101 anos César Lattes, pioneiro da física de partículas
Cientista brasileiro participou de pesquisas conduzidas nos anos 40 que revolucionaram o entendimento das partículas subatômicas
Há 101 anos, em 11 de julho de 1924, nascia o físico César Lattes. Considerado um dos mais renomados cientistas brasileiros, Lattes participou ativamente das pesquisas conduzidas nos anos 40 que revolucionaram o entendimento das partículas subatômicas.
Em 1947, o brasileiro desenvolveu uma técnica inovadora usando emulsões fotográficas especiais para detectar partículas cósmicas. Essa técnica permitiria a identificação da partícula subatômica méson pi (ou píon) — uma descoberta que abriu novos caminhos para a compreensão das interações fundamentais da matéria.
A identificação do méson pi rendeu o Prêmio Nobel de Física de 1950 ao britânico Cecil Powell. Embora Lattes tenha sido o principal responsável pela descoberta, o comitê do Nobel optou por entregar o prêmio apenas ao chefe do grupo de pesquisa que conduziu as observações.
Lattes também foi o fundador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e um dos criadores do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o principal órgão de fomento à pesquisa científica no Brasil. Em sua homenagem, a plataforma oficial de currículos da comunidade científica brasileira leva seu nome: Plataforma Lattes.
Juventude e formação
Nascido em Curitiba, Cesare Mansueto Giulio Lattes era filho de Carolina Maroni e Giuseppe Lattes, um casal de imigrantes judeus italianos oriundos do Piemonte. A despeito da ascendência judaica, Lattes foi batizado na Igreja Católica. O jovem cursou as primeiras letras na Escola Americana, mas teve de sair do Brasil com a família após a eclosão da Revolução de 1930, residindo por um período na Itália.
Retornando ao Brasil após o término do conflito, a família morou em Porto Alegre e Lattes continuou os estudos no Instituto Menegapi. Mudou-se posteriormente para São Paulo, concluindo o ensino secundário no Colégio Dante Alighieri. Em 1943, com apenas 19 anos, Lattes já tinha se graduado em matemática e física pela Universidade de São Paulo (USP).
Na década de 40, Lattes integrou um grupo de jovens físicos convidados para trabalhar na Europa com Gleb Wataghin e Giuseppe Occhialini, ambos ex-professores da USP. O grupo era composto por diversos nomes que se tornariam expoentes da ciência nacional, tais como Jayme Tiomno, Oscar Sala, Mário Schenberg, Roberto Salmeron e Marcello Damy.
Ao lado de Tiomno e de José Leite Lopes, Lattes fundaria o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), instituto científico localizado no Rio de Janeiro que se tornaria referência em física teórica e experimental, por onde passaram nomes de vulto da ciência mundial, tais como Richard Feynman e Léon Rosenfeld.
Em 1947, Lattes se casou com a matemática pernambucana Martha Siqueira Neto. Eles permaneceram juntos pelo resto da vida e tiveram quatro filhas — Maria Carolina, Maria Cristina, Maria Lúcia e Maria Tereza.
A descoberta do méson pi
Ainda em 1947, por indicação de Occhialini, Lattes se mudou para o Reino Unido, passando a trabalhar no laboratório da Universidade de Bristol, dirigido por Cecil Frank Powell. À época, a equipe de Powell estudava a desintegração de partículas subatômicas utilizando placas fotográficas.
Lattes supôs que os raios atômicos, descobertos em 1932 por Carl David Anderson, deveriam gerar partículas subatômicas ao entrarem na atmosfera terrestre.
Para testar sua hipótese, o brasileiro levou chapas fotográficas aos Montes Pirineus, na França, a cerca de 2.500 metros de altitude. Quando revelou as imagens, Lattes obteve as primeiras evidências da existência da partícula subatômica méson pi (píon).
Para aumentar a precisão das imagens, Lattes introduziu boro na composição das placas de emulsão nuclear e procurou uma altitude mais elevada para potencializar os registros. Optou por montar um laboratório no Monte Chacaltaya, na Cordilheira dos Andes, Bolívia, a 5.000 metros de altitude.
Bem sucedida, a experiência comprovou a descoberta da nova partícula subatômica. Lattes observou ainda que o píon se desintegrava em um novo tipo de partícula, o méson mu (ou muon). Também foi o primeiro cientista a especular o uso da nova descoberta na medicina, sobretudo no tratamento oncológico.
Os resultados foram publicados na revista científica britânica Nature em outubro de 1947, com Lattes como autor principal, seguido pelos colegas Occhialini e Powell.
No ano seguinte, em parceria com Eugene Gardner da Universidade da Califórnia, Lattes detectou a produção artificial de partículas píon no ciclotron do laboratório de Berkeley, durante uma experiência de bombardeio de átomos de carbono com partículas alfa. O brasileiro também ajudou a calcular a massa da nova partícula.

César Lattes em 1949
Arquivo Nacional/Wikimedia Commons
O Prêmio Nobel
As pesquisas de Lattes revolucionaram o conhecimento sobre a física de partículas e comprovaram as teorias sobre partículas portadoras de força nuclear propostas em 1935 por por Hideki Yukawa. Em 1950, a descoberta da partícula méson pi foi laureada com o Prêmio Nobel de Física.
Embora Lattes tenha sido o principal pesquisador e autor do primeiro artigo publicado na revista Nature descrevendo a nova partícula, somente o físico britânico Cecil Frank Powell foi agraciado com o prêmio. O motivo era o protocolo adotado pelo Comitê do Prêmio Nobel, que previa laurear somente os líderes dos grupos de pesquisa com o prêmio.
Lattes foi indicado para receber o Prêmio Nobel de Física em cinco oportunidades entre 1949 e 1954, mas nunca obteve a honraria. Comentando sobre esse fato em entrevista ao Jornal da Unicamp em 2001, Lattes afirmou: “O Powell, malandro, pegou o Prêmio Nobel pra ele. Occhialini e eu entramos pelo cano. Ele era mais conhecido, tinha o trabalho da produção de pósitrons, em 1933. Depois fui para a Universidade da Califórnia, onde foi inaugurado o sincrociclotron, em 1946. Já era 1948 e estava produzindo mésons desde que entrou em funcionamento em 1946, tinha energia mais que suficiente. Então, detectamos, Eugene Garden e eu, o méson artificial, alimentando a presunção de retirar do empirismo todas as pesquisas que se relacionassem com a libertação da energia nuclear. Sabe por que não nos deram o Nobel? Garden estava com beriliose, por ter trabalhado na bomba atômica durante a Guerra, e o berílio tira a elasticidade dos pulmões. Morreu pouco depois e não se dá o prêmio Nobel para morto. Me tungaram duas vezes.”
Contribuições científicas no Brasil
Lattes retornou ao Brasil em 1948, assumindo o cargo de professor na USP. No ano seguinte, assumiu a direção científica do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. Também atuou como pesquisador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O brasileiro também lecionou nos Estados Unidos entre 1955 e 1957, dirigiu as pesquisas em geocronologia na Universidade de Pisa e se tornou membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Em 1963, Lattes se mudou para Campinas, onde fundou o Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp, instituição da qual se tornou professor titular. Também assumiu a direção do Departamento de Raios Cósmicos, Altas Energias e Léptons.
Opositor do golpe de 1964 e crítico da ditadura militar instaurada após a deposição de João Goulart, Lattes passou a sofrer intimidações. Irreverente, chegou a batizar seu cachorro como Costa e Silva, nome do segundo presidente do regime.
Quando o general José Fonseca Valverde interveio na Unicamp e pressionou o cientista a entregar o nome de colaboradores “subversivos”, Lattes confrontou o militar e arremessou um cinzeiro em sua direção, quase acertando sua cabeça.
Seu prestígio o manteve a salvo de retaliações, mas Lattes passou a ser isolado e sofreu cortes nas subvenções para as suas pesquisas. Apesar disso, seguiu formando novas gerações de pesquisadores e dando importantes contribuições à ciência nacional.
Em 1969, Lattes coordenou o grupo que descobriu a massa das chamadas “bolas de fogo” — fenômeno espontâneo que ocorre durante colisões de alta energia. Aposentou-se em 1986, ocasião em que recebeu os títulos de Doutor Honoris Causa e Professor Emérito da Unicamp. Faleceu em Campinas em 8 de março de 2005, aos 80 anos.
A obra de Lattes teve grande peso no desenvolvimento da física atômica e sua atuação foi fundamental para o fomento da pesquisa científica no Brasil — sobretudo por seu papel na criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Lattes foi homenageado emprestando o seu nome à Plataforma Lattes, o principal banco de dados científico do Brasil. Também é o patrono da biblioteca central da Unicamp. É um dos poucos brasileiros a figurarem na Enciclopédia Biográfica de Ciência e Tecnologia de Isaac Asimov.
A vida e a obra de Lattes foram retratadas no documentário “Cientistas Brasileiros“, dirigido por José Mariani e lançado em 2002. Ele também foi homenageado na canção “Ciência e Arte“, de Cartola e Carlos Cachaça. A música foi regravada por Gilberto Gil e lançada no álbum “Quanta“, premiado no Grammy de 1998.























