Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Nunca foi tão nítido quem são os inimigos reais do Brasil. Não se trata apenas de um indivíduo, mas de um sistema que se cristalizou em torno de Jair Bolsonaro e de seus resíduos políticos: a família que transformou cargos públicos em extensão de negócios privados, parlamentares que operam como braço legislativo de um projeto autoritário e agem como gangue de bairro no plenário, militantes que sustentam a violência simbólica e física nas ruas e redes, militares que aceitaram dilapidar sua própria instituição em troca de poder e prebendas, religiosos que trocaram fé por influência política e grana, e empresários que financiaram o avanço dessa agenda. Não é oposição política legítima; é uma aliança para capturar o Estado e transformá-lo em instrumento de saque e atos ilegais.

No poder, o desastre foi mensurável e mortal. A gestão da pandemia foi marcada por sabotagem deliberada às políticas de saúde, desinformação sistemática e negociações obscuras na compra de vacinas. Nos ministérios, imperou a desqualificação técnica e a ocupação por figuras cujo compromisso principal era desmontar as próprias áreas que deveriam administrar. A política econômica conduzida por Paulo Guedes foi uma vitrine para investidores externos e uma sentença de estagnação e miséria para a maioria, com desindustrialização acelerada, precarização do trabalho e aprofundamento das desigualdades.

São Paulo (SP), 03/08/2025 - Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro realizaram manifestação na avenida Paulista e em diversas cidades do país. Os atos foram convocados por aliados de Bolsonaro. <br>(Foto: Cadu Pinotti/Agência Brasil)

São Paulo (SP), 03/08/2025 – Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro realizaram manifestação na avenida Paulista e em diversas cidades do país. Os atos foram convocados por aliados de Bolsonaro.
(Foto: Cadu Pinotti/Agência Brasil)

Mas a ameaça não acabou com a saída formal de Bolsonaro da presidência. O projeto sobrevive como tentativa de golpe continuada, com mobilizações fraudulentas, narrativas conspiratórias e pressão permanente sobre as instituições. O objetivo é manter o país em estado de instabilidade crônica, minando qualquer possibilidade de recuperação econômica, social e democrática. A base política, mesmo minoritária, atua como bloco de veto, bloqueando pautas essenciais e corroendo o funcionamento da vida pública, e age em conluio com o Centrão quando os interesses se cruzam.

E o pior: esse mesmo bloco operou — e segue operando — em articulação com forças externas. A relação com Donald Trump, através de Eduardo Bolsonaro, é de afinidade ideológica e de coordenação estratégica: apoio mútuo em ações antidemocráticas, pressão econômica via tarifas sobre produtos brasileiros, intromissão nos assuntos internos, incentivo à radicalização da base social e até a normalização de sanções econômicas que atingem setores inteiros da economia. É uma rede transnacional que mistura autoritarismo, ultraliberalismo e nacionalismo instrumentalizado, com consequências profundas para a soberania brasileira.

Identificar esse conjunto é um passo fundamental para compreender a natureza do embate político em curso. Trata-se de um confronto entre quem quer um Brasil com instituições fortes, economia orientada ao desenvolvimento e inclusão social, e quem aposta no caos como estratégia de poder. A diferença é que agora não há mais como disfarçar: o inimigo está à vista, fala alto, escreve nas redes, ostenta nos púlpitos e nos plenários. E só será derrotado com enfrentamento político consistente, organização popular e articulação internacional.

Estamos em guerra, e não é eufemismo.

(*) Ricardo Queiroz Pinheiro é bibliotecário, pesquisador e doutorando em Ciências Humanas e Sociais.