Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Ontem todos os brasileiros foram dormir estarrecidos com a notícia das dezenas de mortes promovidas pelo Estado na zona norte do Rio de Janeiro. Acordaram sabendo que na verdade a operação assassinou mais de uma centena de pessoas. Não bastasse a carnificina em plena luz do dia, o Brasil teve de acompanhar a barulhenta comemoração da extrema direita, que vibrou como se tivessem acabado com o crime. Mas estrondoso mesmo é o silêncio dos cúmplices dessa chacina sobre os grandes chefes do narcotráfico. Não teve coragem de procurar em Ipanema, governador? 

Não há uma palavra sequer sobre as empresas sediadas na Faria Lima que lavam o dinheiro do tráfico de drogas. Redes de postos de gasolina, distribuidoras, usinas, bancos, fundos de investimento. É como se não existissem os chefes. Para o governo fluminense e seus apoiadores do bolsonarismo, o crime organizado é uma empresa apenas de funcionários; não tem dono, não tem executivos, não tem investidores majoritários. Convenhamos: é uma postura bastante curiosa para quem defende os patrões em todas as oportunidades.

Rio de Janeiro (RJ), 29/10/2025 - Dezenas de corpos são trazidos por moradores para a Praça São Lucas, na Penha, zona norte do Rio de Janeiro, após ação policial da Operação Contenção. <br> (Foto: Eusébio Gomes/TV Brasil)

Rio de Janeiro (RJ), 29/10/2025 – Dezenas de corpos são trazidos por moradores para a Praça São Lucas, na Penha, zona norte do Rio de Janeiro, após ação policial da Operação Contenção.
(Foto: Eusébio Gomes/TV Brasil)

Não se pode deixar de mencionar as empresas que vendem as armas. Com 75 fuzis apreendidos no complexo do alemão e 117 com o amigo – e vizinho de Bolsonaro – é evidente que Taurus, Colt, SIG Sauer e suas semelhantes sabem muito bem de onde vêm seus gigantescos lucros no Brasil. Mas claro que os covardes e subservientes dos chefes do crime não deram uma palavra sobre essas organizações. 

A postura hipócrita e medrosa dos governantes é um eterno enxugar gelo. Matando funcionários do crime, sem a inteligência necessária para caçar os chefes, o que veremos é a substituição dos mortos por novos empregados – cada vez mais jovens e violentos. 

O discurso de que a esquerda “defende bandido” é a cortina de fumaça para os bajuladores dos criminosos do alto escalão. O argumento de que a grande maioria das pessoas que vivem em vulnerabilidade social não comete crime algum é daquelas verdades usadas como ferramenta do extermínio dos mais pobres. 

Para se fazer uma discussão séria sobre o combate às facções que atuam em todo território nacional, é preciso pensar como um estadista, se distanciar do discurso propagandista. Aceitando o pressuposto de que todos nós – ou quase todos – queremos combater a criminalidade, não podemos aceitar a comodidade da individualização da responsabilidade. Claro que bandido tem que ser preso e processado, mas como evitar que novos criminosos substituam os antigos delinquentes? 

Para início de conversa, não pode ser atrativo entrar para o tráfico. Se o jovem de 17 anos, responsável por soltar fogos de artifício quando a polícia chega na comunidade, ganha em três dias o que o pai e a mãe ganham em um mês, é claro que perderemos alguns para o crime. Não basta prendê-lo, outros virão em seu lugar. 

Para o crime não ser opção, há uma via de mão dupla: a vida fora da criminalidade tem que ser boa. Saúde, educação, lazer e segurança alimentar, são fatores que levam a pensar se vale a pena abrir mão de uma vida com direitos garantidos, por uma aventura que pode ser lucrativa, mas muito perigosa. A segunda via é justamente atacar onde está o dinheiro. Os agentes de segurança devem buscar o lastro da imensa lucratividade da venda de drogas. Nenhum grande chefe do crime foi morto ontem: provavelmente estavam em algum imóvel de luxo assistindo à morte de uma pequena parcela dos seus funcionários, de policiais, inocentes e até de animais de estimação. 

Mais uma vez voltamos à enorme covardia da extrema direita. No discurso, se colocam como grandes guerreiros, corajosos, dispostos a entrar no território inimigo e abater centenas de brasileiros, entre funcionários do crime e inocentes que apenas têm o azar de viver no lugar errado. Usam dos palanques das coletivas de imprensa para aumentar seu capital político. Essas famílias destruídas pelo crime e pelas operações policiais desastradas só têm valor pela quantidade de votos que o discurso hipócrita do extermínio de criminosos é capaz de conquistar na população cansada de viver sitiada. 

Para deixar uma informação no ar: havia mais droga com o primo do deputado Nikolas Ferreira do que a que foi apreendida ontem no Alemão e na Penha. Havia mais armas na casa do Ronnie Lessa, melhor amigo e vizinho de Bolsonaro, do que o que foi apreendido na operação de ontem. Isso não prova que, focando na elite do crime, teremos melhores resultados, e sem mortes de inocentes e policiais?

(*) Tom Altman é economista e empresário. É diretor-geral de Opera Mundi.