Serge Gainsburg e Brigitte Bardot: música-cine-cartoon
Serge Gainsburg e Brigitte Bardot: música-cine-cartoon
O gênio musical francês Serge Gainsbourg viveu assombrado pela imagem distorcida que fazia de si próprio. Criança, conversava com um amigo imaginário de cabeça e corpo hipertrofiados e uma porção de pernas – não percebia que se tratava de uma transfiguração de si próprio. Adulto, entendeu que o fantasma era ele – uma versão gigante, angulosa, cheia de dedos, mais magra, comprida, orelhuda e (principalmente) nariguda dele.
O parágrafo acima não é (necessariamente) verdadeiro. Serge está morto desde 1987 (viveu velozes 62 anos), não é possível saber quais eram ou não eram seus fantasmas. Mas as situações acima acontecem, sim, tão fantasiosas quanto palpáveis, no filme Gainsbourg (Vie héroïque), 2010, de Joann Sfar, atualmente em cartaz no Brasil, sob o subtítulo cafajeste “O Homem Que Amava as Mulheres”.
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O diretor, também quadrinista e cartunista, emprega ilustrações e bonecos de fábula para tecer considerações sutis e perspicazes sobre seu personagem. Sua criação guarda algo em comum com outra feliz cinebiografia de um astro pop, Não Estou Lá (2007), de Todd Haynes, que se embrenhava pela personalidade de Bob Dylan não por intermédio de bonecos, mas entregando o personagem eleito a diversos intérpretes – homens ou mulheres, brancos ou negros, adultos ou crianças.
Divulgação

Cartaz do filme já pode ser considerado 'transgressor' nos dias de hoje
Num outro possível ponto de contato, o Gainsbourg de Joann deveria ter sido interpretado por uma mulher, Charlotte Gainsbourg, filha de Serge (e também cantora, além de atriz).
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Ela desistiu do papel pela exigência emocional que significaria, e o diretor quase desistiu do filme, até que encontrasse em Eric Elmosnino um assombroso sósia do autor da clássica e escandalosa canção Je T'Aime, Moi Non Plus (1969).
Teaser de Gainsbourg (Vie Heroïque)
O casamento harmônico que o cineasta produz entre música pop, cinema e história em quadrinhos é o segundo maior trunfo do filme – o primeiro é Serge, ou melhor, a obra musical de Serge, caudalosamente presente na narrativa. A sincronia dessas linguagens rende as cenas mais impactantes de Gainsbourg, em especial quando surge na tela Brigitte Bardot, interpretada por Laetitia Casta.
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Serge e Brigitte eram atores e cantores, música e cinema, e as cenas ultrapop que os personagens protagonizam juntos podem ser tão fantasiosas quanto as assombrações cabeçudas de Joann (como saber?). Mas são impactantes o suficiente para dar impressão de que aquelas duas figuras só existiram na chamada vida real para algum dia virar um filme – este filme.
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Gainsbourg e Bardot, interpretados por Eric Elmosnino e Laetitia Casta
As músicas que Serge e Brigitte gravaram juntos em 1968 são puro cartoon, e Joann elege duas das melhores – Bonnie & Clyde, cinema pop em forma de canção; e Comic Strip, que Serge compôs utilizando onomatopeias de HQ e Brigitte interpretou maravilhosamente. A recriação cinematográfica do advento da canção faz Comic Strip ficar mais sensacional do que já era.
“Serge e Brigitte” na concepção de Bonnie & Clyde
Em cenas como essas ou a do encontro com o gato preto da cantora Juliette Gréco, o resultado final é música-cine-cartoon a um só tempo delirante e hiperrealista, nada muito diferente dos bonecos que esfacelam e decifram de fora pra dentro a mente de Serge.
Comic Strip
Sobretudo nas cenas com Brigitte, estamos diante de arte pop da melhor estirpe, de fazer jus não só à excelência do Dylan de Não Estou Lá como, principalmente, aos mitos pop Bardot e Gainsbourg.
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