O acordo tripartite Brasil-Irã-Turquia tem, para nós brasileiros, um
sentido histórico inegável e apenas timidamente reconhecido por uma
mídia nacional, que de tamanha má vontade com nosso presidente já
abalou sua credibilidade informativa com parte significativa da mídia
global.
Talvez o Irã não cumpra o acordado, como afirmam as grandes potências,
talvez a guerra seja inevitável. Mas há uma dimensão da situação que é
certamente inescapável, como afirmam analistas e experts entrevistados pelo portal de notícias UOL.
O Brasil passará a ter outro papel na geopolítica global,
independentemente até de seu presidente. Estranhamente a mídia não
anunciou que passávamos a ocupar um papel relevante no globo por conta
também da habilidade de nosso presidente, mas agora anuncia que não
dependemos mais dele para ter tal projeção.
Fazer piada com as frases inusitadas de nosso presidente tem se tornado
um estranho e muito positivo vaticínio para nós brasileiros.
Brincávamos com os erros de português e com a incultura monoglota de
nosso presidente — como ele poderia se relacionar com líderes mundiais
tendo tamanha ignorância idiomática? Pois o Lula monoglota tratou de
ser o presidente brasileiro mais ouvido pelo mundo e seus líderes em
toda nossa história. “O cara” como disse Barack Obama, presidente dos
EUA.
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Todos nós brincamos com a forma infantil, pouco técnica e até arrogante
como Lula tratou a gravíssima crise econômica global que chagava ao
país. “Marolinha”, disse ele, não teria o condão de descontinuar nosso
crescimento. Todos fizemos da expressão uma piada, nossa mídia
inclusive. Pois é, hoje, o governo está adotando medidas para conter o
“supercrescimento” que ocorre este ano. Era marola mesmo.
Muitas foram as piadas sobre a forma antidemocrática como Lula se
comportaria, forçando com sua popularidade um terceiro mandato, embora
ele negasse veementemente que adotaria tal conduta. Pois é, estamos em
eleições presidenciais. Lula não concorre e se submete tranquilamente
às regras do processo democrático, sem plebiscito bolivariano
aclamativo e autoritário, ou qualquer outra forma de “déficit”
democrático. Aliás, na normalidade democrática, conquistou mais
melhorias sociais e integração de excluídos ao mínimo existencial que
muitas ditaduras de esquerda.
Quando Lula partiu rumo ao Irã, as críticas já se apresentaram
contundentes e, com elas, as piadas dos ilustrados sobre a forma
singela e supostamente ignorante como Lula se referia à postura do
governo iraniano na questão nuclear. Lula dizia que era importante
alguém ir lá conversar com o líder iraniano.
Nenhum douto analista de nossa mídia lembrou do óbvio em diplomacia, do
seu instrumento funcional mais primário: a conversa, a negociação. O
velho sindicalista, habituado às mesas e rodadas infinitas de
negociação em conflitos trabalhistas foi lá e marcou o nome de nosso
país na principal agenda política global. E fez isso de um jeito
simples, sem rococós acadêmicos ou expressões em inglês ou alemão, mas
pelo único meio que ainda nos resta como humanidade para construirmos a
paz e evitarmos a guerra: a conversa.
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No dia seguinte ao acordo histórico, o primeiro dessa envergadura que teve o Brasil como protagonista, o Estadãonoticiava em manchete que o líder turco roubou a cena de Lula ao
anunciar o acordo. Estranha forma de selecionar o relevante na
informação para formar a manchete. Forma isenta de se expressar, não?
Habilidade
O Brasil não é uma potência militar, não somos uma sociedade belicosa,
nunca precisamos contar com grandes poderios militares para nossa
defesa. O Brasil tem crescido muito economicamente, mas ainda é um país
pobre, sem presença pujante na economia global. Não é por conta de
nosso potencial bélico ou nossa riqueza econômica que passamos a
figurar como protagonistas de questões políticas mundiais.
Temos assumido, por obra de nossa economia em crescimento e de nossa
diplomacia “lulista”, um inegável papel de liderança na América Latina
que coloca o país no centro do debate global. Por diversas e diferentes
razões, projetamo-nos como país protagonista no plano global. Mas uma
dessas razões nossa mídia resiste imensamente em reconhecer: a
indiscutível habilidade diplomática de nosso presidente monoglota. O
carisma insofismável de Lula é o principal ingrediente de nosso sucesso
como país nas relações globais. Passamos a existir no mundo pelo jeito
simples, alegre e até meio debochado de nosso presidente.
A mídia global nada mais faz que cumprir seu papel
jornalístico-profissional, reconhecendo e noticiando o fato. Os
principais e mais relevantes veículos de todo o mundo, com destaque
nunca antes dado a um presidente brasileiro, reconhecem o papel
invulgar de Lula no momento político internacional. Nossa mídia por
vezes de forma sutil, outras vezes nem tanto, parece querer a cada
passo desmerecer suas conquistas e, com isso, perde a oportunidade de
ganhar em qualidade ética de jornalismo e, ao mesmo tempo, de noticiar
um momento histórico singular que passamos como nação em toda sua
riqueza.
Vitoriosos
Setores de classe média paulistana, que integro e convivo em meu
cotidiano, adquiriam uma visão de tal forma parcial e ideologicamente
antipática a nosso presidente que, como é comum dizer, “se Lula andasse
sobre as águas diriam que ele não sabe nadar”.
Sempre culpabilizamos nossos políticos por nossa pequenez como nação,
mas talvez desta vez o mesquinho nos habita. Pela primeira vez em meu
quase meio século de existência, vejo nosso país sendo admirado e
querido pelo mundo. Falta ser querido um pouco mais por nós,
brasileiros de classe média. Afinal, fomos nós, mais que Lula ou
qualquer outro, que construímos esta nação. Nós somos os vitoriosos.
Mais que ninguém a classe média é a base de nosso sucesso como país,
fomos nós, consumidores brasileiros, que fizemos o grande maremoto da
crise global virar marola local. Nenhum banco, governo ou organismo
internacional nos ajudou. Nós confiamos em nossa economia, em nossa
criatividade, em nossa capacidade de gestar futuro e esperança. Sem
enfrentamentos violentos. Nós preferimos driblar o “alemão” da crise,
parafraseando Garrincha.
Lula e seu governo tiveram erros imensos. A demora em apresentar um
plano de direitos humanos, fazendo-o em momento inoportuno, a ausência
de ousadia em radicalizar conquistas sociais, universalizando direitos
fundamentais, a falta de uma crítica mais contundente ao autoritarismo
cubano, uma administração medíocre de nossos problemas de
infraestrutura e muitos outros.
Dignidade
Mas nenhum desses erros tem o condão de empecer o que resulta da mais
antiga piada quanto a Lula na presidência. Eu mesmo, por diversas
vezes, fiz piada com a famosa frase de nosso presidente “nunca antes em
nossa história”.
Pois é, hoje, sem piada, afirmo, no mesmo sentido do proprietário da
empresa de pesquisa Ibope, que, independentemente do resultado de nossa
eleição presidencial, nunca antes em nossa história tivemos um
presidente tão relevante como Lula. E digo mais: relevante para nossa
dignidade como nação.
Acho até que Lula não é apenas o mais importante presidente de nossa
história, mas talvez seja um dos mais relevantes brasileiros de nossa
história. Parafraseando Obama, Lula é “o” brasileiro.
*Pedro Estevam Serrano é advogado, mestre e doutor em direito do Estado pela PUC-SP e sócio do escritório Tojal, Teixeira Ferreira, Serrano e Renault advogados associados. Artigo originalmente publicado no Última Instância
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