Terça-feira, 23 de dezembro de 2025
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Efe

Em meio a quedas de governos por toda a Europa, presidente sérvio renunciou para poder concorrer ao terceiro mandato

Enquanto o mundo estava prestando atenção na França, neste domingo (06/05) também aconteceram eleições presidenciais na Sérvia. Mas, enquanto o atual presidente francês, Nicolas Sarkozy, foi chutado do cargo por 51,67% dos eleitores (que preferiram o socialista François Hollande), o incumbente sérvio, Boris Tadić, tem sérias chances de conseguir um terceiro mandato consecutivo.

Na verdade, Tadić não é mais presidente da Sérvia desde o mês passado, quando renunciou ao cargo para disputar um terceiro mandato consecutivo, numa arriscada manobra que nos lembra Jânio Quadros em 1961. Cabe lembrar que o presidente-vassourinha se deu muito mal na ocasião.

Tadić, que é um centrista pró-Europa, pode voltar ao caro se conseguir derrotar o nacionalista demagogo Tomislav Nikolić no próximo dia 20. O primeiro teve 26,8% dos votos válidos no primeiro turno, enquanto o segundo levou 25,6%. O índice de comparecimento às urnas foi de 59% (na Sérvia, o voto não é obrigatório).

Será nada menos que a terceira vez seguida que os dois vão se enfrentar nas urnas. Os sérvios já tiveram de escolher entre a dupla Tadić e Nikolić em 2004 e em 2008. E Nikolić já tinha concorrido antes em 2003, ainda sob a bandeira “Sérvia e Montenegro”, em eleições que acabaram anuladas por conta de baixo comparecimento. Em todas elas, o nacionalista foi o mais votado no primeiro turno, mas acabou perdendo no segundo. Desta vez, Nikolić chegou atrás de Tadić já na rodada inicial, o que pode ser um indicativo de sua queda de popularidade.

Até 2008, Tomislav Nikolić era membro e líder do Partido Radical Sérvio (Srpska Radikalna Stranka, SRS), cujo líder é o criminoso de guerra Vojislav Šešelj, atualmente preso em Haia. Proclamado “herdeiro dos tchetniks” (nacionalistas sérvios que combateram os comunistas de Tito na Segunda Guerra e promoveram massacres nas guerras iugoslavas dos anos 90), Šešelj colocou Nikolić como seu “representante” na política sérvia, até este perceber que teria mais ganho político caso se desvinculasse do mentor radical e, demagogicamente, fundasse um novo partido com o nome de Partido Progressista Sérvio (Srpska Napredna Stranka, SNS). Ganhou o apoio de oligarcas e notórios corruptos, como Bogoljub Karić e, agora, também defende a entrada da Sérvia na União Européia.

Já Boris Tadić concorre pelo Partido Democrata (ou DS, de Demokratska Stranka), partido “centrão” fundado por intelectuais anti-comunistas em 1989, no esteio das mudanças no Leste Europeu. A principal liderança do DS desde os anos 90 era o cientista político Zoran Đinđić, que chegou a ser premier (2001-2003) depois da derrubada de Slobodan Milošević, mas acabou assassinado em 2003. Tadić, que era um dos colaboradores mais próximos de Đinđić, sucedeu-o na liderança do partido e foi eleito presidente em 2004. Manteve uma política de “Kosovo + UE”, unindo as duas principais reivindicações do establishment sérvio, enquanto seus adversários defendiam ou uma, ou outra.

Outros candidatos na eleição de hoje são velhos conhecidos do eleitorado: o ex-presidente Vojislav Koštunica (DSS, centro-direita); o yuppie Čedomir Jovanović (LDP, antigo líder de protestos anti-Milošević e defensor do ideário neoliberal); o “socialista” Ivica Dačić (SPS, partido sucessor dos comunistas e “seqüestrado” por Milošević nos anos 90); e Jadranka Šešelj, mulher do criminoso de guerra. Há também o curioso mufti muçulmano do Sandjak, Muamer Zukorlić, e o líder da minoria étnica húngara, István Pásztor. Assim como em outros países ex-comunistas do Leste, não existe atualmente uma esquerda significativa na Sérvia.

A mídia ocidental está chamando a atenção para o fato de que, pela primeira vez, a eleição presidencial na Sérvia está pautada por temas domésticos – como a economia e a estabilização institucional para o ingresso na União Européia – e não mais por temas como o Kosovo (perdido de vez na sentença de Haia em 2010) ou a busca por criminosos de guerra (os três que faltavam, Radovan Karadžić, Ratko Mladić e Goran Hadžić, foram presos entre 2008 e 2011).

Mas a mídia ocidental entende pouco a Sérvia. Primeiro, é preciso considerar que há uma enorme rejeição da adesão à UE entre os sérvios. Muitos estão vendo vizinhos como os gregos (Sérvia e Grécia se consideram nações amigas desde tempos medievais) afundados em crises e “medidas de austeridade” — leia-se desemprego e cortes de direitos trabalhistas. Para um país que já tem desemprego de 24% e renda mensal média de 380 euros (R$ 950, baixíssimo para o padrão europeu), isso não parece um cenário atraente. Além disso, o Kosovo pode estar perdido, mas isso não elimina sua presença nas pautas eleitorais, principalmente por políticos demagogos que sabem o apelo que o tema ainda tem junto à opinião pública sérvia.

O sistema de governo sérvio é semi-presidencialista (como o da França e o da Rússia), o que significa que o primeiro-ministro, como chefe de governo, é mais um “administrador” do dia-a-dia, mas quem tem o poder de definir as grandes políticas de Estado é mesmo o presidente. Além disso, Tadić conseguiu uma manobra para garantir que as eleições presidenciais deste ano ocorram junto com as legislativas (como é no Brasil, mas não é comum na Europa), na tentativa de garantir maioria parlamentar para o seu DS.

Na votação legislativa, a coligação encabeçada pelo Partido Socialista ficou em terceiro, com 16,6% dos votos, mas suficiente para ser o fiel da balança no próximo parlamento sérvio. Ivica Dačić apressou-se em dizer que “a Sérvia talvez não saiba ainda quem será seu próximo presidente, mas já sabe quem será o primeiro-ministro”. Os resultados de hoje indicam que os “democratas” de Tadić precisarão compor com os “socialistas” de Dačić para formar governo. As aspas são não apenas pra ressaltar a distância entre o rótulo e o conteúdo programático de cada partido, mas também servem como um indicativo de que os nomes no futuro governo pouco importam – a Sérvia está longe de ver novidades na política a curto prazo.

Primeiro turno das eleições aumentou favoritismo de Boris Tadić, que busca o terceiro mandato

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