Sábado, 6 de dezembro de 2025
APOIE
Menu

Em 7 de dezembro de 2022, o Congresso peruano deu um golpe de Estado e destituiu o presidente constitucional Pedro Castillo do cargo. Naquele dia, o fujimorismo liderou o processo de destituição de Castillo e expressou inequivocamente seu apoio à pessoa que seria nomeada presidente, ou seja, Dina Boluarte, vice-presidente e eleita pelo partido esquerdista Peru Libre.

No mesmo dia, a própria Keiko Fujimori – herdeira do líder golpista Alberto Fujimori e líder do Força Popular, o partido fujimorista – manifestou seu apoio a Boluarte pelo Twitter: “este não é um momento para ideologias, nem para direita ou esquerda. Presidente Boluarte, nós lhe desejamos sucesso na formação de um governo de unidade nacional”.

Por que a líder do fujimorismo estava apoiando explicitamente uma liderança que deveria estar do lado oposto? A resposta foi revelada nos seis meses seguintes, durante os quais a aliança entre o fujimorismo – que lidera a maioria no Congresso – e Boluarte foi explicitada.

Já em fevereiro de 2023 – com mais de 60 pessoas mortas no Peru como resultado da repressão do governo aos protestos contra a destituição de Castillo – a presidente Boluarte e Fujimori se encontraram no Palácio do Governo em uma reunião que descreveram como “ampla, longa e sincera”. Dias depois, o porta-voz do Força Popular no Congresso enfatizou o apoio do fujimorismo à Boluarte, indicando que manteria seu apoio enquanto “ela não fizesse nenhuma mudança”. E assim foi feito. O fujimorismo encabeçou a aliança de direita de 66 deputados – um a mais do que a maioria absoluta no Congresso peruano – composta pelas legendas Força Popular (24 deputados), Renovación Popular (nove deputados), Acción Popular (14 deputados), Avanza País (nove deputados) e Alianza Para el Progreso (10 deputados), que garantiu à Boluarte o apoio do legislativo.

Com esse apoio, quando a proposta de questionar o primeiro-ministro Alberto Otárola por sua responsabilidade nos massacres de Ayacucho e Juliaca chegou ao Congresso, em 9 de março, foi o Força Popular que defendeu o primeiro-ministro com seus votos.

Em mais duas ocasiões, a maioria conservadora no Congresso salvou os ministros de Boluarte de serem questionados. Na primeira, o ministro da Educação, Becerra, foi poupado em março, depois de chamar de “animais” as mulheres aymaras que levaram seus filhos para as marchas. No segundo, em maio, a ministra da Saúde, Rosa Gutiérrez, foi poupada de denúncias por ter viajado aos Estados Unidos em meio ao desastre humanitário causado pelas chuvas e pelo ciclone Yaku.

Também em maio, enquanto o Peru passava por uma crise diplomática com os governos da Colômbia e do México, Fujimori foi quem mais ativamente saiu em defesa de Boluarte: “se eu tiver que decidir entre apoiar López Obrador e Petro ou Dina Boluarte, com certeza apoiarei aquela que chegou à Presidência legal e constitucionalmente. Esse é o papel que todos nós temos que desempenhar como peruanos”, publicou Keiko no Twitter.

Presidente peruana, que assumiu após golpe contra Castillo, teve sua vida facilitada pelo fujimorismo até aqui, mas pacto tende a se romper à medida que eleições se aproximam

Flickr/Presidencia Perú

Presidente do Peru, Dina Boluarte, participa de uma cerimônia da Marinha peruana

Talvez a expressão mais formal do apoio do fujimorismo à Boluarte tenha ocorrido em 9 de junho, quando o Congresso aprovou uma reforma legislativa que permitiria a presidente viajar para fora do país – algo que o Congresso sistematicamente negou a Castillo – e, além disso, continuar a governar telematicamente.

Em troca do apoio de Boluarte, o fujimorismo estendeu sua presença e influência definitivas sobre os vários Ministérios do governo, viu o aparato policial-militar peruano – que é simpático ao fujimorismo – ser fortalecido e, talvez, a contrapartida mais clara ainda esteja por vir: o fortalecimento do controle do Tribunal Constitucional, cuja renovação foi aberta em 28 de abril com o objetivo de facilitar a nomeação de um novo magistrado próximo a Fujimori.

A verdade é que, até agora, a aliança entre Boluarte e Fujimori parecia ser forte e lucrativa para ambas as partes. Entretanto, na terça-feira, 13 de junho, o Força Popular anunciou uma mudança de atitude em relação ao governo de Dina Boluarte. Dois dias depois, em 15 de junho, Keiko Fujimori deu substância a essa posição ao exigir mudanças em várias pastas do governo de Boluarte: Saúde, Agricultura, Interior, Energia e Minas.

Apenas um dia depois, veio a renúncia do Ministro da Saúde, o primeiro a ter uma interpelação no Congresso no horizonte.

O que estava acontecendo? A resposta veio alguns dias depois, quando Fujimori reabriu publicamente o debate sobre sua possível candidatura à Presidência do Peru. Esse é o elemento-chave para entender o suposto ataque à Boluarte. Fujimori, na corrida eleitoral, teria percebido o custo de seu apoio a ela estaria tentando reforçar seu controle sobre o governo para que o custo fosse compensado, ou, por outro lado, romper os laços com Boluarte para chegar livre nas próximas eleições.

A bola está no campo de Boluarte, que sabe que, sem o apoio do fujimorismo, não só os seus dias como presidente estão contados, como também uma espada de Dâmocles (prisão) paira sobre o seu futuro. De qualquer forma, Boluarte entrará para a história como a mulher genocida efêmera que é: a única coisa que lhe resta resolver é se ela pode adiar seu fim entregando as cabeças de seus ministros a Fujimori ou apressar seu próprio final.

(*) Sergio Pascual é engenheiro em telecomunicações e antropólogo espanhol.

(*) Tradução de Pedro Marin.