O mundo ao revés: Brics discutem ajuda para Europa
O mundo ao revés: Brics discutem ajuda para Europa
Paco Ibánez cantava. Vocês se lembram? Um príncipe mau, uma bruxa formosa e um pirata honrado. O mundo ao revés com o qual sonhava o poeta José Augustín Goytisolo talvez exista. O ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega, anunciou que o grupo Brics se reunirá na semana que vem em Washington para discutir as formas de ajudar a Europa. A rotina da crise mundial é cheia de surpresas. Cuidado com a rotina.
Brics é a sigla do grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Há dez anos, Jim O’Neill, do Goldman Sachs, descobriu que havia uma segunda linha por trás dos países mais ricos a chamou de Bric. A África do Sul, país chave que faltava, é uma incorporação recente.
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Washington não é a capital de nenhuma das cinco nações, mas sim dos Estados Unidos. Os representantes dos cinco Brics estariam, então, de visita. Ou nem tanto. Washington é também a sede do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial.
Como fato em si mesmo, falar de uma ajuda a Europa supõe uma preocupação. Os Brics temem que a queda europeia e a estagnação norteamericana (ontem foi divulgada a cifra de 15% de pobres nos EUA, ou seja, 46 milhões de pessoas, em 2010) provoquem uma etapa de contração mundial que prejudique também a África do Sul, Ásia e África.
Como a Argentina sabe bem, não há ajuda sem condições. Entre 1982 (crise da dívida externa) e 2001 (default) o Fundo ajudava, se é que se pode usar essa palavra, em troca de estratégias de transferência de renda em favor dos mais ricos, de desregulação de Estados e mercados. Essa “ajuda” do FMI era parte do que, no último domingo, o pesquisador Alain Rouquié definiu como “financeirização da economia”.
Os Brics poderiam dizer que se a Europa aceitar sua ajuda, eles não imporão condições. Seria divertido que o dissessem. Mas também falso. As condições de um empréstimo não são só uma ideologia, mas uma consequência da natureza de quem empresta. Elas existem sempre. Com suas diferenças de regime político, China e Brasil baseiam sua política no estímulo à demanda interna e externa e não na flexibilização do trabalho e na eternização do trabalho temporário, como acaba de fazer, por exemplo, a Espanha. O ex-presidente do governo espanhol Felipe González (1982-1996) impulsionou essas medidas, mas ontem disse amargamente que os países da Europa “são como galgos que correm atrás de uma lebre mecânica que ninguém sabe quem move e que nunca conseguem alcançar”.
A amargura é porque a Europa estaria carecendo de política comum, mas segue sendo, em conjunto, a principal economia do mundo.
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Segundo o jornal Valor, uma das ideias dos ministros de Economia ou Fazenda e dos presidentes dos bancos centrais seria o aumento da porcentagem das reservas dos cinco Brics em títulos lastreados em euros. Um modo de desafiar o dólar. A presidenta brasileira, Dilma Rousseff, tem reclamado que a guerra cambial mundial, impulsionada pelos Estados Unidos, obriga o resto dos países a armazenar reservas em um dólar cujo valor é fixado em Washington.
Dilma aproveitou ontem para fazer alguns ajustes na proposta de Mantega. Em Araçatuba, São Paulo, onde assinou convênios de ajuda financeira para fortalecer hidrovias de transporte de grãos, disse que “a melhor forma de resistir à crise no Brasil é continuar consumindo, produzindo, investindo em infraestrutura, plantando e colhendo, protegendo nossas indústrias e seu componente nacional”.
Ao falar sobre os países europeus, Dilma foi menos poética que Felipe e seus galgos. “Enquanto eles discutem o que ocorre com a crise da dívida de seus bancos, aqui nós gastamos nosso dinheiro em parcerias público-privadas, em sociedades entre o governo federal e o estadual, com o objetivo de criar desenvolvimento, emprego e renda para o país”, afirmou.
De acordo com os números da revista The Economist, as economias da União Europeia representam um pouco menos de 24% da economia global. Os Brics representam 21%. Mas os europeus têm 32% dos votos no FMI e os Brics só 11%.
Desafiar o dólar e a Europa sem apostar na sua quebra, e estabelecer outra correlação de forças no Fundo, é o que está por trás da oferta de ajuda lançada por Mantega em seu papel de Paco Ibáñez.
Texto publicado originalmente na Carta Maior
(*) Martin Granovsky é analista internacional argentino, colunista do jornal Página12.
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