas correspondentes de guerra dos Estados Unidos.
Martha havia sido contratada pela revista Collier’s Weekly para cobrir a Guerra Civil Espanhola — o violento conflito armado entre as forças republicanas e as tropas fascistas de Francisco Franco. Hemingway decidiu acompanhá-la, aceitando a função de correspondente da “North American Newspaper Alliance”.
Na Espanha, Hemingway conviveria de perto com as forças republicanas, tornando-se um admirador das ideias socialistas e um apoiador da resistência antifascista. Durante o conflito, ele produziu crônicas e artigos baseados na realidade do campo de batalha, enfatizando a brutalidade e o custo humano da guerra.
Hemingway atuou como corroteirista e narrador do filme “Terra Espanhola”, uma obra em apoio à causa republicana, dirigido por Joris Ivens. Durante o período, ele também escreveu a peça antifascista “A Quinta Coluna”, seu único texto para o teatro.
A experiência durante a Guerra Civil Espanhola serviria de base para que Hemingway escrevesse o romance “Por Quem os Sinos Dobram”, considerada sua obra-prima e um dos livros mais influentes do século 20.
Ambientado durante o conflito, o livro conta a história de Robert Jordan, um guerrilheiro que se junta às Brigadas Internacionais para lutar contra as tropas fascistas. Incumbido de explodir uma ponte para evitar o avanço das tropas de Franco, o personagem se depara com uma série de conflitos internos, dilemas morais e questões existenciais.
O título do livro evoca tema central da interconexão humana e da tragédia coletiva, sendo inspirado por um poema de John Donne: “Nenhum homem é uma ilha, cada homem é uma partícula do continente, uma parte da Terra. (…) A morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. Por isso, não perguntes por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti”.
“Por Quem os Sinos Dobram” fez enorme sucesso, vendendo meio milhão de cópias em poucos meses. Sua temática política, entretanto, desagradou os governos conservadores e os regimes fascistas.
O livro foi banido na Espanha, na Itália e na Alemanha e enfrentou censura nos Estados Unidos, sendo proibido de ser encaminhado pelos Correios ou incorporado aos acervos de bibliotecas públicas. A obra era a favorita para vencer o Prêmio Pulitzer de 1941, mas foi preterida graças à intervenção de Nicholas Murray Butler, que a considerava ofensiva.
Segunda Guerra Mundial
Após se separar de Pauline em 1940, Hemingway se casou com Martha Gellhorn. O casal se estabeleceu em Cuba, residindo em Finca Vigía, uma chácara nos arredores de Havana.
Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, Hemingway se ofereceu para ajudar na luta contra o Eixo, transformando sua residência em uma base de vigilância e estabelecendo uma rede de informantes em Cuba, a fim de monitorar os simpatizantes do nazismo que viviam ilha. Hemingway também começou a patrulhar o Mar do Caribe com seu barco, em busca de submarinos alemães.
Alarmado com a simpatia que o escritor nutria pelo socialismo, o governo dos Estados Unidos buscou neutralizar sua cooperação. Hemingway era espionado e vigiado pelo governo norte-americano desde os anos 30. O FBI monitorava constantemente suas correspondências, telefonemas, viagens e contatos, suspeitando que ele tivesse ligações com grupos comunistas e “organizações subversivas”.
Hemingway voltou a trabalhar como correspondente durante a Segunda Guerra Mundial, produzindo reportagens e relatórios para a revista Collier’s. Ele viajou para a Europa em maio de 1944 e realizou a cobertura de eventos históricos como o desembarque das tropas aliadas na Normandia durante o Dia D, a libertação de Paris e a Batalha das Ardenas.
O escritor se envolveu de forma ativa no conflito, participando de ações militares ao lado de soldados aliados. Ele chegou a liderar, informalmente, um grupo de combatentes da Resistência Francesa — o que lhe rendeu reprimendas e acusações de violar as convenções de Genebra sobre a neutralidade de correspondentes.
Em uma carta publicada pelo jornal Pravda, Hemingway proferiu um pungente elogio aos soldados soviéticos, por seu papel na guerra contra a Alemanha nazista: “Vinte e quatro anos de disciplina e trabalho criaram uma glória eterna, cujo nome é Exército Vermelho. Todo ser humano que ama a liberdade deve ao Exército Vermelho mais do que conseguirá pagar em uma vida.” Em 1947, Hemingway foi condecorado com a Estrela de Bronze por sua participação na luta contra o nazismo.
Os últimos anos
A relação com Martha Gellhorn começou a se deteriorar durante a Segunda Guerra. Em diversas ocasiões, a jornalista acusou Hemingway de intimidá-la e maltratá-la. O casamento chegou ao fim em 1945. O escritor começou então a namorar Mary Welsh, correspondente da revista Time, que também estava cobrindo o conflito na Europa. Ela seria sua quarta e última esposa.
A produção intelectual de Hemingway no período foi afetada por problemas de saúde. Ele sofreu três acidentes graves entre 1945 e 1947 e foi diagnosticado com esquizofrenia e diabetes. Também ficou desapontado com as críticas ácidas ao romance “Do Outro Lado Do Rio, Entre As Árvores”, publicado em 1950.
Por fim, a perda de vários amigos ao longo dos anos 40 abalou profundamente Hemingway. O escritor desenvolveu uma depressão severa e passou a abusar cada vez mais do álcool.
Em 1952, Hemingway reconquistou o apoio da crítica ao publicar “O Velho e o Mar”, uma novela literária que se tornaria uma de suas obras mais célebres. O livro é uma alegoria da dignidade humana, evocada pela luta entre um pescador, um grande peixe e os tubarões no alto mar.
“O Velho e o Mar” rendeu a Hemingway o Prêmio Pulitzer de Ficção. Dois anos depois, ele seria laureado com o Prêmio Nobel de Literatura, em função de seu domínio da arte narrativa e da influência que exerceu sobre a literatura contemporânea.
O sucesso do livro consagrou a reputação de Hemingway entre os grandes mestres da literatura do século 20, mas sua vida pessoal seguia complicada. Ele sofreu mais dois graves acidentes de avião durante um safári na África, que lhe causaram lesões cranianas e queimaduras.
Hemingway permaneceu em Cuba até o fim dos anos 50 e apoiou a luta revolucionária contra o regime de Fulgencio Batista liderada por Fidel Castro. Diante da crescente instabilidade política e do aumento do sentimento antiamericano na ilha, entretanto, o escritor resolveu voltar para os Estados Unidos, estabelecendo-se em Ketchum, no estado de Idaho.
A saúde mental de Hemingway deteriorou-se significativamente nos últimos anos de vida. Acometido de crises de dores insuportáveis e cada vez mais deprimido, ele chegou a ser internado na Clínica Mayo, em Minnesota, onde passou por sessões de eletroconvulsoterapia. O tratamento afetou sua memória e capacidade de escrever, agravando ainda mais seu sofrimento.
Sem conseguir suportar o fardo, Ernest Hemingway tirou sua própria vida em 2 de julho de 1961, aos 61 anos de idade. Seus manuscritos e trabalhos inacabados foram reunidos postumamente por sua viúva e publicados sob os títulos “Paris é uma Festa”, “O Jardim do Éden” e “As Ilhas da Corrente”.























