PJ Harvey: uma horripilante declaração de amor à guerra
PJ Harvey: uma horripilante declaração de amor à guerra
Não é Gaga, não é Rihanna, não é Britney. Do lado britânico e (até onde isto seja possível) undergound, PJ Harvey é uma mulher horripilante. Let England Shake, seu décimo álbum, usa de sonoridade retumbantemente suave para mapear, a partir do subterrâneo, o que vai pelas mentes femininas (quase) pop do outro lado do Oceano Atlântico.
Como o título indica, trata-se de um disco de louvor à Inglaterra, a terra natal da roqueira de inspiração punk Polly Jean Harvey, uma das mais brilhantes compositoras de sua geração para cá (ela tem hoje 41 anos). Acontece que PJ é essencialmente uma mulher irônica, e nem haveria como a louvação ser pura e desinteressada.
Divulgação

Let England Shake é um disco sobre a guerra, por excelência – nisso, PJ é idêntica a suas ímpares Lady Gaga, M.I.A., Christina Aguilera etc. The Words That Maketh Murder versa sobre “soldados (que) caem feito montes de carne” e se compromete (nisso, ela é diferente das divas pop estadunidenses contemporâneas): “Eu vi e fiz coisas que quero esquecer”.
The Words That Maketh Murder / PJ Harvey
The Glorious Land reluz como o suprassumo da ambiguidade no CD. Uma corneta de guerra antecipa uma ode que se insinua positiva, mas se decompõe rumo ao final: “Qual é o fruto glorioso de nossa terra?/ o fruto são crianças deformadas/ qual é o fruto glorioso de nossa terra?/ o fruto são crianças órfãs”.
The Glorious Land/ PJ Harvey
Junto à guerra, aparece a morte como tema compulsivo, de modo a irmanar Let England Shake ao Murder Ballads (1996) do australiano Nick Cave, há muitos anos um duplo masculino da discípula Polly Jean. Em Murder Ballads, Nick era o assassino confesso, menos australiano que mundano. Em Let England Shake, PJ é a assassina, e é a própria Inglaterra.
Leia mais:
Rihanna: sadomasoquismo é o tema
O que aconteceu com David Bowie?
Janelle Monáe discute guerras frias e quentes do pop atual com “Cold War”
Christina Aguilera, do Clube do Mickey ao Clube Militar
Orgia ou romantismo, o que Kylie Minogue está propondo?
Mesmo compondo um retrato tétrico da própria terra (e, principalmente, dos humores daquela terra), a lista de canções do CD não deixa de exalar um amor, talvez um orgulho, pela pátria que quer detratar. A Inglaterra é “beautiful”, na leitura da arrepiante The Last Living Rose. “A natureza cruel venceu outra vez”, conclui On Battleship Hill, num esgar de amor, paixão e tesão pela… guerra.
Reprodução

Eis a questão, sublinhada por clichês açucarados de dor edulcorada como “soldados (que) abraçam suas jovens esposas” (em Bitter Branches): enquanto faz a crítica da guerra, PJ Harvey parece alegorizar a crença na guerra, a obsessão mórbida pela guerra. Ao cabo da audição, é difícil acreditar que a cantora-compositora e o país que ela louva-e-critica detestem a guerra tanto assim como tentam transparecer. Let England Shake soa como uma declaração horripilante de amor.
Siga o Opera Mundi no Twitter
Conheça nossa página no Facebook
NULL
NULL
NULL























