Sábado, 6 de dezembro de 2025
APOIE
Menu

O trem bioceânico, assim como o megaporto de Chancay, é um projeto concebido e planejado na perspectiva global da Iniciativa da Faixa e Rota (IFR). Após muitas tentativas, desde que Dilma Rousseff iniciou contatos formais com a China, o Peru e a Bolívia, em 2014, os governos da China e do Brasil decidiram (julho de 2025) iniciar ações orientadas para a construção de uma ferrovia que ligasse os portos do Atlântico aos do Pacífico.

O presidente Lula da Silva e o seu homólogo Xi Jinping assinaram um memorando de entendimento, pelo qual ambos os governos se comprometem a impulsionar a construção do trem bioceânico. O cenário escolhido para tal ato revelou que não se tratava apenas de uma questão de benefícios econômicos, que certamente haverá, mas de um passo transcendental na geopolítica do poder na América Latina.

No âmbito da XVI Cúpula do BRICS (julho de 2025), a empresa estatal brasileira Infra S.A. e a empresa estatal China Railway Economics and Planning Research Institute assinaram o memorando de entendimento para iniciar os estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental do trem bioceânico que ligará os portos do litoral brasileiro ao megaporto de Chancay.

Até o momento, a rota que oferece as melhores condições começa no porto de Ilhéus (Bahia, Brasil) e terminará no porto de Chancay (Lima, Peru), unindo as localidades de Campinorte, Lucas do Rio Verde, Vilhena, Porto Velho e Rio Branco, no Brasil, e, cruzando a fronteira, unirá Pucallpa, Huánuco e Chancay, no Peru.

Obras no porto de Chancay, Peru

Porto de Chancay, em construção, é o final da rota que deve ligar Ilhéus, Campinorte, Lucas do Rio Verde, Vilhena, Porto Velho e Rio Branco, no Brasil, a Pucallpa, Huánuco e Chancay, no Peru (Foto: Mincetur Peru)

Os estudos abordarão dois temas complementares: o primeiro dará atenção ao caráter multimodal da rota transoceânica (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos); e o segundo avaliará a infraestrutura rodoviária existente e os projetos de investimento em andamento. O memorando de entendimento compromete a China e o Brasil a dar prioridade a realizar esses estudos e, se possível, concluir a fase preliminar em meados de 2026.

O antecedente imediato do memorando é o acordo bilateral assinado (novembro de 2024) pelos presidentes Xi Jinping e Luiz Inácio Lula da Silva para impulsionar o Projeto Rotas (rotas de integração sul-americana), que, incluindo o trem bioceânico, era um dos eixos estratégicos da integração sul-americana (novo PAC – Programa Acelerado de Crescimento; nova indústria brasil; e o plano de transformação ecológica).

Colocando em prática esse acordo, em abril de 2025, o Brasil recebeu uma delegação chinesa encarregada de avaliar a logística de transporte existente que pode ser conectada ao trem bioceânico.

Infraestrutura existente – Brasil

De acordo com o Ministério dos Transportes (janeiro de 2024), o Brasil conta com 30,5 mil km (17% da matriz de transportes brasileira) de ferrovias federais, sob concessão estabelecida em 15 contratos. No futuro, haverá mais 10 mil km de ferrovias com projetos autorizados para execução sob 27 contratos de adesão.

Principais ferrovias:

1. Ferrovia Norte-Sul (EF-151). Liga as cidades de Açailândia (Maranhão) a Anápolis (Goiás). O seu trecho operacional atual chega até Estrela de Oeste (São Paulo). Pretende-se expandi-la para as regiões Norte, Sudeste e Sul.

2. Estrada de Ferro Carajás (EF-315). Liga a cidade de Carajás (Pará) ao porto de Itaqui, na capital do Maranhão, São Luís.

3. Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM). Liga as cidades de Belo Horizonte (Minas Gerais) e Vitória (Espírito Santo).

4. Ferrovia Centro-Atlântica (FCA). É uma malha ferroviária com 7.220 km, que liga as regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste, conectando sete estados (Bahia, Sergipe, Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo e Rio de Janeiro), além do Distrito Federal.

5. Ferrovia do Pantanal (EF-267). Está em construção. Ligará as cidades de Panorama (São Paulo) e Porto Murtinho (Mato Grosso), perto das margens do rio Paraguai.

6. Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL). Encontra-se em fase de construção. Essa linha ligará a região portuária de Ilhéus (Bahia) a Figueirópolis (Tocantins), onde se integrará com a Ferrovia Norte-Sul.

7. Ferrovia Transnordestina (EF-232 e EF-116). É um ambicioso projeto de integração ferroviária que se encontra em fase de planeamento. O objetivo é ligar os portos de Pecém, no Ceará, e Suape, em Pernambuco, à cidade de Eliseu Martins, no estado do Piauí.

Infraestrutura existente – Peru

O desafio para o Peru é claro: a China e o Brasil decidiram transformar a América do Sul num corredor estratégico para os negócios mundiais no século XXI. Para além do ceticismo das suas autoridades, o Peru tem seu próprio sistema ferroviário, que poderia fazer parte do trem bioceânico. É bom lembrar que o primeiro comboio construído na América Latina foi o de Lima-Callao, durante a presidência de José Rufino Echenique (1851), muito antes de o Japão e a China terem suas linhas ferroviárias.

Durante o século XIX e parte do século XX, foram desenvolvidas redes ferroviárias de importância estratégica no Peru. A Guerra do Pacífico e décadas de abandono estatal fizeram com que essas redes se fragmentassem, para facilitar a sua privatização.

1. Ferrovia Central. Entrou em operação em 1871. Seu trajeto, de 346 km, começa no porto de Callao, passa por Lima e chega às cidades andinas de Huancayo, Cerro de Pasco e Huancavelica.

2. Ferrovia do Sul. Com 940 km de extensão, foi inaugurada em 1871, e liga o porto de Matarani às cidades de Arequipa, Juliaca, Sicuani e Cusco.

3. Ferrovia Tacna-Arica. Inaugurada em 1856, com 62 km de extensão, atravessa a fronteira peruano-chilena e liga-se à ferrovia que sai do porto de Arica em direção à cidade de La Paz, na Bolívia.

4. Trem Chancay-Pucallpa. É um projeto sob a responsabilidade do Ministério dos Transportes e Comunicações, cuja licitação está em fase de estudos. É um trecho ferroviário que conectará o megaporto de Chancay com o trem bioceânico.

5. Ferrovia Chancay-Pucallpa. Projeto de carga e passageiros de 904 km de extensão, inclui 51 km de pontes, 156 km de túneis e 97 km de viadutos. O investimento estimado ronda os US$ 14 mil milhões.