Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Ocorreu, entre 12 e 15 de agosto, a Rio Innovation Week – a “maior conferência global de tecnologia e inovação” – na região do Píer Mauá, no Rio de Janeiro. O evento, que ocorre desde 2022, reúne profissionais de diversas áreas: pesquisadores universitários, desenvolvedores, representantes do terceiro setor, do mercado e do Estado (inclusive militares, bem representados pela Marinha), além de figuras notórias do debate público nas mais variadas matizes: foram mais de 3 mil debatedores e 2 mil startups

Por exemplo, nesta edição houve a presença do pentacampeão (e um dos melhores laterais direitos da história) Cafú e também do neurocientista portugues Antônio Damásio, além do ex-piloto Sebastian Vettel, o físico Marcelo Gleiser, e muitos outros que dispensam apresentações, como Luiz Felipe Pondé, o ilustre Ney Matogrosso, Ailton Krenak, Fátima Bernardes, Nina da Hora, Nath Finanças, Paulo Ganime (ex-deputado e CEO do jornal Lance!), Cida Bento, o prêmio Nobel da paz Denis Mukwege, Tatiana Roque (professora da UFRJ, vereadora, secretária de ciência e tecnologia do Rio), Renan Ferreirinha (secretário de educação da cidade do Rio), dentre tantos outros.

A metrificação do impacto digital e a produção da “influência” convertida em likes, compartilhamentos, engajamento e seguidores, ganha cada vez mais espaço no mercado, mas também na política, na medida em que são legitimados – por exemplo nestes espaços – enquanto especialistas ou formadores, quando o fruto de sua “legitimidade” é apenas a mobilização midiática que conseguem promover. <br> (Foto: Rio Innovation Week / Reprodução)

A metrificação do impacto digital e a produção da “influência” convertida em likes, compartilhamentos, engajamento e seguidores, ganha cada vez mais espaço no mercado, mas também na política, na medida em que são legitimados – por exemplo nestes espaços – enquanto especialistas ou formadores, quando o fruto de sua “legitimidade” é apenas a mobilização midiática que conseguem promover.
(Foto: Rio Innovation Week / Reprodução)

Como um grande evento de tecnologia e inovação, seu caráter fundamental é apresentar-se como “pós-ideológico” em certo sentido, e sua programação conta com figuras que vão desde o progressismo à esquerda da política partidária, até representantes do mercado (bem) mais à direita no espectro político. Com o espaço liberal para agendas relativas à diversidade e sustentabilidade, é quase impossível encontrar um debate que tome a política e a economia de modo verdadeiramente crítico. Sendo voltado para a atualização de tendências e também funcionado para o chamado networking, as discussões vão desde debates estratégicos militares, apresentação de pesquisas universitárias, debates entre desenvolvedores e pesquisadores, com reflexões que vão de nichos específicos do design ou da programação até problemas contemporâneos genéricos como a crise climática ou a relação entre infância e telas, o futuro do trabalho na era da IA e a regulamentação das redes — entre tantos outros assuntos de maior ou menor grandeza. Mas entre todos estes aspectos, vale ressaltar algumas tendências fundamentais que dão a coloração ideológica do evento. 

O evento é plenamente atravessado pela cultura e pelos códigos empresariais, onde a linguagem da inovação se confunde com a gramática empresarial e tensiona seus limites  no eixo temático do evento deste ano: “um olhar através da ética”. Ética, entretanto, é uma palavra tão antiga que parece até destoar do vocabulário sempre atualizado de coaches, players, CEOs e startups. Carlos Junior, sócio institucional e diretor de Inovação Aberta do Rio Innovation Week, explica que “a ideia é apoiar o novo empreendedor, oferecendo espaço para expor, conectar-se com potenciais clientes e investidores, além de aprimorar sua jornada. Grandes empresas podem estar em busca de soluções que startups já têm. Queremos construir essa ponte e criar meios reais para que esses empreendimentos ganhem vida.” Nota-se como tecnologia, inovação e cultura estão sob a tutela dos negócios, o que no melhor dos casos pode aparecer sob o signo da sustentabilidade, da inclusão ou diversidade, e ainda, como responsabilidade sobre os impactos sócio-ambientais. 

Isso de fato viabiliza encontros com diálogos menos conservadores que podem  de fato ventilar novos ares nos meios de desenvolvimento tecnológico e inspirar preocupações reais e sinceras. Mas é notável como o modelo neoliberal, que se apresenta pela retórica da inovação, coloca limites e impeditivos evidentes para a concretização de algo além do discurso de representantes em setores de diversidade e meio ambiente. Isso não é de forma alguma uma crítica moral aos participantes do evento individualmente, muitos deles com importância fundamental em suas áreas de debate e atuação, mas uma reflexão sobre a própria forma do evento e o que ela diz sobre a atualidade do debate hegemônico em desenvolvimento e tecnologia.

Outro ponto curioso é a presença massiva de influenciadores digitais nesta edição, uma tendência nada imprevisível, mas que anuncia certa mudança na posição do especialista. A metrificação do impacto digital e a produção da “influência” convertida em likes, compartilhamentos, engajamento e seguidores, ganha cada vez mais espaço no mercado, mas também na política, na medida em que são legitimados – por exemplo nestes espaços – enquanto especialistas ou formadores, quando o fruto de sua “legitimidade” é apenas a mobilização midiática que conseguem promover. Novamente, não se trata de uma crítica individual, mas dos limites na própria forma das mídias digitais atuais. 

Como já abordado em outra coluna neste veículo, a forma “influenciador digital” é o desdobramento do empresário de si no meio digital, sendo um de seus efeitos principais, ao participar do circuito de comodificação da informação, o de transformar a imagem em ideal na ampla oferta digital dos circuitos de identificação. Como sabemos, a identificação é um modo de subjetivação com efeitos radicais, formadores do aparelho psíquico, e eixo fundamental para produzir uma qualidade de associação coletiva que poderíamos chamar de massificada. A lógica da massa, por tanto, não se reduz a uma descrição quantitativa, mas também (e fundamentalmente) a uma qualidade de relação. Obviamente a lógica da influência digital preza por números e negligencia essa qualidade de produção de massas, mas a tendência que se revela cada vez maior é a elevação dos cases de sucesso na notoriedade online à condição de especialistas, formadores e potenciais players, para usar o jargão neoliberal. 

A crítica ao formato de influência digital deve passar, obviamente, pela relação de oligopólio estrageiro que controla a própria dinâmica e arquitetura dessas mídias, além obviamente de não se tratar – insisto no ponto – de uma crítica individual ou moral, mas voltar-se para a forma que se impõe aos conteúdos e os efeitos desse tipo de formação que emerge em um momento de totalização do tecido digital organizado pela lógica de oligopólios em um capitalismo mais que tardio, com o horizonte de expectativas decrescentes em uma sociedade pós-salarial onde segurança e futuro são duas coisas cada vez menos garantidas.  

(*) Cian Barbosa é flamenguista e morador do Rio de Janeiro. Bacharel em sociologia (UFF), doutorando em filosofia (UNIFESP) e psicologia (UFRJ), pesquisa teoria do sujeito, crítica da cultura, violência, tecnologia, ideologia e digitalização; também é integrante da revista Zero à Esquerda, tradutor e ensaísta, além de professor e coordenador do Centro de Formação.