Pela primeira vez, eles tiveram uma revolução...
Pela primeira vez, eles tiveram uma revolução...
Ao assistir aos eventos no Egito e à fuga de Mubarak – do Cairo, pelo menos -, não consigo parar de pensar em Sandinista, aquele grande álbum lançado por The Clash no final dos anos 1980, onde uma canção após outra previa uma onda global de verdadeira democracia varrendo os ditadores, senhores da guerra e fascistas subalternos do mundo. Nenhuma delas era melhor do que Washington Bullets (Balas de Washington):
Oh! Mamãe, mamãe, veja!
Seus filhos estão brincando naquela rua de novo
Você não sabe o que aconteceu lá?
Um jovem de quatorze anos foi morto a tiros
As armas Kokane de Jamdown Town
Os palhaços matadores, os homens do dinheiro sangrento
Estão disparando aquelas balas de Washington de novo
Como mostrará toda cela no Chile
Os gritos dos homens torturados
Lembram Allende, e os dias anteriores,
Antes que o exército chegasse
Por favor lembrem-se de Victor Jara,
No Estádio de Santiago,
Es verdad – aquelas balas de Washington de novo
E na Baía dos Porcos em 1961,
Havana combateu o playboy sob o sol cubano,
Pois Castro é uma cor,
É mais vermelho que o vermelho,
Aquelas balas de Washington querem Castro morto
Pois Castro é a cor…
…que lhe renderá uma rajada de chumboNa primeiríssima vez,
Quando eles tiveram uma revolução na Nicarágua,
Não houve interferência da América
Direitos humanos na América
Bem, o povo combateu o líder
E ele fugiu…
Sem balas de Washington, o que mais ele poderia fazer?
E se você encontrar um rebelde afegão
Que as balas de Washington não conseguiram atingir
Pergunte o que ele acha de votar nos comunistas…
…Pergunte ao Dalai Lama nas colinas do Tibet:
Quantos monges os chineses pegaram?
Em um pântano arrasado pela guerra, aborde qualquer mercenário,
e confira as balas britânicas em seu arsenal
Que? Sandinista!
Clique aqui para acessar o artigo original e ler a letra da música em inglês.
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A América Latina do século 20 teve seu quinhão de homens-fortes com apoio dos EUA derrubados por levantes populares – Jorge Ubico na Guatemala em 1944, Marcos Pérez Jiménez na Venezuela in 1958, Batista em Cuba em 1959 e Somoza na Nicarágua em 1979, entre outros.
A história padrão na época, como hoje no Egito, era a de um governo norte-americano assistindo apreensivo à “história se desenrolar”, como disse Obama ontem, enquanto teme que a revolução se radicalize. Essa inquietação está profundamente enraizada na cultura política dos Estados Unidos, pois, pelo menos desde 1793, quando a guilhotina separou Luís XVI de sua cabeça, um elemento essencial da excepcionalidade norte-americana é o de que só os EUA sabem como ter uma revolução responsável e onde traçar a linha para impedir que os radicais – sejam eles os jacobinos, os bolcheviques, os irmãos Castro, os sandinistas, os mulás ou, agora, a Irmandade Muçulmana no Egito – cheguem ao poder e traiam a promessa de democracia.
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O que está faltando nessa narrativa, é claro, é o papel dos EUA em tornar a radicalização e a militância inevitáveis.
Na Guatemala, uma década depois da revolução democrática, o golpe dos EUA (levado a cabo por Frank Wisner Sr., o pai daquele que seria o enviado norte-americano ao Egito) desencadeou uma guerra civil de quase quatro décadas que resultou em genocídio. Em Cuba (como mostra Lars Schoultz em seu excelente novo livro, That Infernal Little Republic), a recusa de Washington em aceitar o fato de que os cubanos levavam a sério o ideal da soberania causou polarização política e ódio profundos. Tampouco ajudou o fato de os Estados Unidos, antes mesmo da infame invasão da Baía dos Porcos, terem apoiado uma campanha de terrorismo contra a ilha. Na Nicarágua, qualquer corrente “antidemocrática” que existisse na coalizão revolucionária certamente seria reforçada pela guerra ilegal lançada pela mais poderosa nação da história do mundo contra um país desesperadoramente pobre de alguns milhões de habitantes (The Clash foi otimista demais, para dizer pouco).
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Menos conhecida é a Venezuela de 1958. Talvez o vice-presidente Joe Biden, depois de seus comentários imprudentes apoiando Mubarak, demore a visitar o Egito. Mas em 1958, pouco depois de os venezuelanos terem derrubado um ditador apoiado pelos EUA, o vice de Eisenhower, Richard Nixon, fez uma viagem pela América Latina, com a última parada em Caracas. Lá, ele e sua esposa Pat foram alvos de cusparadas e pedras, seu carro foi pisoteado, e o casal quase foi morto por uma multidão furiosa não só com o longo apoio norte-americano a Pérez Jiménez, mas também porque Washington havia concedido asilo político a muitos dos torturadores do antigo regime.
Veja abaixo a reportagem:
Foi a primeira vez que a mídia dos EUA mostrou as sérias críticas à política externa que moviam o nacionalismo do terceiro mundo como um “antiamericanismo” irracional e de massa – uma primeira manifestação da ideia repetida insistentemente por George W. Bush de que “eles nos odeiam porque somos livres”. Aquelas Balas de Washington nunca são mencionadas.
*Greg Grandin é historiador norte-americano e professor de história da Universidade de Nova York. O artigo foi publicado originalmente no The Nation.
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