Uma história da cobertura fracassada sobre o Afeganistão
Uma história da cobertura fracassada sobre o Afeganistão
Há quase 30 anos – desde a primeira vez em que observamos o tema de perto -, a cobertura do Afeganistão pela imprensa norte-americana tem sido simplista, enganosa, desatenta, propensa a aceitar e ecoar propaganda do governo e simplesmente equivocada. Há exceções, mas não muitas.
A partir de 1981, experimentamos um processo que tem mantido informações vitais fora do alcance do povo americano.
Após a expulsão de 1.135 jornalistas ocidentais um mês depois da invasão soviética de 1979, fomos os primeiros a ter acesso ao Afeganistão, por meio de canais diplomáticos nas Nações Unidas. Contratados pelo CBS Evening News, com Dan Rather, nossa oportunidade de ver por dentro um Afeganistão sob ocupação soviética revelou uma história complexa, e as cenas com as quais voltamos não combinavam com a imagem de império do mal que, a nosso ver, a cobertura da CBS vinha nutrindo. Quatro semanas depois de nosso retorno, foi ao ar uma reportagem sobre nossa viagem intercalada com propaganda soviética – isto é, cenas registradas pelos soviéticos – que de modo algum representava nossa experiência. Como material anti-soviético, no entanto, era uma obra-prima.
Então, em 1983, sob contrato do ABC Nightline, convidamos Roger Fisher, diretor do Projeto de Negociação de Harvard, para voltar conosco e avaliar as chances de os soviéticos serem expulsos do Afeganistão. Segundo Roger nos contou, o principal especialista em Afeganistão do Kremlin declarou, sem rodeios: “Dê-nos seis meses para salvar nossa cara e deixaremos os afegãos com seus próprios problemas.” Esta informação foi rejeitada enquanto notícia pelo ABC World News Tonight. E então o pedido soviético – como explicado por Roger no Nightline – foi apresentado pelo âncora Ted Koppel de tal modo que dissipou qualquer impressão de que houvesse uma chance de retirada soviética.
À medida que a década de 1980 avançou, a ocupação soviética abandonou o reino do jornalismo – quase não havia cobertura – e se transformou numa luta de guerreiros santos contra o império do mal, ao estilo Rambo. E em 1989, quando os soviéticos finalmente se retiraram, a história afegã desapareceu completamente do radar da mídia. A Guerra Fria havia acabado e a mitologia ditava que os EUA a haviam “vencido”. O povo afegão foi abandonado à própria sorte para lidar com o contragolpe dos combatentes mujahideen, que haviam sido apoiados pela maior operação secreta dos EUA a vir a público desde o Vietnã. Nos anos seguintes, este processo daria origem ao Talibã, transformando-se na ameaça que os EUA enfrentam hoje.
Sem qualquer reflexão séria sobre as consequências do financiamento e treinamento de extremistas com o objetivo de derrotar a União Soviética, a mídia norte-americana não só deixou de cobrir o tema em profundidade, como também ignorou numerosos casos em que a história afegã foi corrompida por razões políticas.
Artigos publicados no New York Post por Janet Wilson no fim de 1989 e no Columbia Journalism Review por Mary Williams Walsh no início de 1990 denunciaram que os noticiários da CBS haviam transmitido repetidamente cenas de batalha e reportagens falsas. As acusações não tiveram efeito e não motivaram nenhum questionamento sério por parte da mídia. Foi só no 11 de Setembro que o Afeganistão voltou ao radar da mídia. A crise que havia deixado 2 milhões de mortos, 6 milhões de refugiados e uma população de mulheres afegãs em condições abjetas finalmente veio à luz (como neste relatório da Anistia Internacional). Mas até mesmo hoje a mídia continua a resistir à análise mais profunda necessária para criar o tipo de mentalidade exigido pela atual intervenção norte-americana no Afeganistão.
Antes, durante e depois da invasão soviética, a maior parte da imprensa aceitou, sem investigar, a visão segundo a qual se desenrolava uma Guerra Santa muçulmana contra o comunismo. Por aí parou o jornalismo independente. Nem mesmo quando Robert Gates, atual secretário da Defesa dos EUA, e Zbigniew Brzezinski, conselheiro de Segurança Nacional do presidente Carter, admitiram em meio impresso (Gates no livro From the Shadows – algo como “Das sombras” ; Brzezinski, em entrevista em 1998 a Le Nouvel Observateur) que os EUA haviam minado secretamente seus próprios esforços diplomáticos a fim de levar os soviéticos a viver seu Vietnã no Afeganistão, a imprensa norte-americana enxergou o fato como notícia (Gates era um assistente especial de Brzezinski em 1979, na época da invasão; ocupou cargos de alto escalão de inteligência na CIA no início dos anos 1980 e, em 1986, foi nomeado vice-diretor da CIA).
Os comentários de Brzezinski a Le Nouvel Observateur são discutidos em uma entrevista que ele concedeu em 2005 a Samira Goetschel para o filme desta, Our Own Private Bin Laden (“Nosso Bin Laden particular”). Ela perguntou: “Em sua entrevista de 1998 à revista francesa Le Nouvel Observateur, você disse que aumentou conscientemente a probabilidade da invasão soviética do Afeganistão.” Brzezinski respondeu: “O ponto, em termos bem simples, era este. Sabíamos que os soviéticos já conduziam operações no Afeganistão. Sabíamos que havia oposição no Afeganistão ao crescente esforço dos soviéticos para assumir o controle. E portanto achamos que fazia muito sentido apoiar aqueles que resistiam. E decidimos fazer isso. É claro que isso provavelmente convenceu ainda mais os soviéticos a fazer o que planejavam fazer…”
Como documentamos em nosso livro Invisible History: Afghanistan's Untold Story (“História invisível: a crônica não narrada do Afeganistão”), o registro contradiz a suposição de Brzezinski de que os soviéticos teriam invadido.
O mundo foi reformulado com a trapalhada soviética no Afeganistão, um império comunista foi destruído e o predomínio ocidental foi garantido. Mas o preço na forma do sofrimento humano no Afeganistão e o impacto sobre nossas liberdades democráticas e a cobertura noticiosa agressiva ainda estão para ser compreendidos. Nossa experiência pessoal com a mídia é um excelente exemplo de como a história do Afeganistão foi emoldurada a fim de encorajar a guerra e ofuscar a solução pacífica. Como a própria guerra fria, é um quadro que ainda assombra o Afeganistão. Hoje, o quadro talvez assombre ainda mais os Estados Unidos.
Paul Fitzgerald e Elizabeth Gould, uma equipe de marido e mulher, começaram sua experiência no Afeganistão em 1981, ao se tornar os primeiros jornalistas norte-americanos a obter permissão para entrar no país depois da invasão soviética.
E-mail: gould.fitzgerald@verizon.net
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