Queda livre
Morosidade dos espanhóis para tomar uma atitude explica início do debate sobre despejos só após onda de suicídios
Os políticos foram tomados por uma tremenda pressa para tentar consertar o caso dos despejos e começaram a legislar a todo vapor. Mesmo este parágrafo pode ter saído de moda antes que você acabe de lê-lo, mas nós tememos muito que não. Parece que, em vez de fazerem um mandato, estiveram remendando um paraquedas, como se, além da execução das hipotecas, fossem mudar a lei da gravitação universal para que os pobres, a partir de amanhã, flutuem em vez de cair.
Dizem que está difícil legislar no calor, quando ainda não foram retirados todos os cadáveres aterrissados e os que vão aterrissar. Porém, é ainda pior permitir uma situação em que, pelo visto, ninguém tem culpa, nem os bancos, nem os políticos, nem os juízes, nem a política. Ninguém salvou Newton, que se dedicou a legislar sobre maçãs, mas não averiguou o grande mamão pelo qual uma senhora se joga da varanda de sua casa um momento antes de ser expropriada.
De repente, [o secretário-geral do PSOE, Alfredo Pérez] Rubalcaba leu o jornal e disse que é necessário fazer algo, como se as hipotecas fossem feridas na pele que nos acometeram nesta semana e da qual os jornais falam porque não têm outra coisa de que falar. É muito típico do político espanhol isto de se dar conta justamente depois de duas legislaturas próprias, como se Rubalcaba tivesse desperdiçado seus muitos anos de ministro brincando com seu telefone e procurando um tônico para fazer crescer o cabelo.
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A Espanha é um país onde não se coloca um sinal de PARE em uma curva perigosa até que se amontoem uma dezena de mortos; então, de repente, alguém lê o penúltimo acidente nos jornais e solta, preocupado: “É preciso fazer alguma coisa”. E se senta para esperar que alguém o faça. O ruim é que teríamos que colocar o sinal de PARE de cabeça para baixo, que é a direção natural de quem leva anos se depenando sobre suas possibilidades.
Quando alguém deixa uns recibos sem pagar em vez de uma carta de suicídio, significa que a situação já chegou ao fundo do poço. Pela regra, as cartas de suicidas formam uma literatura urgente e desesperada que se divide impreterivelmente em dois grupos: os que estavam muito loucos para continuar vivendo e os que estavam demasiadamente sãos para suportar.
Sobre os loucos, não se pode dizer nada e sobre os sãos, é melhor não dizer. Depois de ler a carta, gera-se um vazio ao redor da vítima, um desconcerto, um remorso tardio por parte daqueles que puderam fazer algo e cruzaram os braços. Habitualmente, as estatísticas não são divulgadas porque se sabe que o suicídio é uma praga que se propaga exponencialmente. Aqui deixamos que se propagasse para ver se os índices da bolsa começam a subir enquanto os índices de população vão caindo, mesmo que seja em queda livre. Ao melhor, a única escapatória da crise é a janela do serviço militar, daí que os suicidas transbordem dos obituários enquanto que, no lugar da família, da namorada ou dos amigos, são os banqueiros, políticos e juízes que vão ficando com cara de babaca.
*Texto publicado originalmente em publico.es























