Sábado, 6 de dezembro de 2025
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É possível que Donald Trump tenha inaugurado uma nova fase do imperialismo. Não por romper com o que veio antes, mas por tornar explícito o que, até então, se fazia sob o disfarce da ordem liberal e dos formalismos do pacto pós-45. Ao aplicar sem filtros a lógica predatória das relações empresariais à geopolítica, ele transformou o Estado em instrumento de extorsão aberta. O que antes se escondia sob fórmulas diplomáticas passou a ser enunciado como ameaça pública, chantagem tarifária, retaliação econômica e corrosão deliberada das instâncias multilaterais.

Esse movimento não foi apenas retórico. A política externa dos Estados Unidos sob Trump está operando como um braço armado de interesses empresariais e eleitorais, abandonando qualquer pretensão de universalidade normativa. O comércio internacional virou campo de batalha pessoal; alianças históricas ruem ou se caricaturizam; e os trunfos diplomáticos se reduzem a fichas de barganha. Trump parece empenhado em aproximar os rituais das relações internacionais dos métodos de chantagem próprios ao capitalismo financeiro e aos oligopólios corporativos.

É possível que Donald Trump tenha inaugurado uma nova fase do imperialismo. Não por romper com o que veio antes, mas por tornar explícito o que, até então, se fazia sob o disfarce da ordem liberal e dos formalismos do pacto pós-45. <br> (Foto: White House / Daniel Torok)

É possível que Donald Trump tenha inaugurado uma nova fase do imperialismo. Não por romper com o que veio antes, mas por tornar explícito o que, até então, se fazia sob o disfarce da ordem liberal e dos formalismos do pacto pós-45.
(Foto: White House / Daniel Torok)

O que o trumpismo revela, nesse contexto, é menos uma ruptura e mais uma radicalização de tendências já em curso. A centralidade do dólar, o uso de sanções como arma de guerra econômica, a manipulação de tarifas e a instrumentalização das instituições multilaterais já faziam parte do repertório imperial. O diferencial de Trump está na transparência brutal do gesto. Ele escancarou o que os tecnocratas costumavam administrar com hipocrisia civilizada: as relações internacionais operam sob pressão, chantagem e cálculo. O que se vendia como ordem baseada em regras revela-se, em sua forma exposta, como sistema de comando e recompensa – um modelo em que a força define os termos e a aparência de consenso é apenas um efeito de assimetria consolidada.

Mais do que um desvio tático, o trumpismo funciona como um espelho deformado da própria ordem global. Ao retirar a maquiagem dos tratados multilaterais, ele expôs o funcionamento bruto de uma lógica já naturalizada: competição sem freios, dominação por força econômica e soberanias tratadas como ruídos. A novidade não está nos métodos – mas na disposição de mostrá-los sem pudor, como se a brutalidade fosse sinal de eficiência. Ser implacável tornou-se um princípio de comando.

Nesse sentido, talvez Trump não tenha criado uma nova doutrina – apenas tenha retirado as luvas. Sua política externa não rompeu com a lógica imperial, mas a atualizou no registro da intimidação direta. Mais do que um episódio, ele oferece um método: projetar o Estado como empresa de cobrança, usar o comércio como instrumento de punição e tratar aliados como devedores em mora. A recente ofensiva tarifária contra diversos países, incluindo o Brasil, mostra isso com nitidez. A exclusão pontual de centenas de produtos da alíquota de 50% não sinaliza recuo, mas obedece à lógica do medo calculado: apresenta-se o castigo, observa-se a reação, e negocia-se a rendição. O mais inquietante é que essa coreografia da imposição deixou de ser exceção. O império permanece – só que agora sem ensaio, sem maquiagem e sem vergonha.

(*) Ricardo Queiroz Pinheiro é bibliotecário, pesquisador e doutorando em Ciências Humanas e Sociais.