Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Mais de 3 mil estrangeiros já deixaram Gaza, rumo ao Egito, por meio da passagem de Rafah. Até o momento, nenhum dos 34 cidadãos brasileiros que ali estão e que aguardam a saída desde que a guerra teve início. Um comentarista liberal descobriu há pouco, por raciocínio lógico, que a definição para tal estado de coisas é prisão, o que faz dos brasileiros reféns e do Estado de Israel um carcereiro. Por extensão, deveria reconhecer o mesmo em relação aos 2 milhões de palestinos que vivem em Gaza precisamente sob essas condições, mas com nenhuma proteção diplomática de um terceiro Estado.

Fosse essa a única nova de Israel em relação ao Brasil no dia de ontem – isto é, que os brasileiros mais uma vez terão de esperar para sair de uma zona de guerra – poderíamos dizer, simplesmente, que Israel mantém uma enorme má vontade com o governo brasileiro, o único a tentar construir, no Conselho de Segurança da ONU, uma saída que pudesse ser aprovada por todos os membros e que permitisse pausas humanitárias. Mas, desgraçadamente, somos obrigados a dizer, depois de ontem, que a diplomacia israelense tem feito uma verdadeira ofensiva contra o Brasil, usando as vidas dos brasileiros aprisionados em Gaza como chantagem.

No dia de ontem o embaixador israelense no Brasil, Daniel Zonshine, se reuniu com o ex-presidente Jair Bolsonaro e membros da chamada “bancada conservadora” na Câmara dos Deputados, para mostrar-lhes vídeos da ação do Hamas contra Israel no dia 7 de outubro. Dado que Bolsonaro reconhecidamente é, mais do que opositor do atual governo, alguém que no mínimo buscou desconhecer os resultados das eleições que levaram Lula à presidência (senão alguém que estimulou um golpe de Estado no Brasil); alguém que falava em “metralhar a petralhada” num passado não tão longínquo; e alguém que permitiu que, sob seu comando, a ABIN usasse softwares de espionagem israelenses contra jornalistas e juízes, não será demais dizer que a postura do embaixador israelense é comparável somente a um embaixador brasileiro em Israel que convide membros do Hamas para assistir vídeos de bombardeios israelenses em Gaza. Este foi o primeiro ato provocativo, de guerra diplomática, de Zonshine contra o Brasil.

O segundo ato veio com a prisão, pela Polícia Federal, de supostos membros do Hezbollah que estariam planejando atos terroristas no Brasil. Até aqui, sobre os supostos atos, não há evidências concretas de absolutamente nada – as prisões foram resultado de cooperação do Mossad, agência secreta israelense, com a Polícia Federal –, enquanto perguntas abundam. Por exemplo: por que o Hezbollah estaria planejando atentados terroristas em um país que, no geral, tem mantido posição divergente dos interesses de Israel no Conselho de Segurança da ONU, e que mantém boas relações com o Irã? Que sentido estratégico teriam ações terroristas em um país que, aliás, está neste momento se batendo com Israel, em função precisamente do sequestro de seus cidadãos em Gaza?

Postura do embaixador de Israel é comparável só a um diplomata brasileiro em Israel que convide membros do Hamas a assistir vídeos de bombardeios em Gaza

SO Johnson/FAB

Kits de ajuda humanitária do Governo Federal são desembarcados em Al-Arish, no Egito, de onde seguiram para Gaza

Seja lá o que vier a ser esclarecido no futuro, o fato é que as manchetes “terroristas do Hezbollah presos no Brasil” já cumpriram um papel de propaganda ao Estado do embaixador Zonshine. Mas ele foi adiante: em entrevista ao O Globo, o embaixador disse que “se [os supostos membros do Hezbollah] escolheram o Brasil, é porque tem gente que os ajuda”. Quem os ajuda, embaixador? Em um ambiente em que a extrema-direita nativa que Zonshine acolhe para sessões de cinema grita aos quatro cantos que o Partido dos Trabalhadores tem relações com “grupos terroristas”, o que sugere a finésse diplomática de Zonshine ao O Globo? Foi esta a segunda e inexplicável provocação.

O terceiro ato de guerra diplomática, no entanto, é muito mais grave. É precisamente que Zonshine toma todas estas medidas enquanto seu Estado mantém os brasileiros em Gaza, ciente de que uma resposta brasileira a seus desvarios diplomáticos terá de pesar na balança essas mais de trinta vidas. O embaixador aposta em brincar com fogo em terras estrangeiras, tendo como garantia cidadãos destas terras presos por seu país. Para quem condena o sequestro político com tanta veemência, não há outras palavras para descrever tal Estado que não sequestrador e cínico.