Sábado, 6 de dezembro de 2025
APOIE
Menu

O programa Outubro tem oferecido oportunidades de debates potentes e significativos sobre o continente africano. É apresentado pelo sub editor e repórter do Opera Mundi Victor Farinelli e uma bancada de comentadores como, além deste que vos escreve, Ana Prestes, cientista social, analista internacional e Doutora em Política pela UFMG e Amanda Harumy, Especialista em Integração Latino-Americana, Relações Internacionais e Negociações de Paz. 

Na live do dia 03 de julho o assunto foi a Nigéria, o país potência do continente africano que desbancou o Brasil da sexta posição do ranking de nações mais populosas do mundo, e uma das questões centrais foi justamente o fato de que a Nigéria vem apresentando taxas impressionantes de crescimento demográfico e econômico. 

A Nigéria possui um potencial inegável de protagonizar uma virada do Oeste africano, econômica, social e artisticamente (vale lembrar que Chimamanda Ngozie Adichie e Burna Boy são nigerianos) que represente um futuro mais igualitário, justo e plural, com sua juventude empregada e se beneficiando do desenvolvimento. (Foto: jbdodane / Flickr)

A Nigéria possui um potencial inegável de protagonizar uma virada do Oeste africano, econômica, social e artisticamente (vale lembrar que Chimamanda Ngozie Adichie e Burna Boy são nigerianos) que represente um futuro mais igualitário, justo e plural, com sua juventude empregada e se beneficiando do desenvolvimento.
(Foto: jbdodane / Flickr)

Com um PIB de cerca de 477 bilhões de dólares em 2024 (segundo estimativas do FMI), a Nigéria é a maior economia da África, superando a África do Sul e o Egito, além de ser um dos maiores produtores de petróleo da África, sendo membro da OPEP (Organização de Países Exportadores de Petróleo) desde 1971. Apesar da volatilidade dos preços globais, o setor petrolífero é a espinha dorsal da economia do país, respondendo por cerca de 40% do PIB e 90% das exportações. 

Sob a administração de Bola Tinubu, desde 2023, o governo tem promovido reformas para diversificar a economia, com investimentos em tecnologia, agricultura e manufatura. O setor de tecnologia, especialmente as fintechs em Lagos, tem atraído investimentos estrangeiros significativos, com startups como Flutterwave e Paystack ganhando projeção global.

O que mais chama a atenção no crescimento demográfico nigeriano é sua população jovem. Mais de 60% da população de quase 230 milhões de habitantes tem de 0 a 25 anos, enquanto somente 3,26% têm 65 anos ou mais. No entanto, a Nigéria enfrenta desafios como desigualdade, desemprego (especialmente entre jovens) e inflação alimentar, agravados por crises globais como a guerra na Ucrânia. Comparado a outros países africanos, como a Etiópia (crescimento médio de 6-8% ao ano), a taxa nigeriana (cerca de 3,07% em 2023-2025) é sólida, mas não a mais alta. O que impressiona é o tamanho absoluto da economia e seu potencial, não necessariamente a taxa de crescimento em si.

Bola Ahmed Tinubu, presidente da Nigéria desde maio de 2023, é uma figura central na política nigeriana há décadas. Líder do partido All Progressives Congress (APC), Tinubu foi governador de Lagos (1999-2007), onde implementou reformas que transformaram a cidade no principal centro econômico da Nigéria. Ele enfrenta desafios domésticos, como protestos contra reformas econômicas impopulares (como aumento do preço do combustível) e acusações de corrupção herdadas de gestões anteriores. Seu governo é visto como uma continuação de políticas pró-mercado, mas com ênfase em estabilidade política e projeção internacional.

Do ponto de vista geopolítico, a Nigéria de Tinubu adota uma postura pragmática, equilibrando alianças com o Sul Global e o Ocidente, mas com inclinação estratégica para o Sul Global, e uma evidência disso é sua adesão como país parceiro do BRICS em janeiro de 2025, refletindo um alinhamento com economias emergentes (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, entre outros). Isso fortalece a cooperação Sul-Sul, com foco em desenvolvimento econômico e redução da dependência de instituições ocidentais como o FMI. Mas longe de representar uma virada contra o imperialismo norte americano e europeu, a Nigéria sob Tinubu mantém laços históricos com o Reino Unido e os EUA, especialmente no comércio de petróleo e segurança. Tinubu busca posicionar a Nigéria como líder regional e voz do Sul Global, mas sem romper com o Ocidente, cuja parceria é vital para investimentos e diversificação da economia, ainda muito dependente do petróleo. Vale marcar o fato de que boa parte das receitas advindas do petróleo do país não são convertidas em benefícios para a população, a exemplo da impressionante soma de 16 bilhões de dólares que desapareceram em 2016 e deveriam ser entregues ao governo, mas não foram. Dessa forma, a corrupção apresenta um desafio para o desenvolvimento do país.

Não apenas a corrupção, como também conflitos internos, ameaçam áreas mais isoladas do país, assoladas por frequentes invasões e sequestros do grupo extremista islâmico Boko Haram, o que por si só já renderia outro artigo.

A Nigéria possui um potencial inegável de protagonizar uma virada do Oeste africano, econômica, social e artisticamente (vale lembrar que Chimamanda Ngozie Adichie e Burna Boy são nigerianos) que represente um futuro mais igualitário, justo e plural, com sua juventude empregada e se beneficiando do desenvolvimento. Para tal, são necessárias políticas públicas que se comprometam a diminuir as desigualdades e busquem um alinhamento maior com o fortalecimento de uma relação de autonomia entre países do Sul-Global.

(*) João Raphael (Afroliterato) é escritor, professor e mestre em educação pela UFRJ. É apresentador do programa “E aí, professor?” do Canal Futura.