Rejeição a aliança EUA-Israel cresce entre republicanos e democratas
À direita e esquerda, ascenção dos movimentos Democratic Socialists e America First enfraquece o apoio incondicional da sociedade americana ao militarismo israelense
As últimas semanas assistiram a uma profunda transformação na percepção da sociedade norte-americana sobre a relação entre os EUA e Israel. À esquerda e à direita, um número crescente de americanos vem criticando a “relação especial” entre os dois países, num momento em que Israel promove um genocídio contra os palestinos e conduz diversas guerras no Oriente Médio.
Uma pesquisa realizada em junho de 2025 pela Quinnipiac University registrou um apoio recorde aos palestinos – 32% – desde 2001. Embora o apoio a Israel ainda seja majoritário, com 37%, esse número representa o menor patamar da série histórica. Em outubro de 2023, os israelenses contavam com 61% de apoio, contra apenas 13% aos palestinos.

Manifestação em solidariedade à Palestina em Londres.
(Foto: Alisdare Hickson / Flickr)
Além disso, o ataque dos EUA ao Irã, após pressões de políticos israelenses para que Donald Trump se envolvesse em mais uma guerra, gerou protestos nas ruas e críticas de todos os lados. Pela primeira vez desde o 11 de setembro, a maioria da população americana se posicionou contra a participação do país em um conflito armado no Oriente Médio. Segundo pesquisa YouGov, cerca de 85% dos americanos não querem ver os EUA em guerra com o Irã, e 47% desaprovam o ataque às usinas nucleares iranianas.
Embora um rompimento com Israel ainda pareça altamente improvável, é possível que estejamos testemunhando uma transformação social que, num futuro próximo, leve a uma mudança significativa nessa aliança e na política imperialista dos EUA.
Socialistas pró-Palestina avançam sobre o Partido Democrata
Em Nova York, Zohran Mamdani, um jovem socialista e muçulmano nascido em Uganda, venceu as prévias do Partido Democrata para a prefeitura da cidade. Ele concorreu com uma plataforma que defendia a intervenção estatal no controle de preços de alimentos, aluguéis e na provisão de saúde infantil – além de apoiar abertamente a causa palestina.
Mamdani afirmou que o que ocorre em Gaza é um genocídio e defendeu que o slogan “Globalize a Intifada” não é antissemita. Nova York é a segunda cidade com maior número de judeus no mundo – cerca de 800 mil. Enquanto seus adversários prometeram que seus primeiros atos como prefeitos seria visitar Israel para agradar a sua base eleitoral judaica, Mamdani declarou que permaneceria na cidade para resolver suas questões locais. Afirmou ainda que prenderia Benjamin Netanyahu caso o primeiro-ministro israelense, condenado por crimes de guerra pelo Tribunal Penal Internacional, colocasse os pés em Nova York.
A ascensão de Mamdani representa uma inclinação à esquerda que a política americana vem atravessando desde o movimento Occupy, de 2011, que reivindicava mais direitos sociais para a maioria da população diante dos resgates bancários promovidos pelo governo após a crise financeira de 2007-08. A força do movimento antirracista Black Lives Matter e o crescimento dos Democratic Socialists of America (DSA), organização da qual Mamdani faz parte, trouxeram a questão palestina para o centro da política interna americana sob uma perspectiva de solidariedade internacional.
Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez, que percorrem o país em uma campanha contra a oligarquia que controla os EUA, já expressavam a pressão da juventude democrata por políticos mais progressistas. No entanto, os acampamentos universitários e os protestos liderados por judeus antissionistas contra o genocídio em Gaza representaram uma inflexão ainda mais à esquerda no eleitorado nova-iorquino, abrindo espaço para o discurso mais radical de Mamdani. Enquanto Sanders limita suas críticas ao governo Netanyahu e ainda defende o “direito de defesa” de Israel, Ocasio-Cortez moderou seu apoio aos palestinos à medida que se aproximou do establishment do partido.
Os números reforçam essa mudança. Cerca de 60% dos americanos que se identificam com o Partido Democrata demonstram mais simpatia pelos palestinos, contra apenas 12% que simpatizam com os israelenses. Outra pesquisa apontou ainda que o apoio do ex-presidente Joe Biden ao genocídio em Gaza foi uma das causas da derrota de sua vice, Kamala Harris, para Trump nas eleições presidenciais de 2024. Andrew Cuomo, ex-governador de Nova York e representante do establishment democrata na disputa contra Mamdani, foi derrotado com uma campanha pró-Israel e islamofóbica – uma estratégia que antes costumava ser bem-sucedida. Isso demonstra que o eleitorado democrata passou a exigir um novo posicionamento em relação à causa palestina.
“America First” anti-Israel avança sobre o Partido Republicano
Embora a pesquisa da Quinnipiac University ainda aponte amplo apoio a Israel entre os republicanos – 64% —, outras sondagens revelam mudanças entre os mais jovens. Enquanto apenas 7% dos republicanos com mais de 50 anos acham que os EUA apoiam excessivamente Israel, esse número sobe para 31% entre os que têm entre 18 e 49 anos. Uma pesquisa do Pew Research Center, de março de 2025, revelou uma divisão inédita nesse grupo etário: 48% viam Israel positivamente, enquanto 50% tinham uma visão negativa.
Esses números apontam não apenas para uma tendência geracional, mas também para a ascensão do movimento America First, que prega a prevalência dos interesses do povo americano sobre qualquer envolvimento em assuntos externos. Há uma percepção crescente entre os adeptos dessa ideologia – como o jornalista Tucker Carlson, o podcaster Joe Rogan e o estrategista Steve Bannon – de que Israel interfere excessivamente na política dos EUA.
Carlson elogiou Mamdani por priorizar as necessidades da classe trabalhadora americana em detrimento dos interesses israelenses e criticou abertamente o lobby pró-Israel. Rogan condenou o uso do “direito de defesa” para justificar o assassinato sistemático de crianças palestinas. Bannon criticou o envolvimento dos EUA na defesa de Israel na guerra contra o Irã, afirmando: “Esse cessar-fogo foi mais para salvar Israel. Essa é a parte oculta da história… Eles se envolveram em algo além de sua capacidade. Foram tão longe que já não tinham mais nada dentro deles.”
A ideologia America First é hoje mais forte entre os jovens republicanos do que o belicismo neoconservador que marcou o governo George W. Bush. Trump foi reeleito com uma plataforma pacifista, prometendo encerrar todas as guerras em que os EUA estavam envolvidos. Em 2024, 43% de seus eleitores tinham entre 18 e 29 anos – a maioria contrária à influência israelense sobre a política americana. “Para ser ‘America First’, as Estrelas e Listras devem vir antes da Estrela de Davi”, declarou ao Washington Post o universitário Josiah Neumann, de 20 anos.
Num país imperialista como os EUA, a política externa possui centralidade. Embora a maioria do eleitorado ainda apoie o papel dos EUA como líderes globais, não quer ver seu bem-estar comprometido para garantir os lucros do complexo industrial-militar em guerras intermináveis. A classe trabalhadora americana – republicana ou democrata – já não parece disposta a carregar o fardo do militarismo israelense no Oriente Médio – ainda que a ideia de que Israel manipula os EUA seja imprecisa. A ajuda militar americana a Israel desde 7 de outubro soma 17,9 bilhões de dólares, o que representa 70% dos custos militares israelenses no período.

Ajuda militar dos EUA para Israel, 1959-2024. (Fonte: USAID Overseas Loans And Grants)
O apoio incondicional dos EUA a Israel é resultado da crescente influência neoconservadora na política americana, especialmente no Partido Republicano desde os anos 1980. Os neoconservadores defendem que os EUA devem liderar o mundo pela força, tendo como principal inimigo, após a Guerra Fria, o islã. Assim, nações majoritariamente muçulmanos e contrários ao imperialismo ocidental, como o Irã e os palestinos, devem ser combatidos com dureza – e Israel é o instrumento central para executar esse “trabalho sujo”. Os democratas embarcaram nessa política belicista, entre outras razões, pois a maior parte do eleitorado judeu ainda apoia o partido.
Entretanto, o crescimento do America First entre os republicanos e, paralelamente, dos socialistas entre os democratas, pode sinalizar um novo consenso bipartidário: o de que a aliança com Israel já não serve mais aos interesses americanos. Embora mudanças no curto prazo ainda sejam improváveis, a clivagem geracional aponta que a parceria entre EUA e Israel pode estar com os dias contados.























