Sábado, 6 de dezembro de 2025
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O Senado confirmou na última quarta-feira (9) a indicação de Gabriel Galípolo para a presidência do Banco Central. O processo não teve turbulências, algo que pode ser atribuído à transição gradual de Galípolo para o cargo: o economista transferiu-se da equipe de transição para a secretaria executiva do Ministério da Fazenda e de lá para a diretoria de política monetária do Banco Central. O movimento tornou Galípolo mais palatável para o mercado financeiro, que exerce controle ideológico completo sobre o Banco Central.

Este controle ideológico sobre o Banco Central é amparado por poder político e econômico real. O poder político vem da “porta giratória”, o entra e sai de economistas do mercado financeiro no Banco Central. O poder econômico está no mercado de câmbio: o Brasil tem um mercado de câmbio muito volátil e uma economia muito vulnerável às flutuações cambiais. Isso quer dizer que movimentos especulativos no mercado cambial podem causar danos reais na economia, forçando o Banco Central à conformidade. E esta arma tem sido utilizada com frequência neste ano, como se vê no movimento excessivo de desvalorização do Real em 2024.

Nesse cenário de controle do mercado financeiro, o que esperar de Galípolo? Não muito. Qualquer movimento mais ousado pode disparar reações com impacto concreto na economia, criando dificuldades para o governo Lula. Para refrescar a memória, no governo Dilma, o Banco Central e o Ministério da Fazenda compraram brigas para conter o mercado cambial e o spread bancário. O governo Dilma precisou dedicar um enorme poder de fogo para impor essas mudanças. Como o governo Lula não parece ter interesse em focar seu (pequeno) poder de fogo no campo financeiro, não devemos esperar muita coisa.

Ainda assim, há espaço para melhorias significativas. Além da oposição política, Roberto Campos Neto é tecnicamente ruim. É aqui que Galípolo tem espaço não apenas para ser melhor, mas para usar essa superioridade em favor de uma agenda progressista. O grande espaço para melhora é tirar o Banco Central do assento do carona. Na linguagem do mercado, o Banco Central tem que deixar de ficar “atrás da curva”.

Campos Neto sempre foi muito reativo ao invés de ser proativo: esperava a formação das expectativas do mercado financeiro e sempre fazia deferência excessiva às expectativas e não aos dados da economia real. Por ser muito reativo, Campos Neto tinha a tendência de exagerar nos movimentos de juros, como fez na queda brusca e excessiva de juros durante a pandemia e no aumento igualmente brusco e excessivo depois.

Brasília (DF) 04/07/2023 Sabatina dos economistas Gabriel Muricca Galípolo e Ailton de Aquino Santos, na comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.
(Foto: Lula Marques/ Agência Brasil)

Além de movimentos bruscos e retardatários, outro erro sistemático de Campos Neto foi falar demais e desmontar o “guidance” do Banco Central. “Guidance” é o jargão para a comunicação do Banco Central sobre suas decisões futuras. Quando decide sobre a taxa de juros, o Banco Central normalmente já adianta o que deve fazer nos próximos movimentos. É claro que o “guidance” pode ser ignorado, mas isso deve ocorrer somente quando há mudanças muito graves na economia. Campos Neto reduziu o guidance, adotando a prática de dizer que o Banco decidirá seus movimentos de acordo com os dados futuros. Combinado com a ênfase nas expectativas do mercado financeiro, isso basicamente terceirizava o guidance para o mercado.

Galípolo tem que retomar a prática do Banco Central construir as expectativas. Não é nada revolucionário: todos os bancos centrais praticam isso. Como é o maior agente do mercado financeiro e o “emprestador de última instância”, o Banco Central cria parte da realidade em que atua. Não cria tudo, claro, mas cria uma parte e isso é relevante. Campos Neto entregou esse poder para o mercado. Galípolo pode retomá-lo.

O primeiro passo é voltar a oferecer “guidances” mais longos. Desenhar o movimento futuro dos juros e, principalmente, cumpri-lo, sem falar pelos cotovelos. O segundo passo é não tomar as expectativas do mercado financeiro como realidade. Elas expressam as expectativas de apenas um segmento da economia. Aqui, é importante o Banco Central se referir às expectativas de outros agentes, como a indústria, sindicatos e o agronegócio. Esse passo já está em curso, com a criação do “Boletim Firmus”, que complementará o Focus, e ouvirá empresários e sindicatos fora do circuito financeiro. Galípolo tem que complementar esse processo e incorporar as expectativas desses setores no discurso do banco, principalmente as expectativas para as áreas dos próprios segmentos. Os sindicatos sabem o que falam sobre mercado de trabalho.

Por fim, Galípolo tem que expressar confiança nas projeções do próprio Banco Central: insistir que, caso as expectativas do mercado financeiro se descolem da realidade (como tem acontecido com frequência desde 2023), o Banco Central não vai correr atrás delas e sim insistir que está no curso correto. Em suma, Galípolo pode colocar o Banco Central no banco do motorista para não aumentar juros desnecessariamente ou aproveitar cenários de liquidez global para reduzir o patamar de juros permanentemente. Quem dirige o carro decide se aproveita os atalhos que aparecem na estrada.

(*) Pedro Faria é economista pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutor em História pela Universidade de Cambridge