Sábado, 6 de dezembro de 2025
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São casais, trios e grupos de sexualidades diversas, formados por pessoas de várias cores vestidas apenas por cuecas, calcinhas e sutiãs. Beijam-se e se agarram no meio da rua, no coração de uma grande cidade. Carregada nos braços  por essa massa humana, a diva loura é a única que se veste de modo um pouco mais pudico – e ela está no topo da pirâmide humana, é claro. A diva é Kylie Minogue, cantora que exala um misto estranho de sensualidade e puritanismo no videoclipe de All the Lovers, de seu mais novo CD, Aphrodite.

Reprodução 

 

Em Aphodite, a inocência da garota de 18 anos que se lançou na indústria pop desaparece

Klyie nunca chegou a fazer sombra a sua contemporânea Madonna, mas é veterana da música pop para dançar em atividade desde 1986, com resultados constantemente eficazes. Investe na celebração do sexo e do hedonismo pelo menos desde os anos 90, numa linha que a aproxima de Pet Shop Boys, Prince, Michael Jackson, George Michael e, claro, Madonna. Vez ou outra ensaia sutis escapadelas dos ditames infames da indústria de pop ligeiro, como quando peitou um dueto musical poético, poderoso e profundo (mas um tanto misógino) com Nick Cave, na trágica balada de horror Where the Wild Roses Grow (1997).

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A letra de All the Lovers não diz muita coisa, ou então diz mais ou menos o contrário do que a atmosfera de amor livre e sexo coletivo no clipe parece sugerir: “Todos os amantes/ que se foram no passado/ nenhum deles se compara a você”. Orgia ou romantismo, o que de fato ela está propondo? Difícil saber, e mais difícil ainda é arriscar qualquer interpretação sobre o balão gigante em forma de elefante branco que se põe a boiar no céu à medida que a almôndega humana vai se agigantando a ponto de rivalizar em altura com os edifícios ao redor. Um elefante branco na sala do mundo?

Não há sombra da menina que aos 18 anos cantava I Should Be So Lucky em Kylie. Aos 42 anos, ela é uma mulher bonita, e madura, que superou um câncer de mama em 2005. Sabe que, como estrela pop dentro dos conformes da falida indústria musical, não tem o direito de envelhecer. Não é prerrogativa dela – em 2013 Madonna completar 30 anos ininterruptos sendo e/ou simulando ser uma mocinha de 20 e poucos anos. Mas, por essas e por outras, a exuberância sexual exibida por Kylie em All the Lovers tem um quê de artificial, de tabela a ser cumprida, de cartão de ponto que precisa ser perfurado em prol do salário no começo do próximo mês.

Mas, não custa repetir, não há sombra de uma menina na Kylie madura que se ergue aos céus por sobre a grande pirâmide de carne e osso. Não há ingenuidade nem inconsequência em seu olhar. Pode parecer contraditório, mas é sua face mais bonita essa que não consegue se esconder atrás da fantasia e dá bandeira das próprias contradições.

Veja o clipe da música All The Lovers:

O manifesto pelo sexo livre e pelo respeito a todas as sexualidades é legítimo e sincero – e importante, mesmo para a molecada que porventura ache passado e acafonado o clipe de titia Kylie. Ela não está na crista da onda como Lady Gaga, M.I.A. ou Beyoncé. Mas ela também não solta granadas, não se disfarça de nazifascista nem cospe tiros pelos seios, como têm feito as “mocinhas“ do momento. Clichê do clichê, Kylie termina All the Lovers soltando no ar uma pomba branca da paz.

Em tempo: Kylie Minogue é australiana. Desde o início fez sucesso na Inglaterra, como atriz de seriados televisivos e como cantora chiclete. Ficou de 1989 a 2001 sem ter nenhum disco lançado nos Estados Unidos, e só em 2009 fez sua primeira turnê pelo país que pariu Lady Gaga e foi adotado por M.I.A. Em 2010, não devem ser das mais promissoras as chances de Aphrodite e All the Lovers ganharem a América de “cima”. A considerar pela reação estadunidense à Playboy portuguesa que estampou Jesus nos braços de mulheres nuas para homenagear o escritor José Saramago, sexo e paz não são as moedas mais bem cotadas da hora no hipermercado que um dia ergueu uma estátua em honra à liberdade.

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Orgia ou romantismo, o que Kylie Minogue está propondo?

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