Outra economia: A mensagem sombria, mas de esperança, da Rio+20
Não devemos só rever nosso padrão de consumo, mas também o modo de produção e a relação entre os países
A maior dificuldade enfrentada atualmente nas negociações entre os países para o estabelecimento de metas para o meio ambiente deve-se essencialmente a dois problemas associados entre si: primeiro, a ausência de um marco regulatório global para a sustentabilidade; segundo, a resistência em se adotar uma definição clara, objetiva e mensurável de desenvolvimento sustentável.
Diante destes problemas, que revelam as contradições inerentes ao próprio padrão de acumulação e de consumo das potências econômicas do planeta, o desfecho da última conferência mundial sobre o meio ambiente, a Rio+20, não poderia ter sido outro senão a elaboração de mais uma carta de intenções sem grande poder de interromper o ritmo frenético de devastação ambiental em nosso planeta. Mas nunca as intenções foram permeadas de motivações tão nobres como agora.
Consideremos a questão das instâncias internacionais disponíveis para tratar dos temas ambientais. Para regular as trocas econômicas internacionais, temos a OMC (Organização Mundial do Comércio). Para se discutir pendências e arranjos políticos entre os países o palco privilegiado tem sido a ONU (Organização das Nações Unidas). O sistema financeiro é em parte regido por normatização específica estabelecida nos acordos de Basiléia. No entanto, o mundo ainda carece de um marco regulatório global para resolver conflitos e implementar diretrizes relacionadas ao meio ambiente.
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Até o momento, apenas alguns passos tímidos foram dados neste sentido, como o estabelecimento do protocolo de Quioto ou a realização de conferências globais do clima (ambos boicotados pelos EUA), porém, com resultados pouco eficazes. Uma organização internacional do meio ambiente, tal como para as outras dimensões das relações internacionais entre os países (a financeira, a política, a comercial), seria fundamental para se resolver conflitos e problemas ambientais, estipulando por exemplo metas rígidas de redução das emissões de gases poluentes no âmbito de um marco regulatório para o desenvolvimento sustentável, sob pena de sanções internacionais para os maus alunos.
E eis aqui que surge aquela que me parece ser a principal incoerência do documento final da Rio+20. Do que estamos falando exatamente quando mencionamos o desenvolvimento sustentável das nações? Esta é uma temática que se tornou central no debate a partir dos primeiros alertas de ambientalistas que associaram o uso indiscriminado dos recursos naturais com o aquecimento global. No entanto, o termo sustentável se tornou rapidamente uma panacéia, incluindo tudo – e portanto nada –, especialmente após a sua inteligente apropriação pelo marketing das grandes corporações privadas globais.
Iludidos pela propaganda, muitos consumidores se sentem aliviados em sua consciência ambiental quando encontram selos verdes ou algo do gênero em seus produtos preferidos (desde cadernos até carros com tração nas quatro rodas). A hipocrisia é tamanha que o Brasil, entre outros países emergentes, tem se colocado como exemplo de uma estratégia de desenvolvimento pretensamente movida a energia renovável e sustentável. Alusão refutada por quaisquer dos indicadores sólidos de sustentabilidade adotados no debate científico dos climatólogos, não por acaso afastados dos palcos políticos mais importantes da Rio+20.
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Na verdade, o que o governo de muitos dos países do G20 chamam de economia verde, pouco tem de sustentável. O critério de avaliação de impacto ambiental mais sério da academia, mas ignorado ainda pelos políticos, é a superfície vegetal do país, pois são estas áreas que garantem a purificação da pegada humana de gás carbônico que ameaça o planeta.
Segundo esse critério, a geração de energia elétrica no Brasil e na China, por exemplo, dependente da inundação de imensas áreas ocupadas por florestas é altamente poluente; bem como a política de substituição de combustível fóssil por etanol ou biodiesel em países como os EUA e novamente o Brasil, pois são produtos que demandam uma superfície agrícola muito grande para ser minimamente acessível para os consumidores. Nem mesmo a energia eólica, a atual campeã da sustentabilidade, escapa a uma análise de impacto ambiental mais rigorosa, por também depender de uma escala de produção com uso intensivo de recursos naturais.
A chave da nossa sobrevivência em um mundo realmente sustentável depende, portanto, do desenvolvimento de uma tecnologia de geração de energia extensiva no uso de recursos naturais, ou seja que polua pouco, sendo capaz de manter ou mesmo elevar a superfície de nossos territórios com cobertura florestal. Parece sonho, mas isso já acontece em alguns países centrais avançados, como na França, no Japão ou ainda no Canadá. Lá, pelo visto, a consciência ambiental atingiu um outro patamar, e a resposta vem imediatamente com a maior qualidade de vida da população.
Porém, em escala planetária, a realidade é bem diferente, por conta do ritmo acelerado de devastação ambiental imposto por um modelo de capitalismo extensivo em recursos naturais, aplicado principalmente nos países em desenvolvimento. O acesso às tecnologias poupadoras de recursos naturais, e intensivas em pessoal qualificado e capital, é ainda muito restrito ao países centrais, inclusive por conta da existência de mecanismos institucionais e instrumentos de poder que os mantêm no controle destas técnicas de produção.
Neste ponto temos de reconhecer o avanço do documento final da Rio+20: a sustentabilidade do planeta depende não apenas de uma revisão no nosso padrão de consumo, mas também no nosso modo de produção e na relação entre os países. Traduzindo para uma terminologia um pouco menos utópica, isto significa reconhecer que ou agimos já, ou capitalismo estará rumando para o seu fim não tanto pelo lento desenvolvimento de suas contradições internas, mas sim pelo simples, porém voraz, desenvolvimento natural de suas forças produtivas.
Pedro Chadarevian é doutor em Economia pela Universidade de Paris, professor de Economia na Universidade Federal de São Carlos e editor do blog Outra Economia. Escreve quinzenalmente ao Opera Mundi.























