O verdadeiro "grande feito" de Mahmoud Abbas
Elevação de status da Palestina da ONU é ação oca e não ajuda cotidiano da população
Falando em um think-tank sionista em Washington, na sexta-feira (30/11), Hillary Clinton defendeu a Autoridade Palestina, que havia sido criticada pelo ministro israelense de Negócios Exteriores, Avigdor Lieberman. Segundo o jornal Haaretz, Clinton disse que “com muito pouco dinheiro e sem recursos naturais, eles [a Autoridade Palestina] conseguiram muito, construindo uma força de segurança que trabalha junto, todos os dias, com as IDF [Israel Defence Forces, nome oficial do exército de Israel]. Obtiveram vários sucessos empresariais. São nacionalistas – mas amplamente seculares. Israel deve apoiá-los.”
São as mesmíssimas “forças de defesa de Israel” que há apenas alguns dias estavam massacrando famílias palestinas em Gaza e assassinando palestinos na Cisjordânia que se atreveram a protestar contra os crimes de Israel.
Agência Efe

E durante e depois do mais recente ataque contra Gaza, o mesmo exército israelense entrou em surto de prender gente na Cisjordânia, e prendeu centenas, por manifestarem sua opinião.
À luz do comentário de Clinton, é hora de perguntar até que ponto a Autoridade Palestina participou daquelas ações de ódio e vingança, resultado da fúria de Israel por ter sido derrotado em Gaza.
Clinton poderia ter acrescentado que a colaboração diária com a força ocupante não foi o único ‘feito’ notável da Autoridade Palestina de Mahmoud Abbas apoiada pelos EUA. Durante anos, a Autoridade Palestina foi armada e treinada sob supervisão dos EUA para agir como força auxiliar da ocupação israelense, para reprimir todas as várias faces da Resistência palestina; para espancar e reprimir palestinos que manifestassem sua opinião e para prender e perseguir jornalistas que se atrevessem a criticar a mesma Autoridade Palestina e a ocupação.
O governo da Autoridade Palestina é precisamente o tipo de governo-cliente repressor que os EUA sempre apoiaram em outros países árabes, razão pela qual Clinton recomendou que seu parceiro Israel apoie a Autoridade Palestina.
O currículo da Autoridade Palestina de Abbas, no campo da colaboração com Israel, contra o desejo e os interesses dos palestinos, é longo, vergonhoso e muito bem documentado. Inclui conluio com Israel, EUA e o já deposto governo de Mubarak no Egito, para derrubarem o governo eleito do Hamas depois de 2006; conluio com Israel para enterrar o Relatório Goldstone sobre os crimes de guerra de Israel em Gaza em 2008-2009; súplicas para que Israel não libertasse prisioneiros palestinos, o que daria crédito ao Hamas; e, mais recentemente, a renúncia pública, por Abbas, ao direito de retorno dos palestinos – posição aliás já antiga da Autoridade Palestina, em todas as negociações.

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Essas duras realidades devem fazer ver sob outra luz as mal orientadas celebrações pelo resultado da votação na ONU, a qual é, no melhor dos casos, equivalente a vencer um jogo de futebol internacional; e, no pior, como Joseph Massad explicou no Guardian, oficializa um status quo de racismo.
Jogar a isca e fisgar o peixe
Apesar disso, muita gente tentou pintar a votação na ONU como grande vitória, reagindo aos céticos com a ideia de que o resultado daria acesso aos palestinos à Corte Criminal de Justiça, para processar Israel por crimes de guerra. Quem, em sã consciência, acreditaria que a Autoridade Palestina de Abbas, que fez tudo o que fez, e que Clinton elogia pela estreita colaboração com o exército ocupante, algum dia processará Israel por algum crime de guerra?
Mas, sim, jogaram a isca e fisgaram o peixe. Imediatamente, apenas um dia depois da votação na ONU, Abbas já jogava água fria em qualquer esperança desse tipo. “Agora, temos o direito de recorrer à Corte, mas não usaremos esse direito agora e só o usaremos no futuro, no caso de agressão israelense.” Em Gaza ainda há palestinos de luto, e, na Cisjordânia outros palestinos lutam para não perder suas terras, no assalto diário pelos colonos israelenses. Mas o líder aparente dos palestinos ainda não viu qualquer “agressão israelense”.
Estratégia oca
A vacuidade da votação na ONU não poderia ser mais claramente ilustrada, do que no que todos viram acontecer – ou não acontecer – depois dela.
Na quinta-feira (29/11), a Assembleia Geral da ONU aprovou a admissão da Palestina, estado inexistente, como estado não membro. Na sexta-feira, Israel anunciou a intenção de construir mais milhares de casas para colonos israelenses em território do suposto estado não membro e sem direito a voto. Qual será, agora, a resposta internacional, depois da votação na ONU?
Além das condenações rituais rotineiras, haverá, pergunto, alguma ação efetiva, específica, real, inclusive sanções, por iniciativa de qualquer dos 138 países que votaram a favor do pedido da Palestin, para fazer parar a nova agressão israelense e reverter a colonização ilegal que prossegue, ininterrupta, desde 1967, nos territórios ocupados?
Infelizmente, é pouco provável que haja. Sinal bem claro de que a votação na ONU não passou de gesto oco e substituto pressuposto de qualquer ação efetiva para pôr fim aos crimes de Israel.
Ajuda a lembrar que já não existe “solução dos dois estados”. Na Palestina histórica continua a haver uma única entidade geopolítica. Não é possível que o mundo admita que Israel continue a entrincheirar-se, com seu estado de apartheid, racista e colonialista, naquela terra.
Os palestinos ainda arrancam alguma esperança, não de gestos cenográficos ocos na ONU, mas do movimento de base de solidariedade, que insiste em denunciar os crimes de Israel e exigir que sejam punidos. Esse movimento, sim, marcou um belo tento essa semana, quando o cantor Stevie Wonder cancelou sua participação em evento previsto para arrecadar fundos para o exército de Israel, e que foi alvo de intensa campanha de protestos.
Ações como essa, de figuras do mundo cultural, indicam que a campanha pelo boicote, desinvestiment0 e sanções, que reproduz o que foi feito para derrubar o regime de apartheid da África do Sul, vem ganhando força e legitimidade maiores a cada dia.
É campanha que não depende de negociar pressupostos direitos para criar algum miniestado na Cisjordânia, que já nascerá sitiado por regime repressivo apoiado pelos EUA, mas que visa a restaurar plenamente os direitos de todos os palestinos, estejam onde estiverem.























