Sábado, 6 de dezembro de 2025
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O Banco Central (BC) decidiu, pela terceira vez consecutiva, manter a taxa básica de juros (Selic) da economia brasileira em 15% ao ano, o maior patamar desde 2006, e na ata em que explica a decisão o Comitê de Política Monetária (Copom) não deixa margem de dúvida: os juros se manterão altos por “período bastante prolongado”. Seus diretores justificam tamanho disparate a uma atividade econômica que está em “trajetória de moderação”, a uma inflação de serviços que apresentou “algum arrefecimento” e à ideia de que a taxa, no nível em que se encontra, é “suficiente” para assegurar a convergência da inflação à meta (suficiente no alto, é bom acrescentar, pois, na ótica do BC, se baixar estraga). A ata ainda fala em aquecimento do mercado de trabalho (que apresenta a menor taxa de desemprego da história, ou seja, de 5,6%), “cautela”, “elevada incerteza” e outras expressões para dizer, com todas as letras, que boas notícias são incompatíveis com o fim da asfixia que o BC impõe ao Brasil.

Sejamos francos: o BC, na prática, sequestrou a política econômica. Afinal, se o crescimento da demanda, da renda e do mercado de trabalho resultam em inflação no setor de serviços ou outros quaisquer, segundo a ótica do Copom, a solução seria aumentar a oferta, e não manter os juros altos e impedir o crescimento econômico. Ao fazer sua opção pela Selic nas alturas, o BC trava setores estratégicos da nossa economia, como a construção civil, a indústria e o comércio, que dependem fortemente de crédito, e desestimula o consumo e o investimento. Afinal, nesse cenário, o BC aumenta o custo do capital, porque com juros de 15% ao ano as decisões de financiamento ficam evidentemente mais onerosas. Não à toa, esse tipo de escolha, que favorece o rentismo, cria uma concorrência desleal entre o setor produtivo do país e o sistema financeiro. Enquanto pequenos e grandes empresários são obrigados a custos maiores quanto mais alta for a taxa de juros, o rentismo agradece, favorecido pela enxurrada de recursos atraídos pelo rendimento dos juros elevados.

Brasília (DF) 26/06/2025 O presidente do BC, Gabriel Galípolo, durante coletiva para comentar o Relatório de Política Monetária do 2ª trimestre. (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)

Brasília (DF) 26/06/2025 O presidente do BC, Gabriel Galípolo, durante coletiva para comentar o Relatório de Política Monetária do 2ª trimestre.
(Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)

O mais grave é que, com os juros altos, a dívida pública segue nas alturas. Os juros são um dos principais impulsionadores do aumento da dívida, pois representam os encargos que o governo precisa pagar para remunerar os detentores de títulos públicos. Em doze meses, até setembro deste ano, as despesas com juros da dívida pública somaram R$ 985 bilhões, segundo o BC. Eis o ciclo vicioso alimentado pelo BC: juros altos aumentam a dívida, o que exige do governo maior capacidade de pagamento de juros, retroalimentando o ciclo e pressionando as contas públicas, enquanto estas são apontadas justamente como o vilãs para justificar mais juros. 

Enquanto o serviço da dívida encarece, as despesas financeiras aumentam, e o lucro das empresas é pressionado. Com isso, os bancos se tornam mais seletivos na concessão de crédito, dificultando a rolagem das dívidas, principalmente para companhias alavancadas e com dívidas de curto prazo. Com efeito, empresas adiam planos de expansão e priorizam a preservação de caixa, já que o custo do capital torna novos investimentos menos atrativos. É importante ressaltar que elevados superávits fiscais, habitual bandeira dos baluartes do neoliberalismo brasileiro, nunca ajudaram a reduzir os juros.

Tudo isso é agravado pelo fato de o BC mirar uma meta irrealista de inflação, de 3% ao ano. Exceto aqueles interessados no rentismo, muitos economistas criticam essa meta, e com razão. Até mesmo nomes de referência no mercado financeiro já chegaram a considerá-la errada e irreal, mas o dogma reinante impede sua revisão. Para completar o cenário sombrio de submissão ao mercado financeiro, temos o absurdo de o BC guiar sua política com base no boletim Focus, que resume as estatísticas e expectativas calculadas e projetadas pelo próprio mercado financeiro.

 Leia também – José Dirceu: o Banco Central na contramão do mundo 

 São anos de um Banco Central a serviço do mercado financeiro, induzindo milhões de brasileiros a se tornarem rentistas e não empresários, empreendedores ou simplesmente consumidores de bens e serviços. Viver da renda das aplicações financeiras, nesse contexto, vale mais a pena do que empreender. Hoje já são 100 milhões de pessoas que aplicam no mercado financeiro, investindo em ações, títulos públicos e outras aplicações. Seria natural que obtivessem rendimentos com o juro no padrão internacional, de 1,5% a 2,5% ao ano, mas não nos nossos inacreditáveis juros reais de 10%. Com um benefício extra para o mercado financeiro: encurrala-se o governo do presidente Lula, expropria-se a renda nacional e, o mais grave, alimenta-se uma sina perversa, ao transformar o rentismo em modo de vida para 1% dos privilegiados do Brasil. Esse é um padrão que leva o país a um beco sem saída.

(*) José Dirceu foi ministro-chefe da Casa Civil no primeiro governo Lula (2003-2005), presidente nacional do Partido dos Trabalhadores e deputado federal por São Paulo.