O encontro Putin-Trump e a Ucrânia de papel de parede
No gélido Alasca, que um dia já foi parte da Rússia, encontro entre líderes americano e russo não resolveu o impasse da guerra, o que é uma vitória tática para Moscou
Desde 2022, a Ucrânia se tornou o centro do mundo. No capítulo atual do drama global, ela foi o grande tema do encontro entre os líderes de Rússia e Estados Unidos no Alasca – o primeiro desde a tragicômica cúpula entre Joe Biden e Vladimir Putin em junho de 2021, que o então presidente americano Joe Biden não tinha pretensão alguma de que “desse certo”; a decisão de expandir a Otan para a Ucrânia, por certo, já estava tomada ali.
Quando a Rússia deflagrou uma operação militar em solo ucraniano em 2022, Volodymir Zelensky era um presidente em meio de mandato, e via sua popularidade ruir. Três anos antes, ele tinha vencido o incumbente Petro Poroshenko por uma margem altíssima no segundo turno, depois venceu as eleições legislativas de meses depois, mas nas eleições locais de 2020 já não havia tanta empolgação.

Os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e EUA, Donald Trump, durante encontro em 2019.
(Foto: Kremlin / Wikimedia Commons)
Passados três anos entre idas e vindas infindáveis, ofensivas e contraofensivas, a Ucrânia está esgotada em termos de pessoal, mesmo fortemente apoiada pelo complexo bélico americano e pelo establishment europeu – ainda que este arque com o custo político da impopularidade colateral pelos efeitos econômicos da guerra. Hoje, no entanto, Donald Trump se vê diante da emergência de parar a guerra urgentemente.
As causas são mais do que evidentes. A guerra na Ucrânia é como uma luxação que mantém o petróleo e o gás em permanente inflação, exigindo juros maiores, sob pena de produzir uma inflação generalizada como em 2022. Em um cenário de aumento da inflação por conta do tarifaço – e desvalorização do dólar –, parar a guerra é central para Trump enfrentar meses difíceis que se avizinham. Mas não aconteceu.
O Alasca, a antiga América russa, o limite final dos Estados Unidos
Que a cúpula russo-americana tenha acontecido no Alasca é sintomático: ele é hoje o maior estado americano em território, mas foi encontrado pelos russos nas primeiras décadas do século 18 e foi colonizado na década de 1780 até a venda das terras para os americanos em 1867. Naquela época, os americanos pagaram aos russos um montante equivalente a 157 milhões de dólares atuais – hoje o PIB do estado chega a 68 bilhões de dólares.
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Antes, foi pelo Alasca por onde chegaram os primeiros seres humanos ao continente americano, em um terrível sintoma de que a terra é redonda, sendo habitada por inúmeras nações indígenas. Seu simbolismo, portanto, foi total: é possível que territórios sejam transacionados, mesmo entre russos e americanos, como objetivamente aconteceu naquela circunstância, um pouco posterior à Guerra Civil Americana.
Verdade seja dita, para além do ritual entre os dois líderes, e uma expectativa da mídia russa, a verdade é que nada aconteceu – e, portanto, tudo aconteceu. Trump precisa colocar fim ao conflito, ainda mais em tempos em que a inflação do produtor americano sobe e antecipa uma escalada da inflação do consumidor. Putin, contudo, tem o tempo a seu favor, uma vez que suas tropas avançam em território ucraniano.
A Rússia, possivelmente, não tem como manter a guerra na Ucrânia indefinidamente, mas pelas variáveis atuais, levando em consideração as tropas que ela tem a dispor e as baixas, isso significa que o país pode, realmente, passar anos combatendo nesses termos – talvez uma década ou mais. A Ucrânia não. E os Estados Unidos, nas circunstâncias atuais podem, e até lucram, com o envio de armas para Kiev, mas não com a colateralidade inflacionária.
Enquanto isso, o papel dos europeus é episódico: o grande ecossistema liberal que governa o continente não queria entrar no conflito, sofreu uma enorme pressão econômica por estar nele, mas hoje se recusa a se retirar, muito embora reatar com a Rússia fosse de seu interesse econômico. A explicação para esse mistério é uma neurose da sua política interna, onde se percebe que forças à direita ou à esquerda se beneficiariam disso.
O picadeiro global e as trapalhadas de Donald
A conjunção entre o protecionismo tosco e vulgar com medidas populistas dignas de um bufão parecem colocar Trump em um limite. Hoje, seu desafio é baixar a taxa de juros, desinflacionar o mercado de títulos – isto é, da dívida pública americana – e direcionar esses recursos para o mercado de capitais – as bolsas de valores, no linguajar coloquial; aliás, as mesmas que estão bisonhamente inflacionadas.
Trump ainda espera diminuir juros para aliviar a vida de famílias e empresas endividadas e com a corda no pescoço. No entanto, sem baixar a inflação, deflagrada em parte por ele mesmo, pode até conseguir seu banco central, mas os resultados serão piores do que o esperado. Juros menores diante de uma aceleração de preços induzida colateralmente podem ser fatais no curto prazo.
Entre o colapso de bolsas de valores inchadas e inflação, obviamente, Trump vai optar por uma escalada nos preços, mas sabe que com isso estará liquidado para a eleição mais importante de sua vida: as legislativas de meio de mandato, a serem disputadas no ano que vem, renovando parcialmente o Senado e totalmente a Câmara dos Deputados, cujos mandatos são míseros dois anos.
Supunha-se que Trump tinha algum acordo pronto dentro dos Estados Unidos para fechar uma posição com Putin, pois aí, apesar de arcar com o desgaste de um encontro com um demonizado presidente russo, ele pelo menos entregaria algo para o público americano – mesmo que não fosse satisfatório em si, produziria efeitos colaterais positivos, como energia mais barata.
Não parece ter sido o caso, no entanto. Putin mostrou força e saiu do isolamento. Trump saiu de mãos abanando. Enquanto isso, as tropas russas avançam pelo leste ucraniano e faltam tropas para Kiev. Zelensky vive um pesadelo de popularidade e seria derrotado se as eleições presidenciais ucranianas fossem hoje – ironicamente, pelo seu antigo comandante-em-chefe original, que ele tratou de demitir por vaidade no início de 2024.
(*) Hugo Albuquerque é jurista e editor da Autonomia Literária.























