Sábado, 6 de dezembro de 2025
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De acordo com uma reportagem da Reuters, o governo dos Estados Unidos aprovou um pacote de ajuda de US$ 230 milhões para as instituições de segurança libanesas, com o objetivo declarado de garantir o desarmamento do Hezbollah. Uma fonte local indicou que US$ 190 milhões serão destinados às Forças Armadas Libanesas e os US$ 40 milhões restantes, às Forças de Segurança Interna.

Para o professor Danny Zahreddine, da pós-graduação em Relações Internacionais da PUC-Minas, a meta de desarmar o Hezbollah em 120 dias é “completamente irrealista, dada a sólida estrutura social, econômica e militar do grupo”. Ele contextualiza que a desmilitarização já estava prevista no Acordo de Taif de 1989, um pacto nacional para encerrar a guerra civil e reformar o sistema político. “Esse era um acordo nacional para repensar o Líbano desde aquele momento”, afirmou.

Segundo o acadêmico, a questão do desarmamento é discutida há quase 30 anos. Embora o investimento norte-americano possa parecer um projeto para enfraquecer o Líbano, o docente argumenta que o apoio financeiro é fundamental para criar uma força estatal capaz de lidar com a situação. “O governo libanês não tem força e continua como um Estado anormal”, explicou. “É uma ajuda militar menor do que a que o próprio Hezbollah recebia do Irã, mas que é fundamental”.

O Líbano é uma nação dividida em 18 comunidades étnico-religiosas. Zahreddine explica que, até a década de 1990, os partidos políticos libaneses possuíam braços armados, como o Partido dos Druzes e as Forças Libanesas. Atualmente, o Hezbollah e o partido xiita Amal são os únicos que resistem ao desarmamento.

“A maior parte do povo libanês vê com bons olhos o desarmamento, porque traz o Estado para uma normalidade”, justificou Zahreddine. Isso porque, até os anos 1990 os “partidos políticos do Líbano tinham um braço armado e político”, por exemplo o Hezbollah, Kataeb, a Lebanese Forces, entre outros.

“Eles vão ter que depor as armas e se transformar em apenas partidos políticos só. Então, isso vai acontecer com o Hezbollah. Seu braço armado seja desmobilizado, para que o país possa voltar à normalidade e o direito legítimo de uso da violência fique somente com o exército e o Estado libanês”, acrescentou.

O especialista prevê que o maior descontentamento virá da comunidade xiita, que perderá protagonismo. A pressão externa, agravada pela “condição econômica deplorável do Líbano”, é apontada como um fator legítimo contra a permanência da militarização do grupo.

Enfraquecimento do Hezbollah

Um ponto de virada foi a morte do secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah, em setembro de 2024, que desestabilizou profundamente a organização. “A forma como Israel conseguiu, pela estratégia da decapitação, cortar a cabeça de quase todos os primeiros escalões do Hezbollah, desarticulou a capacidade do grupo de agir”, analisou o professor.

Zahreddine afirma que o Hezbollah sempre rejeitará o desarmamento, pois seu poder deriva justamente de ser o principal grupo político-militar do país.

Acordo de Taif de 1989 já previa fim das milícias, mas Hezbollah resiste como resistência por 35 anos

Acordo de Taif de 1989 já previa fim das milícias, mas Hezbollah resiste como resistência por 35 anos
Nadim Kobeissi / Wikimedia Commons

No entanto, seu enfraquecimento militar, acelerado pela guerra com Israel e pela perda de sua liderança, cria as condições para que isso se torne viável. Ele cita que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, classificou o assassinato de Nasrallah como um objetivo militar máximo, capaz de gerar um “efeito dominó” contra o eixo de resistência.

“Isso revela a importância que o Hezbollah tinha na região, com como um elemento de pressão contra Israel e como que a sua desarticulação muda por completo as relações de poder no Oriente Médio. Mudam no sentido de fortalecer Israel e os Estados Unidos na região, o que força o próprio governo libanês a poder mudar de postura também”, afirma o docente.

Ocupação de Israel no Líbano

A influência de Israel no processo é direta. “Quando a gente vê o dia 7 de outubro de 2023, o problema com o Hamas, e como o Hezbollah se transforma no ponto de pressão no norte do território, se torna um problema para o governo israelense”, explicou. O desarmamento do grupo significaria uma redução significativa das ameaças a Israel.

Os contínuos ataques israelenses no sul do Líbano, uma região onde o Hezbollah não deveria operar segundo resoluções da ONU, são uma forma de pressionar o governo libanês. “Essas ações são com intuito de dar ao governo libanês estímulo para continuar fazendo o que tem feito e um recado de que o governo israelense não vai parar de pressionar até que ele seja desarmado”, pontuou.

“O Hezbollah foi muito importante para poder retirar as forças israelenses do território, durante a segunda invasão em 1982. Mas quando eles saem em 2000, naquele momento já era a hora do desarmamento. Entretanto, era um momento em que a força militar estava muito poderosa e com um apoio popular forte, para além dos xiitas, o que dificultou o seu desarmamento. Após isso, outros conflitos aconteceram, principalmente em 2006, conhecido como a Guerra de Julho, e que fortaleceu o Hezbollah, a partir de vitórias táticas importantes contra Israel“, Danny explica o contexto geopolítico, uma vez que criação do grupo foi “para pressionar” o Estado israelense.

Líbano e o mundo árabe

O professor também situa o Líbano no tabuleiro geopolítico mais amplo. Com o enfraquecimento da Síria e do Irã, patrocinadores tradicionais do Hezbollah, e a reaproximação entre Teerã e Riad, o cenário regional mudou. “O Líbano com o Hezbollah desarmado definiria o equilíbrio de poder regional”, concluiu, fortalecendo a posição de Israel, dos EUA e de seus aliados, e forçando uma mudança de postura do próprio governo libanês.

“O Hezbollah era um dos grupos que mais impunha, junto com Hamas, problemas a Israel. Então, desmobilizar seria essencial para que Israel pudesse ter mais controle das suas fronteiras, da sua política regional e os Estados Unidos sabem, principalmente porque o movimento de resistência libanês é uma força muito próxima do governo iraniano”, explicou.

Em decorrência da guerra dos 12 dias, Teerã mudou seu status e enfraqueceu, buscando um novo diálogo com os Estados Unidos. “Em razão disso, o Líbano tem um papel importante na geopolítica do Oriente Médio para os norte-americanos e Israel. Por Beirute representar uma força que se manifesta regionalmente devido à influência iraniana ou síria — hoje, ambas debilitadas”.

Após a queda de Bashar al-assad do governo sírio (2000-20024), “a Síria agora é um país antipersa e anti-Hezbollah” favorecendo a Arábia Saudita, Israel e Estados Unidos, “mudando completamente a realidade com o Líbano”, além do próprio Irã também “perder a capacidade de alimentar os quadros do Hezbollah” após o fim do regime de al-assad.

Em contrapartida, há outra questão: “o Líbano com o Hezbollah desarmado definiria o equilíbrio de poder regional, particularmente na relação com Israel e na disputa entre Irã e Arábia Saudita”. Desde o início do governo de Joe Biden, a relação entre Teerã e Riade “está mais equacionada”, da mesma forma como a China buscou reaproximar ambos governos, que hoje fazem parte do BRICS.

Danny Zahreddine conclui relembrando que hoje não há mais um antagonismo tão violento entre a Arábia Saudita e o Irã e com o enfraquecimento regional do Hezbollah, gera impactos nessas relações.