Três partidos britânicos e nada sobre o exército
Três partidos britânicos e nada sobre o exército
O Reino Unido tem 10 mil soldados combatendo no Afeganistão em uma horrível campanha de “contrainsurgência”, com sucesso relativo. Nossos soldados são valentes, mas até mesmo seu equipamento inadequado é extremamente caro num momento em que o Reino Unido sofre um rápido processo de esgotamento de verbas. Um soldado britânico tem uma morte cruel no Afeganistão a cada período de poucos dias. A maioria é despedaçada por engenhosas bombas talibãs – e muitos outros são terrivelmente feridos.
Em um dos paradoxos repugnantes da moderna medicina militar, é possível manter vivo um soldado que, em algum conflito anterior, teria morrido no campo de batalha. Alguns escapam de uma morte horrível apenas para ter uma vida horrível. As histórias de quem luta bravamente para se recuperar são contadas com drama nos jornais e na televisão. As vítimas mais graves permanecem ocultas.
Nossa presença naquele país é justificada pelo governo e pelos comandantes militares com o argumento de que é necessário tornar as ruas do Reino Unido mais seguras. Este é o “porquê”. Como um slogan publicitário, o argumento é constantemente repetido. Seus defensores raramente mostram como isso funciona. Qualquer pessoa que desconfie é taxada de infiel a nosso exército. Mas poucos se convencem. No Reino Unido, o terrorismo fundamentalista é obviamente uma ameaça interna. Ela está aqui e deveria ser combatida aqui. A segurança começa em casa, e não a milhares de quilômetros, em uma parte do mundo que os britânicos abandonaram há 60 anos. Uma eleição geral está em curso e ninguém fala do Afeganistão – nem mesmo da incapacidade do Ministério da Defesa de garantir que os soldados no país recebam suas cédulas eleitorais a tempo. Por quê?
Parte da resposta está na natureza de nosso sistema político. Os principais partidos determinam a agenda. A guerra no Iraque foi uma armação bipartidária envolvendo o governo trabalhista e uma zelosa oposição conservadora. Desta vez, no Afeganistão, ocorre uma armação tripartidária.
Por um momento em meados do ano passado, pareceu que Nick Clegg, estrela do debate da última quinta-feira (15/4), romperia com seu grupo. Em um artigo publicado em 8 de julho, ele deixou claro seu crescente mal-estar com o consenso entre os partidos. As palavras foram duras e honestas: “As vidas de nossos soldados estão sendo desperdiçadas porque nossos políticos não querem arrumar a casa.” Mas não deu em nada. Clegg embarcou na onda do presidente Obama e agora seu programa eleitoral promete que os liberal-democratas serão “simpatizantes críticos da missão no Afeganistão”.
A posição manifestada no programa conservador é a que se esperaria de um partido dominado por neoconservadores retrógrados: “Estamos comprometidos com o sucesso de nossa missão no Afeganistão e não deixaremos nossas Forças sem os recursos necessários para o cumprimento deste objetivo.” É verdade que Gordon Brown deixou de equipar nossos soldados adequadamente, apesar de seu tempestuoso desmentido no debate de quinta-feira. Mas a ideia de que mais helicópteros e veículos blindados permitirão o sucesso indica que os conservadores não fizeram a lição de casa. Uma rápida troca de emails com os generais soviéticos derrotados no Afeganistão há 25 anos poderia oferecer algum subsídio para a grandiosamente intitulada “equipe de segurança nacional” conservadora.
O silêncio sobre o Afeganistão também está ligado à própria natureza de muitos políticos modernos. Sintomaticamente, nenhum dos candidatos a virar primeiro-ministro em 7 de maio serviu seu país a não ser como um político partidário. Talvez Brown sonhasse em ser um oficial escocês de saiote e espadão, mas seu sonho tenha sido cruelmente frustrado pela perda de um olho jogando rúgbi. Neste caso, sinto muito por ele.
A incapacidade de Cameron de se preparar para a chefia do governo com algo mais que uma temporada como conselheiro especial e outra como relações públicas na televisão é estranha, dada sua educação. Teria sido fácil para ele alistar-se no Exército para um serviço breve, como fizeram muitos de seus contemporâneos de Eton. Desconfio que Brown e Cameron sentem-se um pouco culpados por isso, considerando o alcance e o perigo de nossas recentes e atuais expedições militares. O mesmo provavelmente vale para Nick Clegg. Como resultado disso, eles adoram as sessões de fotos com os soldados (a recíproca não é verdadeira), mas praticamente não têm ideia de como gerir um conflito ou lidar com oficiais de alta patente.
Sofredores
O efeito mais grave dessa inexperiência aparece, obviamente, no partido governante, o trabalhista: os arranjos de comando e controle acertados pelos ministros para o Afeganistão são inadequados e amadores. O Quartel-General Conjunto Permanente que cuida do assunto precisa encontrar a melhor maneira de enviar grandes contingentes de pobres coitados da infantaria para patrulhar áreas que, em essência, são campos minados de baixa densidade. Mas o homem no comando é um oficial da Força Aérea Real, assim como o Chefe do Estado-Maior, marechal Jock Stirrup – e até mesmo como nosso principal oficial de ligação com o general Petraeus, que lidera o show americano. Duvido que o almirante Nelson teria sido muito bom em seu cavalo em Waterloo ou que o Duque de Wellington teria sido eficiente em um tombadilho em Trafalgar, mas é assim que estamos conduzindo as coisas no Afeganistão.
A bravata dos conservadores segundo a qual eles sabem como fazer as coisas direito soa particularmente vazia depois do caso Dannatt. O fato de um comandante do Exército na ativa se tornar tão próximo da oposição oficial contraria o Código de Conduta das Forças Armadas e é, portanto, uma clara violação da disciplina militar. Gordon Brown agiu certo ao negar ao general Dannatt a participação na Câmara dos Lordes.
Mas no fundo duvido que ignorar o custo financeiro e físico do Afeganistão seja apenas uma armação política. Em parte, isso tem a ver com todos nós. Enquanto o status de nosso país no mundo continua a decair, agarramo-nos a lembranças de um passado mais vigoroso e glorioso. A campanha no Afeganistão pode ser equivocada e mal conduzida, mas a coragem extraordinária de nossos soldados em uma luta distante, cruel e exaustiva ainda pode inspirar e confortar quem está seguro em casa.
O triste é que nossas tropas no Afeganistão se tornaram um exército sofredor, e não um exército vencedor. Suas glórias e dificuldades lembram o capitão Robert Scott, que morreu ao tentar atingir o Polo Sul, mais do que qualquer outro personagem da história britânica. As palavras de um sobrevivente da última expedição de Scott, há quase um século, poderiam valer também para nossos nobres esforços de hoje no Afeganistão: “… embora tenhamos obtido uma tragédia de primeira classe … a tragédia não era nosso propósito”.
*Crispin Black é inglês, ex-analista de inteligência do governo britânico, e candidato parlamentar independente pela circunscrição de Wiltshire do Sudoeste. Artigo originalmente publicado no jornal The Independent.
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