Milei: o mais recente caso da hipocrisia capitalista
A Argentina de Milei é a mais nova prova de que o capitalismo falhou, falha e falhará mesmo quando está tudo ao seu favor
Quando Javier Milei chegou à presidência da Argentina, o mercado o aplaudiu de pé. O “anarcocapitalista” prometia aplicar na prática o manual que há décadas é vendido como solução universal: Estado mínimo, livre mercado, austeridade fiscal e alinhamento automático com os Estados Unidos. O FMI, previsivelmente, bateu palmas. Washington sorriu. A elite argentina brindou.
Mas não tardou muito para o mais novo laboratório neoliberal do mundo capitalista ruir. Apesar das mentiras e omissões dos principais veículos de imprensa, os dados comprovam um acachapante fracasso. A economia argentina mergulhou numa crise profunda. A inflação, que Milei prometeu controlar, continua entre as mais altas do mundo; o poder de compra dos salários despencou; o consumo interno entrou em colapso; e a pobreza já atinge mais da metade da população. O país vive uma recessão severa, com queda nas exportações, desindustrialização acelerada e paralisação de obras públicas. Enquanto isso, o governo prioriza o superávit fiscal à força, cortando investimentos sociais e transferindo renda dos trabalhadores para o sistema financeiro. O resultado é um ciclo vicioso: menos Estado, menos consumo, menos produção – e mais desigualdade.

O presidente argentino Javier Milei durante a Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) em Maryland, nos EUA. 20/02/2025.
(Foto: Gage Skidmore / Flickr)
O presidente da Argentina já esteve nos Estados Unidos inacreditáveis onze vezes para pedir ajuda ao seu projeto macabro; um recorde mundial. Na última oportunidade conseguiu 20 bilhões de dólares. Não é muito curioso um anarcocapitalista usando dinheiro estatal para tentar se salvar? Não fica ainda pior sendo dinheiro de um Estado estrangeiro?
O projeto argentino é o mais recente espelho da hipocrisia capitalista, mas não é o primeiro e com certeza não será o último. O capitalismo é o sistema econômico mais testado da história da humanidade, aplicado simultaneamente em centenas de países e sem funcionar genuinamente em nenhum deles.
Muita gente argumentaria com exemplos de países capitalistas que parecem ter dado certo: EUA, Reino Unido, Japão, Índia e etc. Mas é um lamento muito fácil de responder, bastando perguntar: deu certo para quem? São países que, assim como tantos outros, são ricos, mas com grande parte da população passando por enormes dificuldades e privações. Se você ainda der o azar de ouvir que a descomunal diferença entre pobres e ricos nesses países é uma questão de meritocracia, coloque os números na mesa; são países que exercem enorme participação estatal na economia.
Para usar de exemplo os EUA, a maior economia capitalista do planeta: os norte-americanos possuem mais de 7 mil empresas estatais e injetam anualmente centenas de bilhões de dólares dos impostos na economia. Para além do apoio estatal dado aos empresários estadunidenses, vale lembrar que em qualquer crise do sistema, mesmo aquelas causadas pelas inúmeras fraudes dos acionistas a título da mais pura ganância, o governo salva as empresas com rios de dinheiro. O nome disso é estatização às avessas. Ou alguém esqueceu que o governo americano gastou 30 bilhões de dólares com o banco JP Morgan na crise do subprime em 2008? Milhões de pessoas perderam tudo, mas o capitalismo salvou uma dezena de acionistas ladrões.
Quem leu até aqui deve estar pensando: está bem, concordo! Mas e os países capitalistas com dados excelentes no que tange à qualidade de vida e bem estar social? Suíça, Noruega, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Canadá, Austrália, Bélgica. Esses e outros exemplos têm em comum elevados impostos sobre os mais ricos e serviços públicos de qualidade para toda a população. Se em todos os países capitalistas do mundo os ricos pagassem pela educação, saúde, lazer e acesso à informação dos mais pobres, essa discussão nem precisaria existir. Porém, sabemos que isso não vai acontecer: os ricos precisam do Estado para ficarem cada vez mais ricos, meritocracia é só mais uma das falácias na hipocrisia capitalista.
Se escuta muito que o mundo piorou nos últimos anos, que há retrocessos nos direitos e polarização exagerada na política. Esse é mais um aspecto da hipocrisia capitalista. Depois de uma série de fracassos de governos de direita, centro-direita e até centro-esquerda que não fizeram mudanças estruturais nos fundamentos do capitalismo, o sistema tinha que explicar o porquê da cartilha perfeita não estar funcionando. O argumento foi – e está sendo – tragicômico. Para tentar se livrar da culpa das mazelas da humanidade, o braço político do sistema capitalista passou a chamar de comunistas todos os partidos, governos e políticos que não fossem de extrema-direita. O partido democrata, a social democracia europeia, todos os partidos trabalhistas do mundo. No Brasil a lista de comunistas é especial: inclui Grupo Globo, Folha de SP, PSDB, Dória, Luciano Huck, Estadão e todo mundo que tenha defendido a vacina na pandemia. É de se imaginar a covardia e a traição que a hipocrisia capitalista é capaz de gerar, mas não se esperava tanto. Entregaram seus pares “mais civilizados” como aquilo que mais odeiam e sentem medo.
Como o capitalismo nunca falha em errar, a extrema-direita também será agente e testemunha de novas crises do sistema. Já antecipo que após a queima de nomes da chamada direita tradicional, o culpado da vez será o próprio povo e seus costumes. Nunca ouviram que nos falta disciplina, cultura, religião (a certa, claro). Que o comportamento sexual das mulheres destrói as famílias, que o direito LBGTQIA+ desvirtua nossos jovens? Mas esse será assunto para um próximo texto…























