Sábado, 20 de dezembro de 2025
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Quando em 1933, através de mil intrigas e manipulações políticas, Franz Von Papen (2), velho político do Partido do Centro Católico, aliado a industriais e banqueiros alemães, convenceu o velho Marechal Von Hindenburg, presidente da Alemanha e empedernido militarista e oligarca, a nomear Adolf Hitler chefe do governo alemão encerrava-se um ciclo na história alemã. Era o Kampfszeit, os tempos de luta dos nazistas pelo poder. Desde 1920, o DNSAP (partido nazista alemão) promovera atentados, tentativas de golpe de Estado, arruaças de rua e homicídios políticos.

Contudo, a elite política alemã – homens “respeitáveis” como Von Papen e Hjalmar Schacht (3), o chamado “mago das finanças” – acreditavam que poderiam controlar o nazismo visando atingir seus próprios objetivos: a derrubada da democracia e a instauração de um regime reacionário estável e duradouro.

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Os nazistas, por mais desagradáveis que fossem, seriam apenas uma ferramenta para atingir seus fins. O resultado foi a maior catástrofe da história alemã e a maior tragédia bélica da história da humanidade.

A direita tradicional  em face dos fascismos

Ao longo da história dos fascismos históricos (isso mesmo, fascismos, no plural: conjunto de movimentos antidemocráticos, ultranacionalistas e racistas surgidos desde os anos de 1920, incluindo aí o nazismo, o franquismo, o salazarismo e, claro, o fascismo italiano. Este, por ser o primeiro a fazer sua estreia no cenário europeu, acabará por denominar o conjunto dos movimentos de extrema-direita) podemos reconhecer um padrão de relacionamento entre os partidos de direita (4) tradicionais e constitucionais e as organizações fascistas.

Os grandes partidos da direita constitucional hoje – como no exemplo clássico dos católicos, dos conservadores e dos liberais em 1933 – assumem uma postura comum: negação de identificação direta e unilateral com os movimentos fascistas.

Contudo, mantém uma relação ambígua e “compreensiva” da agenda extremista de cunho fascista. Assumem vários dos temas da agenda fascista – xenofobia, anti-multiculturalismo, anti-Estado Social, luta contra os impostos que incidem sobre ricos e empresas, identificação entre criminalidade e estrangeiros e entre desemprego e imigrantes. Da mesma forma, apoiam uma crítica violenta, cheia de ódio, aos quadros intelectuais e políticos da esquerda, apontados como traidores da civilização e da raça branca. Por fim, permitem nos seus quadros de base e associações um amplo “intercâmbio” de pessoal com a (sub)cultura política fascista, em especial no ciberespaço e nas suas associações juvenis.

Embora partidos estabelecidos, constitucionais, como os Republicanos, nos EUA; o Likud, em Israel; a CSU/CDU, na Alemanha; o Partido Progressista, na Noruega; a Liga Norte na Itália entre outros, mantenham-se na esfera constitucional, aproveitam-se da pregação de ódio das entidades fascistas para enfraquecer e encurralar os partidos trabalhistas e socialistas. Estes ficaram caracterizados como fracos e antinacionais, no limite traidores, como no caso do assassinato de Yitzhak Rabin em 1995 por um extremista de direita (no bojo de uma violenta campanha do direitista Likud contra o ex-premiê israelense).

Da mesma forma, a violenta campanha do Tea Party nos EUA, endossada pelo Partido Republicano, não é estranha a matança de janeiro de 2011 de seis pessoas numa reunião em Tucson do Partido Democrata local. Notem bem: embora a imprensa internacional queira sempre caracterizar tais ataques como produto da “loucura” de um desequilibrado isolado, os ataques são sempre dirigidos a um alvo político que se opõe à direita local: contra o líder trabalhista em Israel, contra os democratas em Tucson ou os trabalhistas na Noruega. Até a loucura possui um sentido.

Os fascistas em face da direita tradicional

As entidades fascistas, por sua vez, aproveitam-se do oportunismo dos grandes partidos da direita constitucional, para ampliar seu “auditório” e para por em debate suas ideias generalistas e equivocadas sobre, por exemplo, desemprego versus imigração ou criminalidade versus estrangeiros.

A crise econômica, desde 2008, teve um papel relevante no acirramento das tensões internas e no debate sobre a distribuição social do ônus das medidas de “salvação”. A maioria dos países avançados – EUA, Reino Unido, Espanha, Itália – e os chamados “novos” países capitalistas do leste europeu optaram, após uma paralisia inicial, em “investir” grandes somas de dinheiro público em bancos, seguradoras e montadoras de automóveis para debelar a crise. Assumiam, assim, a responsabilidade do passivo gerado pela má gestão dos negócios, pela especulação e pelas consequências da “bolha imobiliária” (o chamado “subprime”).

Seguiu-se, então, um abandono seletivo do fundamentalismo liberal: intervenções salvadoras em empresas irresponsáveis e o abandono de inúmeros programas sociais (como educação e saúde na Inglaterra ) e corte nas políticas de crescimento e de emprego (como na Espanha, Portugal e Grécia).

Para a grande parte da população, na maioria das vezes sem quaisquer iniciação ou militância política, os estados surgiam como arrecadadores vorazes, injustos e perdulários dos impostos públicos. Haveria uma maior sensibilidade para salvar as grandes empresas e os empregos milionários de gerentes irresponsáveis do que com a garantia do emprego dos trabalhadores contribuintes.

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Assim, não é de estranhar que uma parcela importante das populações nos países avançados – em especial pequenos empresários, fazendeiros, lojistas e funcionários das empresas privadas (todos eles contribuintes diretos e indiretos) se rebelassem contra o Estado “devorador e insensível”. Estes mesmos segmentos sociais voltam sua frustração diretamente contra estrangeiros, muitos deles concorrentes no pequeno comércio ou em empregos menos remunerados, abrindo caminho para a xenofobia e o ódio racial, estopim do processo de fascistização.

Campanhas anti-impostos e pelo Estado mínimo – cortando programas das classes trabalhadoras, vistas como privilegiadas nas suas relações com o Estado e ações afirmativas voltadas para minorias – são abraçadas com fervor, em especial pelo Tea Party, a Liga Norte, Fronte Nacional, na França, e o Partido Progressista, na Noruega.

A luta contra o Estado Social

Os partidos da direita constitucional, no mais das vezes profundamente imbricados com o mundo dos negócios, acabam por ver na crise uma oportunidade para desinvestimentos, cortes de programas sociais e de ajuda humanitária, configurando forte convergência com as associações fascistas. Tais medidas, para além de serem um programa de aprofundamento da recessão – como na Grécia, Espanha e Portugal – implicam em legitimar a plataforma fascista, gerando ainda mais desemprego e mal-estar social.

Os partidos da esquerda constitucional, por sua vez, emparedados entre a crise e as acusações de fraqueza perante a “invasão de estrangeiros” e de ações de antinacionais, vacilam e abrem mão de plataformas progressistas e reformistas, aceitando vergonhosamente (como em Portugal, Grécia, França) a distribuição socialmente injusta do ônus da crise econômica gerada pelo fundamentalismo neoliberal.

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As preocupações com a inflação e o equilíbrio fiscal sobrepõem-se às políticas de emprego e de crescimento econômico.

Neste contexto, os partidos de esquerda ficam incapazes de apresentar alternativas nas áreas sociais, mantendo-se exclusivamente no âmbito do debate sobre quem seria o melhor gerente da crise. Da mesma forma, a esquerda falhou miseravelmente em assumir um papel de condutor, esclarecedor, das razões da crise e dos interesses da sociedade.

No momento em que o neoliberalismo entrava em crise, a esquerda assumiu a sua gerência. A população revoltada, os “indignados”, em Atenas, Madri ou Lisboa, em especial os jovens, não enxergam alternativas viáveis nos grandes partidos socialistas. Numa linguagem gramsciniana, a esquerda estabelecida renunciou ao seu papel de “Príncipe moderno”.

Foi desta forma, que os pequenos grupos fascistas – imbuídos de raiva, frustração e inveja – emergiram com respostas tão fáceis e diretas quanto incorretas. Apontar para os imigrantes, para os estrangeiros ou para uma conspiração judia mundial era fácil. E, além disso, de grande capacidade de aderência popular.

A maré neonazi

Desemprego= imigração; crise econômica= estrangeiros; recessão= dirigismo estatal; carestia= euro.

Tudo simples, direto e sem questionamentos muito complicados. Foi neste contexto que se desenvolveu uma ampla (sub)cultura política fascicizante: ocupou o ciberespaço (são 12 sites eletrônicos na Noruega fazendo propaganda nazista!), as rádios e os temas televisivos cotidianos. Bandas de rock, do estilo “Black Metal”, desenvolveram signos, canções e atitudes neonazis na Alemanha, Reino Unido, Suécia e Noruega. Alusões ao satanismo e ao ocultismo proliferaram, com o uso de runas e de ícones nazistas, como a suástica e a runa “SS” em pretensos cultos que vandalizam cemitérios e antigas igrejas.

Em outros casos emergiu um forte neopaganismo, como nos grupos “Viking” sueco e “Vigrid” norueguês, ambos intimamente associado ao grupo de supremacia branca norte-americano “National Alliance”. Na própria Noruega emergiu uma sociedade “Aasatru” (denominação da mitologia nórdica), de culto pagão e adoração a runas nazistas.

Tais organizações negam a existência histórica do genocídio dos judeus na Segunda Guerra Mundial, falando odiosamente de um “Holocash” – uma impostura judia para arrancar dinheiro dos países germânicos. Ao lado disso, uma velha mentira, como o livro “Protocolos dos Sábios de Sião” foi reeditado e vendido publicamente na Noruega. Em outros casos, como é o caso do atirador Anders Behring Breivik, desenvolveu-se um forte e intolerante fundamentalismo cristão, profundamente anti-muçulmano e anti-socialista. Estes são elementos comuns da cena fascista contemporânea.

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Uma temática especial mereceu a atenção dos novos fascistas: a revisão positivada dos fascismos históricos, recuperando uma memória construída sobre os imaginados “bons tempos” dos anos de 1930 e da própria ocupação nazista durante a guerra. Ao lado do revisionismo histórico, desenvolveu-se também o negacionismo, a recusa em aceitar o genocídio de judeus, ciganos, doentes mentais, testemunhas de Jeová e gays pelos nazistas.

Isso já havia acontecido entre 1991 e 1996, numa primeira vaga revisionista/negacionista. Agora ressurge uma segunda vaga visando passar a Segunda Guerra Mundial a limpo. Na França, Itália, Alemanha, Espanha, Noruega e Suécia vários grupos buscam negar a realidade histórica do holocausto e reabilitar os velhos fascistas nacionais, como é o objetivo do pretenso “Norwegian Occupation History Institute”.

Ao mesmo tempo políticos, intelectuais e celebridades – como Jorg Haider (5), Gianfranco Fini (6), o estilista John Galliano e o cineasta Lars von Trier – fazem declarações desculpando e “entendendo” personagens como Mussolini e Hitler, numa clara banalização da maior tragédia da história contemporânea.

Os governos europeus, e os EUA, por sua vez, fecham os olhos frente à contínua fascistização das instituições do estado liberal, em especial da polícia e das autoridades aeroportuárias. A promiscuidade da grande imprensa, como o império Murdoch (na Inglaterra, EUA e Austrália), com as lideranças conservadoras, como o Tea Party nos EUA e a polícia, oculta o montante da maré neonazi. A polícia, sob instigação da “luta antiterrorista” mata inocentes e brutaliza oponentes antifascistas, como na Inglaterra, França e Espanha.

Nos estádios de futebol multiplicam-se as manifestações abertamente racistas contra atletas negros e árabes, tudo isso em face da leniência das autoridades e das instituições ditas culturais e esportivas.

É a multiplicação dos microfascismos no interior do próprio estado liberal.

Mais uma vez, a sociedade e o Estado comportam-se como Franz von Papen e seus seguidores católicos, conservadores e liberais. Negam-se a ver a ameaça nazista que bate à porta.

Com estrondo.

Notas:

[1] Devo a inspiração desse título ao livro “Lúcifer ante portas”, de Rudolf Dihls (Interverlag, Zurique, 1950), “Oberführer” da Gestapo entre 1933 e 1934, quando então se afasta do nazismo.

[2] Franz von Papen (1879-1969 ) político reacionário alemão, membro do primeiro gabinete de Hitler e político que viabilizou aquele governo junto aos empresários e militares alemães.

[3] Hjalmar Schacht (1877-1970) político, banqueiro e empresário alemão responsável pela administração financeira no gabinete de Hitler.

[4] Embora se fale muito no fim das oposições “direita versus esquerda” continuo achando válida, e mesmo imprescindível, a díade. Utilizo aqui as noções de “esquerda” e de “direita” conforme proposta de Norberto Bobbio no livro “Direita e esquerda: razões de uma diferença” (São Paulo, Edusp, 1999).

[5] Jorg Haider (1950-2008), líder do abertamente fascista partido FPÖ (Partido Austríaco da Liberdade).

[6] Gianfranco Fini (1952), líder do partido dito pós-fascista italiano Aliança Nacional e depois ministro de Berlusconi no Partido Povo da Liberdade.



(*) Francisco Carlos Teixeira é professor de Relações Internacionais/UFRJ. Artigo publicado originalmente na Carta Maior.

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