Lula saiu das cordas
Lula deu outra lição, não apenas aos EUA, mas ao mundo: o combate às drogas e ao crime organizado começa por cercar quem administra seus lucros
Nunca antes neste país… (rs…) esteve tão claro que não há mais como separar conjuntura local ou estadual, nacional e internacional. Não sei se ainda se manifestarão os coachs de governo que reverberavam a mídia corporativa, reclamando que Lula parasse de viajar e se dedicasse à articulação interna.
Mas se eles ainda estiverem por aí, poderíamos perguntar se alguém sem o peso e o reconhecimento internacional de Lula conseguiria reorganizar em tão pouco tempo o mapa do comercio exterior brasileiro, garantindo tratamento privilegiado de alguns dos maiores mercados consumidores do planeta para enfrentar a chantagem tarifária de Trump.
Quando a revista The Economist, porta-estandarte do liberalismo internacional, estampa em sua capa que o Brasil dá lição de defesa da democracia aos EUA e o New York Times afirma em alta e boa fonte que Lula é o único estadista que enfrenta a Trump, nossas esquerdas deveriam se perguntar em que andaram apostando nestes dois anos e meio.

Hoje, Lula venceria as eleições contra qualquer adversário da direita ou da extrema direita
(Foto: Ricardo Stuckert)
Contrariando todas as falsas cassandras, Lula venceria as eleições hoje contra qualquer dos adversários da direita ou da extrema direita. Claro que sempre é necessário lembrar que as pesquisas são uma probabilidade no presente e não uma garantia no futuro. Mas se isso vale para quando Lula aparece à frente deveria ter valido também quando o pesquisismo indicava sua aprovação em queda livre, não?
Curioso que os analistas da mídia corporativa e boa parte da esquerda de rede social coincidam em que a recuperação da aprovação do governo se deve a Trump e ao tiro no pé do bolsonarismo via a confissão pública do 02 de ataques aos interesses da população e da economia brasileiras.
Se prestássemos mais atenção nas datas de realização do campo do que nas de divulgação nas pesquisas, poderíamos perguntar se houve tempo para que o impacto do discurso de defesa da soberania revertesse a tal curva de desaprovação. Ou se esta inversão foi resultado das razões econômicas que a grande mídia esconde, mas as pessoas sentem no seu dia a dia: emprego; aumento real da renda do trabalho, preços da alimentação em queda.
Talvez Andrea Sadi tenha acertado o diagnóstico no tempo e no lugar errados. Não terá sido agora, com a ação do 02 e a arrogância desbocada de Trump, que Bolsonaro e a direita (não só a extrema) perderam sem que Lula tivesse ganhado?
Porque não cabe, tampouco, euforia ingênua. A ainda maior potência econômica e militar do planeta tornou explícita e aberta a guerra híbrida que vem movendo contra o Brasil desde a primeiro mandato de Lula.
Mensalão, recriação da IV Frota logo após o anúncio do pré-sal, espionagem de Dilma e da Petrobrás sob o Nobel da Paz Obama, que conseguiu, num grande esforço, murmurar à guisa de desculpas que “não deveríamos fazer algo apenas porque podemos fazê-lo”.
O golpe do impeachment e a ação direta da CIA em todo o processo da Lava Jato, tão seguros de si, que nunca se preocuparam em esconder que Moro visitava Langley sem necessidade de marcar audiência; que a Globo era parte imprescindível da conspiração; e que o herói do Power Point gerenciaria R$ 2,5 bilhões em uma fundação privada para … combater a corrupção!
E o resultado de quase duas décadas de guerra híbrida ainda está aí.
Congresso tomado por quadrilheiros que até a esquerda insiste em chamar de centrão; capacidade do Executivo de definir prioridades orçamentárias comprometida pela terceirização do governo realizada por Bolsonaro; ameaça constante da articulação entre o fisiologismo e a extrema direita para desvirtuar o que resta da Constituinte uma vez chamada de cidadã; governo mais minoritário no Congresso de todo o período pós-ditadura; e umas Forças Armadas que só não embarcaram diretamente no golpe contra a eleição de Lula porque Biden enviou mensageiros para deixar claro que desta vez os EUA não o apoiariam.
Foi exatamente nesse quadro que a pseudo-esquerda voluntarista se somou à imprensa corporativa para pressionar Lula e acusá-lo de não cumprir o que nunca foi seu programa. Desde exigir que afrontasse diretamente as Forças Armadas até querer impor indicações para o Judiciário por critérios étnicos ou de gênero, passando pelas propostas juvenis de romper com o Congresso ou mandar projetos propositalmente para “ser derrotado e denunciar”.
Para não falar das acusações de neoliberalismo assacados a Lula e a Haddad e ao festival de críticas à incompetência da comunicação e/ou covardia do governo quando recuou da regulamentação do pix em função da campanha midiática orquestrada pelo moleque mineiro, erigido pela própria esquerda a gênio da comunicação por redes, capaz de, por si só, conseguir 300 milhões de visualizações.
Dois anos e meio de trabalho paciente e profissional aparecem agora. O julgamento que começa esta semana não é apenas o de Bolsonaro, mas o de generais de quatro estrelas, o que nunca antes neste país…
E a partir desta semana The Economist poderia dizer que o Brasil deu uma outra lição, não apenas aos EUA, mas ao mundo: que o combate às drogas e ao crime organizado começa por cercar quem administra seus lucros. Mas claro que não o fará.
O jogo está longe de terminar, mas Lula saiu das cordas. Vamos ver se os esquerdo-sabidos serão capazes de promover as mobilizações que sempre cobraram. Dia 7 de setembro pode ser um bom teste. Se a mobilização em defesa da soberania nacional flopar, a culpa ainda será de Lula?
(*) Carlos Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos.























